“Meu rumo também era assim, não ter para onde ir...” os versos de uma música bem conhecida no mundo gospel dos anos 90, do cantor Sergio Lopes, parecem definir bem o atual momento de muitos líderes evangélicos que, embarcados na canoa furada de Jair Bolsonaro, começam a abandonar o barco. E o desembarque, grande, já começou. O ex-presidente e agora inelegível vê o seu séquito diminuir a cada curva de rio.
A campanha eleitoral do Rio de Janeiro foi uma demonstração forte do que viria em seguida: nomes até então inseparáveis e aguerridos migraram sem pena para o lado de Eduardo Paes (PSD), que despontava com uma reeleição certa (o que se comprovou nas urnas, logo no 1º turno). Líderes como o pastor Cláudio Duarte, organizador da Marcha para Jesus, e o bispo Abner Ferreira, líder da Assembleia de Deus Madureira, apoiaram Paes, o que resultou em ataques por parte de apoiadores de Bolsonaro. O deputado Otoni de Paula (MDB), também ligado à Assembleia de Deus Madureira, criticou a pressão política dentro das igrejas, afirmando: “A igreja deve representar o Senhor, não um lado político”.
Te podría interesar
Otoni talvez seja o maior expoente dessa debandada do bolsonarismo. Muitos apoiadores de Bolsonaro expressaram desapontamento e indignação nas redes sociais, acusando o pastor de traição e falta de lealdade. As críticas destacam a decepção dos seguidores que viam nele um aliado fiel ao ex-presidente, interpretando sua decisão como uma ruptura significativa com a base política conservadora que ele anteriormente defendia. Em resposta, o deputado do MDB tem buscado justificar sua mudança de posicionamento, argumentando que suas ações são guiadas por princípios e convicções pessoais, e não por alianças políticas.
Descontentes com a postura do bolsonarismo, uma parte considerável das igrejas começou a moderar seu discurso para recuperar uma posição neutra. A Igreja Universal, por exemplo, que em 2022 era conhecida por seu discurso contrário à esquerda, recentemente adotou uma postura mais neutra, afirmando que a igreja não deve apoiar nem a esquerda nem a direita. Esse reposicionamento busca preservar a autonomia das igrejas e evitar que questões políticas dividam suas congregações.
Te podría interesar
Além disso, há um crescente entendimento dentro das igrejas evangélicas de que a fé e a política devem ser mantidas separadas para preservar a integridade espiritual e a missão religiosa. Diversos pastores e líderes religiosos têm ressaltado que a igreja deve ser um lugar de acolhimento para todos, independentemente de suas orientações políticas. Talvez um dos motivos seja o grande êxodo de evangélicos de suas igrejas, o que faz com que a população de “desigrejados” cresça exponencialmente a cada novo censo.
Mas, olhando friamente toda essa movimentação, a pergunta que surge é: para onde irão esses evangélicos, já que o discurso contra a “esquerda” ainda é muito forte nesse meio? A tendência é ficarem onde sempre se sentiram bem à vontade, no centrão, flutuando conforme a força política mais poderosa no momento. Assim não se desgastam tanto como sofreram pelo apoio ferrenho ao bolsonarismo durante os últimos 4 anos. Isso custou uma debandada de fiéis, o que impacta no poderio financeiro e até mesmo no poderio político local. A prova disso é o fracasso das grandes denominações mais próximas do bolsonarismo nas últimas eleições.
No cenário eleitoral carioca, um dos representantes da Igreja Universal, o pastor Deangeles Percy (PSD), atribuiu seu desempenho nas eleições a uma radicalização política local. Percy, que integra o PSD, partido do atual prefeito Eduardo Paes, avalia que o tom agressivo da campanha dificultou sua candidatura. Essa abordagem reflete sua tentativa de manter o foco na campanha e evitar conflitos desnecessários em um ambiente já marcado por intensa polarização.
Quem vai ficando cada vez mais isolado nessa história, além do próprio Bolsonaro, é o empresário da fé Sila Malafaia. Aguardemos as cenas dos próximos capítulos.