JUSTIÇA

Marielle Franco: o que se sabe e o que falta saber sobre quem mandou matar a vereadora

Investigações seguem sem conclusão, seis anos após o caso; andamento depende de ministro bolsonarista do STJ

Marielle Franco foi assassinada na noite de 14 de março de 2018.Créditos: Reprodução/Commons
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As investigações do assassinato da ex-vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes permanecem em andamento, mesmo seis anos após o caso. O processo teve sua última atualização em janeiro, quando o responsável pelas execuções e ex-policial militar, Ronnie Lessa, firmou acordo de delação premiada com a Polícia Federal.

Agora no Superior Tribunal de Justiça (STJ), a delação depende da homologação do ministro Raul Araújo. O fato da colaboração depender da ciência da Corte Judicial indica que um dos dois mandantes do assassinato teria prerrogativa de foro privilegiado, direito concedido às autoridades que ocupam cargos públicos para assegurar os princípios de moralidade administrativa e evitar a impunidade dos agentes.

O STJ segue o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), de que a prerrogativa de foro privilegiado ocorre somente quando há relação entre o crime cometido e o exercício do mandato. Ou seja, é necessária uma relação de causalidade entre o cargo e o crime imputado.

Neste âmbito, têm direito ao foro: governadores, desembargadores de Tribunais de Justiça (TJs), integrantes dos Tribunais de Contas Estaduais (TCEs) e municipais (TCMs) e de Tribunais Regionais, Federal (TRF), do Trabalho (TRT), e Eleitoral (TRE), bem como de integrantes do Ministério Público com atuação em tribunais superiores.

Entre os nomes investigados pela Polícia Federal e pelo pelo Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público do Rio (MP-RJ), o único que tem prerrogativa de foro é Domingos Brazão, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ).

Outros investigados

Enquanto isso, os investigadores estariam buscando provas contra outros dois envolvidos no assassinato para concluir as investigações. Desde o assassinato, em 2018, outras duas pessoas foram investigadas como mandante do crime, além de Domingos Brazão:  o ex-vereador Marcello Siciliano e o ex-bombeiro e também ex-vereador Cristiano Girão, que foi condenado por atuar na milícia.

Em julho de 2021, a Polícia Civil de São Paulo prendeu Cristiano Girão, ex-chefe da milícia do Gardênia Azul, por formação de quadrilha e lavagem de dinheiro da milícia em 2009. O vereador foi acusado de mandar matar o ex-policial militar André Henrique Silva Souza, miliciano do bairro de Campo Grande que tentava controlar a região.

Girão teria contratado Ronnie Lessa para matar André Henrique em 2014. De acordo com a investigação do caso, Lessa era utilizado para executar os inimigos do ex-vereador.

A prisão de Girão não se deu pela participação do assassinato da vereadora, conforme o Ministério Público do Rio de Janeiro. Contudo, houve pedido de prisão por meio da Força-Tarefa do Caso Marielle e Anderson (FTMA), do MP-RJ, a partir das relações com Ronnie Lessa.

Entenda o caso

Em julho do ano passado, Élcio de Queiroz, ex-PM preso acusado de dirigir o veículo utilizado no assassinato de Marielle, também fez um acordo de delação premiada, na qual confirmou sua participação no crime e a de Lessa, além de apontar o nome de Brazão.

Na ocasião, o então ministro da Justiça Flávio Dino disse desconhecer a existência de delação: "Os desdobramentos dos atos daquele delação [de Élcio de Queiroz] podem levar, claro, a outras delações, eventualmente. Neste momento existe outra delação? Que eu tenha notícia, não. Não há nenhuma delação porque juridicamente só há delação, quando há homologação", afirmou.

A reação de Dino e da PF mostram a preocupação do Palácio do Planalto com o suposto vazamento das informações. Para o governo Lula (PT), a divulgação de dados não oficiais podem prejudicar as investigações.

Na delação, Élcio apontou que o bombeiro Maxwell Simões, o "Suel", teria sido um dos articuladores do assassinato, atuando no planejamento do crime antes e depois da execução. Preso em 2023, ele teria feito campana para acompanhar os passos da vereadora desde 2017, com o objetivo de matá-la.

Em uma conversa pelo aplicativo de mensagens WhatsApp, trocada entre Jomar Duarte, o "Jomarzinho", e o ex-PM Maurício Conceição, conhecido como Mauricinho, Maxwell foi informado que haveria uma "Operação Marielle" e que "pelo que me falaram vão até prender até Brazão e Rivaldo Barbosa, não sei se é verdade". 

Conforme depoimento de Julia Mello Lotufo, viúva do miliciano e chefe do "Escritório do Crime" Adriano da Nóbrega, a ordem do assassinato de Marielle e Anderson partiu de um dos líderes da milícia Gardênia Azul. No entanto, ela não revelou o nome do mandante. 

Em delação em julho de 2021, Julia afirmou que Adriano não teria participado da execução, embora estivesse preocupado que as investigações atrapalhassem seus negócios na favela de Rio das Pedras, vizinha à Gardênia Azul. A milícia teria procurado o ex-PM para participar do plano de assassinato pois considerava que a vereadora colocava em risco a operação da organização. Ele recusou, segundo a viúva.

Uma das suspeitas é que o assassinato ocorreu por uma disputa de terras na zona oeste do Rio, onde atuam as milícias ligadas tanto ao clã Brazão, quanto ao clã Bolsonaro.

Marielle, segundo teria delatado Lessa, defendia a ocupação de terrenos por pessoas de baixa renda e queria que o processo fosse acompanhado por órgãos como o Instituto de Terras e Cartografia do Estado do Rio e o Núcleo de Terra e Habitação, da Defensoria Pública do Rio.

O mandante - ou os mandantes -, por sua vez, buscava a regularização de um condomínio inteiro na região de Jacarepaguá sem respeitar o critério de área de interesse social, ou seja, o dono tinha renda superior à prevista em lei. O objetivo seria obter o título de propriedade para especulação imobiliária.