O governo do Paraná, comandado por Ratinho Junior (PSD), recebeu um aviso do Museu do Holocausto de Curitiba, que comunicou sobre a participação de um veículo com símbolo nazista no desfile de 7 de setembro na capital paranaense, no ano passado. O aviso, porém, foi ignorado.
De acordo com a instituição, o comunicado foi feito em 18 de setembro à Casa Militar do governo estadual, "órgão de primeiro nível hierárquico, de assessoramento e apoio ao Governador", conforme regulamentação prevista no Decreto nº 2.680, de 2019 – já no primeiro mandato de Ratinho Junior.
Te podría interesar
Procurado, o governo estadual informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que o veículo não pertence ao inventário da Casa Militar do Paraná. Trata-se de um modelo Volkswagen Kubelwagen com uma insígnia nas laterais, uma cruz de faixa (Balkenkreuz, no nome oficial) utilizada pelas forças armadas nazistas.
"O desfile de 7 de setembro em Curitiba tradicionalmente é organizado pelo Exército", argumentou o governo. Contudo, integrantes da Casa Militar da Governadoria do Paraná também participaram na organização do desfile e no fornecimento de materiais e de estruturas.
Te podría interesar
Sem resposta, em 7 de fevereiro, o Museu do Holocausto encaminhou uma manifestação ao Ministério Público Federal (MPF) no Paraná exibindo o registro do símbolo nazista no veículo, com uma análise do significado carregado por tal signo.
A procuradora Hayssa Kirie Medeiros Jardim, responsável pela investigação do episódio, decidiu por realizar uma reunião com o Museu do Holocausto e outra com a Brigada Paranaense de Viaturas Militares Antigas, entidade presidida pelo proprietário do veículo, Laércio Turra.
O membro da BPVMA informou ao Brasil de Fato que já teria vendido o automóvel, uma homenagem, ao "Caroço dos Pracinhas", apelido dado a um veículo alemão que foi capturado pelo exército estadunidense e cedido à Força Expedicionária Brasileira (FEB), que estava em missão na Itália, em 1944.
"Nosso intuito sempre foi enaltecer os pracinhas e os aliados, sempre foi isso, nada mais que isso", afirmou Turra. Os autos da investigação não indicam imputação ao crime ou conduta ilícita dele. Porém, o crime de apologia ao nazismo por meio da divulgação de símbolos, emblemas ou propaganda é crime sujeito à prisão.
Além disso, a representante do MPF sugeriu ao Exército a realização de ações educativas junto ao Museu do Holocausto de Curitiba, com a finalidade de evitar a repetição de ocorrências semelhantes.
Não sabia do símbolo nazista
O general de brigada Erlon Pacheco da Silva, que comanda a Artilharia Divisionária da 5ª Divisão do Exército, responsável pela coordenação do desfile no Dia da Independência, afirmou não saber que o símbolo era nazista, em reunião com o MPF, em 23 de fevereiro.
"Quando na Segunda Guerra, quando surgiu a suástica ela foi sobreposta à cruz de ferro nas viaturas de retirada. Depois que terminou a guerra, a cruz de ferro permanece como símbolo do exército (alemão). Então, nas conversas informais também com a brigada em hipótese alguma eles queriam fazer nenhuma apologia, muito pelo contrário", relatou.
Segundo ele, a 5ª Divisão seria encarregada somente de coordenar o evento, sem atribuição de vetar ou autorizar a participação de veículos da sociedade civil no desfile – dividida em uma parte civil e outra militar. O órgão aponta que o veículo foi utilizado em outras cinco solenidades na capital paranaense.
Ele complementa com uma explicação acerca do evento: "Desfile cívico é a primeira parte, que esperam as escolas estaduais, as escolas municipais, onde desfilam as viaturas históricas da Brigada Paranaense de Viaturas Antigas. Nessas viaturas históricas desfilam os pracinhas da FEB".
Os pracinhas, combatentes da época, estariam até mesmo se sentindo "afrontados" em usar as viaturas alemãs, segundo o general. " Mas eles estavam ali realmente se sentindo representando a época ali, da guerra, isso foi o que a gente levantou", admitiu.
Uso indubitável
O Museu do Holocausto reagiu com uma declaração que manifesta espanto com a presença do veículo no desfile. Para a entidade, não há dúvidas de que houve referência ao nazismo, uma vez que a cruz foi utilizada nos automóveis e aeronaves somente do período do Terceiro Reich, que marcou o movimento liderado por Adolf Hitler.
"Hoje em dia, quando usada em veículos militares como o deste Desfile Cívico-Militar, ele inevitavelmente remete ao regime nazista. Em outras palavras, tanto o veículo quanto a cruz representados de forma isolada não garantem a interpretação de simbologia nazista ou de qualquer forma de apologia; porém o uso da cruz estampada num [Volkswagen] Kubelwagen não deixa dúvidas de seu propósito", diz o parecer do Museu, encaminhada ao MPF.
Para o militar Elson da Silva, há divergência no entendimento do Museu e dos integrantes da 5ª Divisão: "Não há dúvida que é uma visão bem diferente da que a gente estava tendo aqui", reforçou.
A própria procuradora admitiu, na reunião com o general, ter encontrado dificuldades em avaliar se o símbolo no veículo seria nazista, e teve de pedir informações ao Museu do Holocausto para confirmar as apurações iniciadas pelo jornal O Gazeteiro.
Com informações do Brasil de Fato.