Atendendo ao lobby policial militar que vem aparelhando a segurança pública do Estado de São Paulo, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) está trabalhando para que a PM passe a ter um poder que é exclusivo da Polícia Civil. Com o pretexto de desafogar as delegacias, ele pretende permitir que PMs realizem investigações criminais.
A informação foi divulgada nesta quinta-feira (18) pelo portal Metrópoles, que obteve uma cópia da ordem preparatória do governo paulista que pretende implementar o Termo Circunstanciado Policial Militar (TC/PM), que seria utilizado para registrar ocorrências consideradas leves, ou, nas palavras utilizada pelo documento, “de menor poder ofensivo”.
Te podría interesar
Esses casos mais leves, assim como todos os demais, são atualmente tratados pela Polícia Civil em nível estadual. Caso a proposta seja levada adiante, a PM poderá passar a investigar esse tipo de caso.
Para estarem habilitados a cumprir a nova função, os PMs passarão por um curso composto por vídeoaulas e uma prova com 15 perguntas. Os agentes deverão acertar 50% das respostas para se habilitarem. Tarcísio defende a proposta ao alegar que a PM poderá dar maior agilidade à investigação desses casos, desafogando a Polícia Civil para que possa se concentrar em investigações mais complexas.
Te podría interesar
“É uma forma de ter mais polícia circulando, de aumentar nossa ostensividade, de melhorar nossa presença, e quanto mais presença a gente tiver, menos crime a gente vai ter. Então, é uma forma de ganhar tempo e aumentar a presença policial na rua”, disse o governador.
Contexto
O anúncio vem em contexto no qual o aparelhamento da segurança pública de São Paulo pela ala mais violenta Rota é denunciado nos meios de comunicação independentes após uma Operação Verão que empilhou 56 cadáveres na Baixada Santista.
Em 11 de março, a reportagem da Revista Fórum entrevistou o cientista político Acácio Augusto, coordenador do Lasintec (Laboratório de Análise em Segurança Internacional e Tecnologias de Monitoramento), da Unifesp, sobre uma mentira dita por Guilherme Derrite, o secretário de segurança pública de São Paulo, à Jovem Pan, sobre os suicídios na corporação [clique aqui para saber mais].
Durante a explicação acerca da fake news de Derrite, o pesquisador acabou fazendo uma análise mais ampla acerca do próprio secretário e da forma como vem aparelhando a pasta, em nome da ala mais linha da Rota e da PM paulista como um todo. Para Augusto, o movimento que leva Tarcísio e Derrite à cabeça está inserido num contexto de 30 anos de atividade política da PM paulista. Confira a seguir um resumo desses dois pontos da conversa.
Quem é Guilherme Derrite?
O Derrite é um sujeito que une uma tradição de atuação política de policiais em São Paulo (que remete a figuras como o Romeu Tuma e os seus filhos) com o advento do bolsonarismo. Não podemos nos esquecer que inclusive um dos filhos do Bolsonaro, o Eduardo, é deputado por São Paulo. Também é preciso relembrar figuras que se tornaram políticos depois do Massacre do Carandiru como o Coronel Ubiratan, comandante daquela operação, e o coronel Telhada, eleito pelo PSDB que chefiou a bancada da bala paulista.
Só que o Derrite carrega essa tradição de policiais que entram pra política no estado de São Paulo e também tem a ver com a configuração do bolsonarismo. Ou seja, ele também era um influencer digital. Trata-se de um ex-tenente da Rota que entrou para a política e fazia ações no YouTube, assim como uma série de novos policiais influencers. E ao mesmo tempo tem essa coisa de ter vindo da Rota, o que o faz parecer um cara que conhece do campo.
E isso tem a ver com a indicação do nome dele pelo Tarcísio, que quebra uma ordem meio tácita de não colocar um policial pra chefiar a SSP. Além de tudo, o Derrite é um capitão, ele é de baixa patente, mas ao se tornar chefe da SSP, vira chefe da Polícia Civil também. Então cria desconfortos tanto dentro da Polícia Militar quanto da Polícia Civil. Mas ao Tarcísio interessa por ser essa ‘figura do front’, essa figura de combate que, ao mesmo tempo, tem forte apelo nas redes sociais do bolsonarismo.
Por que a SSP está aparelhada pela Rota?
Vou me apoiar em duas notícias recentes. No final de fevereiro, o Poder 360 apontou o acionamento do Ministério Público pela deputada estadual Ediane Maria, do PSOL de São Paulo, que apurava com fontes internas sobre a existência desse aparelhamento. Mas, ainda que isso possa ser tratado como uma especulação, o dado mais objetivo saiu numa matéria de O Globo, de 11 de março de 2024, que mostra que o Tarcísio de Freitas recentemente trocou e transferiu mais da metade dos coronéis da Polícia Militar de São Paulo.
São 64 coronéis da ativa na PM de São Paulo e 34 deles foram trocados. O número 2 da polícia foi exonerado, o José Alexander de Albuquerque Freixo. Ele foi tirado e, no lugar dele, foi colocado o coronel José Augusto Coutinho, que é ex-comandante da Rota.
Ou seja, o Derrite, além dos interesses dele próprio - característicos do bolsonarismo - e desse poder político da polícia, acho que a diferença dele com figuras como Tuma é que esses antigos policiais-políticos atuavam como uma espécie de representantes sindicais do interesse policial. O Derrite não, ele expressa essa ambição maior da polícia no comando da política em geral, ou seja, de uma "policialização da política" de maneira mais ampla. Então, quando ele vai para a Secretaria de Segurança Pública, assume um papel dúbio, uma vez que como capitão deve lealdade aos seus coronéis.
Por exemplo, o Coutinho, que acabou de ser nomeado número dois, era coronel da PM e era chefe do Derrite na Rota. Então, o que ele fez foi se cercar desses coronéis numa manobra, guardadas as proporções, muito parecida com o que o Bolsonaro fez na presidência em relação aos generais. Objetivamente, o dado de aparelhamento da SSP pela Rota, segue três caminhos:
- Primeiro a Rota, de onde vem o Derrite, e por ele ser um capitão, então ele deve lealdade militar aos seus coronéis;
- Segundo, essa denúncia no Ministério Público da deputada estadual Ediane Maria que pede apuração desse aparelhamento;
- E terceiro, essa troca gigantesca de comando, feita por meio de nomeação do Tarcísio, que exonera o subcomandante da PM, José Alexander de Albuquerque Freixo, para colocar no seu lugar o coronel José Augusto Coutinho, ex-comandante da Rota.
Numa tacada só, faz a transferência de 34 dos 64 coronéis da ativa na PM. E, se você olha a decisão, foi feita por conveniência de serviço. É o suficiente para dizer que a Secretaria de Segurança Pública, hoje, está na mão da Rota e dos oriundos da Rota.