Nesta semana, Cármen Lúcia foi eleita nova presidenta do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e deve substituir Alexandre de Moraes a partir de junho. O maior desafeto dos bolsonaristas dará lugar a André Mendonça, o terrivelmente evangélico indicado pelo ex-presidente na corte.
O TSE é composto por três ministros do Supremo, dois ministros do Superior Tribunal de Justiça e dois juristas.
Te podría interesar
Atualmente estão na corte Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia e Nunes Marques, Raul Araújo (STJ), Isabel Gallotti (STJ), Floriano Neto (jurista) e André Tavares (jurista). Em junho, André Mendonça assumirá o posto de Moraes.
Entender se essa mudança pode alterar diversos julgamentos é crucial para entender o futuro de curto prazo de diversos julgamentos, como o do senador Sérgio Moro (UB-PR) e outras causas pendentes envolvendo o ex-presidente Jair Bolsonaro.
Te podría interesar
Para entender o impacto desta mudança de composição, conversamos com Gabriela Armani, pesquisadora iniciando PhD em Ciência Política na Universidade de Harvard, mestre em Ciência Política pela USP, e membra de pesquisas empíricas em judiciário e política na Universidade de Georgetown e no grupo Judiciário e Democracia (JUDE/USP).
Como está dividido o judiciário brasileiro?
Juízes atuam de maneira política e fazem coalizões dentro de cortes. Isto não é um fato novo. Porém, nos anos recentes, parece que a polarização dentro dos tribunais tem se acentuado.
Segundo diferentes pesquisas, juízes costumam se aliar a depender de diferentes fatores, que variam desde a própria visão do direito ou mesmo a trajetória profissional de diferentes magistrados antes de suas indicações ao cargo.
Segundo a pesquisadora, esse tipo de divisão sempre aconteceu, inclusive em instâncias inferiores, com alas mais pró-empregados ou pró-empregadores na Justiça Trabalhista.
Mas por que se começou a falar disso recentemente?
“O que tem acontecido mais recentemente é que as coalizões presentes no TSE e no STF, especialmente, têm ficado muito salientes para a população”, afirma Armani.
“Nos últimos anos a gente tem visto esses órgãos terem sido palco do julgamento de muitos políticos extremamente relevantes, como é o caso do presidente Lula, do ex-presidente Bolsonaro, mas também de Sergio Moro, Dallagnol e de N e outros políticos”, explica.
Contudo, ela não enxerga que essa seja uma clivagem entre bolsonaristas e petistas.
“Me parece que a clivagem aqui é menos partidária e mais voltada à defesa institucional”, afirma a pesquisadora, que enxerga divisão em especial após a chegada de Nunes Marques e André Mendonça à Suprema Corte.
Não é uma “ala de Moraes”
A troca de Moraes por Mendonça fez com que parte da imprensa brasileira falasse em “ala de Moraes” para se referir a grupos no judiciário alinhados com as decisões do ministro do Supremo e uma segunda ala mais ligada aos ministros Nunes Marques e André Mendonça, ligada ao bolsonarismo. Para Armani, não é somente a figura do atual presidente do TSE que explica esse movimento.
Armani divide a corte em duas alas. A primeira é composta por Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, André Ramos Tavares e Floriano de Azevedo Marques.
Este grupo “tem tido uma postura mais ativa e entendido que o papel do judiciário nessas questões tem que ser de maior prevenção e combate, no caso das fake news, e de maior accountability e responsabilização, então, diante de diversas condutas e acusações que podem acarretar em perda de mandatos.”
O segundo grupo, composto por Raul Araujo, Isabel Gallotti e Nunes Marques é “marcado por uma postura um pouco mais passiva do TSE, sobretudo na ideia de julgamento de cassação de mandatos, de combate às fake news e outros assuntos da dinâmica eleitoral”.
Com a troca de Moraes por Mendonça, haverá uma mudança de dinâmica no TSE. Mas quem perde não é apenas o ministro odiado pelos bolsonaristas, e sim uma coalizão mais ampla.
“Alexandre de Moraes, na verdade, é membro de um grupo”, afirma. “Claro, ele está em posições de liderança, mas a atuação dele tem sido referendada por uma maioria, tanto no TSE quanto no STF”, completa.
Os julgamentos que importam
Nos próximos meses, o Tribunal Superior Eleitoral deve julgar casos importantes como as cassações dos senadores Sergio Moro (UB-PR) e Jorge Seif (PL-SC). No segundo semestre, Jair Bolsonaro deve se sentar no banco dos réus pela segunda vez, agora respondendo por usar o discurso dele nas Nações Unidas em 2022 como palanque eleitoral.
Além disso, virão as eleições municipais e uma mudança de postura pode se dar frente a candidatos bolsonaristas e petistas ao longo do pleito.
“A gente não deve ver uma diferença tão grande na mudança de presidência”, analisa Armani. Contudo, uma mudança de postura pode ocorrer. Cármen Lúcia aparece menos que Alexandre de Moraes na imprensa. “É tradicionalmente uma ministra menos proativa do que o ministro Alexandre de Moraes”, afirma.
“Embora ela faça parte da coalizão de forças que tem sido dura com os atos de 8 de janeiro e ataques à democracia, e uma posição mais dura na cassação de mandatos e no controle de políticos no TSE, ela é mais reservada”, diz Armani, questionando se haverá continuidade de parcerias do órgão com outros entes estatais e redes sociais.
Na visão de Armani, porém, é a entrada do ministro André Mendonça, indicado por Bolsonaro, que pode pivotar o colegiado da corte.
“A gente ainda não pode dizer que o André Mendonça seja um ministro pouco punitivista do ponto de vista de responsabilização eleitoral, em geral”, afirma. “O que a gente sabe é que ele tem sido muito acolhedor de demandas de setores bolsonaristas da política, mas a gente não sabe se ele seria tão garantista assim se o pedido fosse de políticos mais à esquerda”, explica.
“Sai um ministro de um lado da coalizão e entra um ministro pro outro lado da coalizão.”, afirma. “Pode ser que Moro e Bolsonaro se beneficiem dessa mudança de quadro”, completa.