IMPLOSÃO DA ORCRIM GOLPISTA

Recado para Bolsonaro? Braga Netto usa Suassuna em mensagem velada sobre burrice

Estratégia de defesa de Bolsonaro, de culpar generais pela arquitetura do golpe, causou hecatombe na OrCrim golpista. Em estocada, Braga Netto recorreu ao escritor socialista, que foi filiado ao PSB de Geraldo Alckmin, compartilhando frase de perfil kardecista

Jair Bolsonaro e Walter Braga Netto.Créditos: Marcos Corrêa/PR
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Em meio à intriga causada na Organização Criminosa (Orcrim) golpista com a declaração do advogado Paulo Amador Cunha Bueno, que faz a defesa de Jair Bolsonaro (PL), o general Walter Braga Netto, que foi candidato a vice em 2022 na chapa do ex-presidente, mandou um recado velado usando uma frase atribuída ao escritor paraibano Ariano Suassuna para classificar o fanatismo como burrice.

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Ao que tudo indica, a mensagem é endereçada a Bolsonaro, que mudou a estratégia de defesa e passou a culpar os militares de alta patente - entre eles o próprio Braga Netto - pela arquitetura do golpe.

Em entrevista à Globonews, Cunha Bueno sinalizou que o ex-presidente usará a tese do "golpe dentro do golpe" e culpará os generais Augusto Heleno, Walter Sousa Braga Netto e Mario Fernandes, que integrariam o chamado gabinete de gestão após o golpe.

"Quem seria o grande beneficiado? Segundo o plano do general Mario Fernandes, seria uma junta que seria criada após a ação do 'Plano Punhal Verde e Amarelo' e, nessa junta, não estava incluído o presidente Bolsonaro", disse Cunha Bueno.

"Não tem o nome dele lá, ele não seria beneficiado disso. Não é uma elucubração da minha parte. Isso está textualizado ali. Quem iria assumir o governo em dando certo esse plano terrível, que nem na Venezuela chegaria a acontecer, não seria o Bolsonaro, seria aquele grupo", emendou.

Recado velado

Em publicação nos stories de seu Instagram, compartilhada do perfil @mensagens_kardecistas, Braga Netto mandou uma mensagem velada comparando o fanatismo, que norteia Bolsonaro, como burrice.

Em uma das frases, o general afirma que "não é possível convencer fanático de coisa alguma, pois suas crenças não se baseiam em evidências: baseiam-se numa profunda necessidade de acreditar".

Em seguida, Braga Netto recorre a Ariano Suassuna, filósofo brasileiro que desde a juventude de declarou um homem socialista e de esquerda e foi filiado ao PSB - partido do vice-presidente Geraldo Alckmin -, para chamar os fanáticos, como Bolsonaro, de burros.

"O fanatismo e a inteligência nunca moram na mesma casa", compartilhou o general, em recado velado ao ex-presidente.

Fúria

A declaração de Cunha Bueno implodiu a relação de Bolsonaro com Heleno e Braga Netto e causou furor entre advogados dos 25 militares indiciados, especialmente nos de alta patente.

Marcus Vinícius, advogado de Fernandes - que foi citado literalmente por Cunha Bueno - reagiu com irritação e acusou o defensor de Bolsonaro de atuar como "promotor", fazendo linha auxiliar dos acusadores dos militares.

"A colocação dele é irresponsável. Ele é advogado de defesa ou promotor? Está atuando como promotor. Como faz isso? Me causa perplexidade", afirmou, "irritado e sem meias palavras", segundo Lauro Jardim.

Conforme a Fórum antecipou, uma linha de investigação da Polícia Federal (PF) trabalha com a tese de que Bolsonaro seria um "fantoche" do grupo de militares golpistas - ligados ao chamado Partido Militar Brasileiro, o PMB.

A declaração de Cunha Bueno revela que o ex-presidente usará a tese do "golpe dentro do golpe" para acusar os militares e tentar se safar de uma punição que pode levá-lo à cadeia.

A linha investigativa ganhou força com a busca e apreensão de documentos na casa do general "kid preto" Mario Fernandes. Em um HD, o militar, que estava à frente do assassinato de Lula, previa a formação de um Gabinete Institucional de Gestão de Crise, comandado por militares, logo após o golpe de Estado.

A declaração foi vista por interlocutores de Heleno e Braga Netto como ato de traição de Bolsonaro que, segundo aliados, "não carrega feridos".

A estratégia de defesa trouxe à tona antigas rusgas dos militares de alta patente, que consideram Bolsonaro um político, desde que ele lançou sua candidatura a vereador em 1988, quando, por unanimidade, Conselho de Justificação Militar (CJM) pediu que ele fosse considerado culpado pelo plano de explodir uma adutora e "declarada sua incompatibilidade para o oficialato e consequente perda do posto e patente".

Bolsonaro, no entanto, acabou sendo absolvido pelo  Superior Tribunal Militar (STM) com uma controversa tese da defesa. Meses depois, ele deixou o Exército e se lançou candidato a vereador no Rio de Janeiro, dando início à sua trajetória político-eleitoral.

Delações

A declaração de Cunha Bueno ocorreu após a tentativa dele de reunir advogados dos 37 indiciados na trama golpista.

O objetivo seria costurar uma linha de defesa única, mas serviria para a defesa de Bolsonaro sondar um possível movimento de delações entre militares indiciados.

Revoltados com a "covardia" do ex-presidente em não avalizar o golpe, esses militares defendem a tese de culpá-lo como grande articulador da intentona.

A Fórum confirmou que ao menos um dos 36 nomes que foram indiciados juntamente com Bolsonaro avalia com a defesa fazer um acordo para delação premiada. 

O medo de uma delação em série teria feito com que Bolsonaro, por meio do advogado, mudasse a estratégia de defesa e passasse a culpar os militares.

Antes da tentativa de reunir advogados dos indiciados, Bolsonaro havia divulgado uma tese fantasiosa, de que não haveria crime em "tentar" um golpe de Estado.

O ex-presidente usou um texto, que teria como autor o procurador de Justiça (MP-SP) César Dario Mariano da Silva, que defende a tese de que "nem a idealização e nem o planejamento desses crimes, sem nada mais, são fatos típicos penalmente".

No entanto, na entrevista na sexta-feira à Globonews, Cunha Bueno revelou a mudança na estratégia, expondo o racha com os militares, especialmente os da alta cúpula, da OrCrim golpista.

O receio é que, a partir de agora haja um movimento de delações desses militares, a exemplo do que houve com o tenente-coronel Mauro Cid.

Ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Cid foi preso no dia 3 de maio de 2023 na investigação sobre as fraudes nos cartões de vacina.

Ao ver o pai, o general Mauro Lourena Cid, envolvido em outra investigação - do contrabando das joias - e diante das provas obtidas pela PF envolvendo o tenente-coronel, a família contratou o advogado Cezar Bitencourt, que negociou o acordo de delação que fez com que o ex-auxiliar entregasse Bolsonaro no esquema. 

Fonte da PF ouvida pela Fórum afirma que, assim como Cid, a "lealdade" dos militares investigados é muito maior às Forças Armadas do que a Bolsonaro, considerado por alguns como um "fantoche" dos interesses do PMB, o Partido Militar Brasileiro.

Sem personalidade jurídica registrada, o PMB é um antigo projeto de militares saudosistas da Ditadura que se reúne nos porões da política. 

Em 2015, ao ser eleito deputado federal, José Augusto Rosa, conhecido como Capitão Augusto (PL-SP), encabeçou um movimento para dar legalidade ao PMB.

“Só não escolhemos o número ainda, mas já fizemos uma convenção nacional, recolhemos 500 mil fichas e, inclusive, já tivemos audiência com o ministro Dias Toffolli (presidente do Tribunal Superior Eleitoral). Explicamos a ele que, apesar do nome, não se trata de um partido só para militares, porque não somos preconceituosos, mas uma legenda que tem a alma militar, um partido da direita de verdade”, justificou à época Capitão Augusto, que cogitava adotar o número 38,  em alusão ao calibre de um revólver, ou o 64, em referência ao golpe de 1964.

Segundo o agente federal, além da "lealdade" ao PMB, parte dos militares indiciados estariam decepcionados com a covardia de Bolsonaro e culpam o ex-presidente por não ter dado aval para que o golpe fosse levado adiante em dezembro de 2022, como estava previsto, e fugir para os EUA.

"Uma das hipóteses de o golpe não ter vingado é que Bolsonaro não assinou o decreto para dar legalidade nas ações dos 'kids pretos' [militares das Forças Especiais, que tramaram a morte de Lula, Geraldo Alckmin e Moraes]. E eles vão apontar exatamente isso, que o mentor de tudo era Bolsonaro, que vai alegar que não quis assinar o decreto por ser 'legalista, porque joga dentro das quatro linhas'. Isso é papo. Os militares vão empurrar para ele. Militar é militar. E na hora que apertar vão jogar Bolsonaro aos leões e ficar tudo no militarismo para tentar se resolver", disse o agente à Fórum, ressaltando que o ex-presidente foi convidado a deixar o Exército após conspirar contra a cúpula militar.

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