DITADURA MILITAR

Golpe de 64: Cármen Lúcia vai pra cima da Justiça Militar sobre áudios da Ditadura

STM descumpriu decisão do Supremo que contribui para "resguardo da memória nacional", segundo ministra

Dilma em depoimento ao STM durante a Ditadura, quando foi torturada.Créditos: Arquivo
Escrito en POLÍTICA el

A ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou que o Supremo Tribunal Militar (STM) divulgue todos os áudios, na íntegra, de sessões de julgamento realizadas durante a ditadura militar, entre 1964 e 1985. O STM nega ter omitido ou censurado os documentos procurados pelos pesquisadores.

A determinação atende a uma reclamação do advogado Fernando Fernandes, responsável pelo portal Voz Humana, voltado para revelar áudios e processos de sessões da Corte Militar na ditadura. Em 2023, o grupo manifestou que havia identificado a ausência de gravações durante o processo de catalogação e transcrição dos áudios.

Fernandes alegou não ter encontrado a gravação completa de uma sustentação feita pelo advogado Idibal Pivetta, em 1975. De acordo com o advogado, somente a sonora do início da sessão foi disponibilizada, e não a íntegra, como exige o Supremo.

"Nos passaram a informação de que parte do material estava corrompido. Mas lembremos que são fitas magnéticas, não estamos falando de arquivo digital. Nós queremos saber onde está a fita", declarou.

A gravação referida por Fernandes registra o julgamento de Pivetta, preso e torturado por militares durante um período de 67 dias. O advogado foi absolvido em primeira instância, porém, o processo foi encaminhado ao STM, onde ele realizou sua defesa – parte do arquivo que não foi disponibilizado.

O pedido de divulgação vem de uma decisão anterior do Supremo e voltou a ser exigido diante do descumprimento pelos militares. Em 2017, o plenário do STF determinou a abertura dos arquivos de áudio que continham julgamentos dos presos políticos no regime militar.

Na ocasião, a ministra Cármen Lúcia chegou a classificar como "injustificável" a resistência que o Superior Tribunal Militar tentou opor ao cumprimento da decisão da Corte. O conhecimento disponibilizado nos documentos dos atos praticados, sejam sonoros ou escritos, contribuem para o "resguardo da memória nacional", segundo ela.

A relatora avaliou que o STM descumpriu a decisão do Supremo e pediu por uma declaração do presidente do STM, o ministro Francisco Joseli Parente Camelo. Segundo ele, a tecnologia disponível na época e suas limitações podem ter comprometido a qualidade e integridade dos arquivos.

"Uma ínfima quantidade de processos, públicos ou sigilosos, entre eles os acima relacionados pelo reclamante, não tem registro da captação de áudio das sessões ou o arquivo está com a integridade corrompida, em razão do lapso temporal e da tecnologia à época disponível, o que é lamentável até mesmo para os integrantes desta Corte", defendeu o presidente do STM.

Camelo não descarta a possibilidade de que o grupo de Fernandes detecte outros arquivos com qualidade e integridade comprometidas, sem disponibilização por parte do STM. Ele sugere que os pesquisadores procurem os documentos na documentação física registrada nos arquivos da Diretoria de Documentação e Gestão do Conhecimento (DIDOC), do STM.

Para a ministra Cármen Lúcia, o Supremo determinou o acesso "amplo, irrestrito e integral" aos arquivos, sem quaisquer restrições para áudios com baixa qualidade ou com eventuais cortes. Ela determinou que o STM disponibilize o material independente de seu estado.

"Naqueles julgamentos não houve limitação sobre a qualidade das gravações; se houve ou não captação integral do áudio das sessões; se o arquivo estaria ou não com sua integridade corrompida", destaca a magistrada.

A Corte Militar também deve permitir o acesso a um especialista técnico em áudio, designado pelo projeto Voz Humana, para averiguar as condições das fitas originais e a necessidade de restauração, que será custeada pelo reclamante.