INTELIGÊNCIA

EXCLUSIVO: Explosão em Brasília expõe limitações da Abin na identificação de ameaças

Abin alertou governo sobre possíveis ataques durante o G20, mas sucateamento, falta de ferramentas e burocracia comprometem capacidade da agência de atuar de forma preventiva e eficaz

Créditos: Antonio Cruz/Agência Brasil
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A explosão na Praça dos Três Poderes, realizada por Francisco Wanderley Luz, de 56 anos, revelou a precariedade da inteligência nacional em lidar com ameaças crescentes. Dias antes do ataque, a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) enviou um alerta ao governo federal e às entidades que integram o Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN) sobre a possibilidade de ataques violentos durante o período do G20. 

Entretanto, fontes internas apontam que falta de detalhamento decorre da carência de ferramentas tecnológicas de monitoramento e triagem que poderiam ajudar a Abin a filtrar e identificar potenciais ameaças com mais precisão. Atualmente, a agência depende amplamente de inteligência de fontes abertas (OSINT), que é limitada em alcance e profundidade para ameaças mais complexas. Essas limitações burocráticas comprometem seriamente a capacidade da agência de individualizar ameaças e responder preventivamente.

Alerta e dificuldades para individualizar ameaças

As fontes internas da Abin relataram que, embora o alerta tenha sido emitido, ele era genérico e carecia de informações específicas sobre possíveis alvos ou autores do ataque. “Esse tipo de coisa... é saber que a gente vai sempre apanhar nesse caso. Quando houver um ataque terrorista... isso é difícil de detectar na situação atual que nos encontramos,” comentou uma das fontes, referindo-se à complexidade de prever incidentes dessa natureza. Segundo os profissionais, a Abin precisa lidar com um grande volume de dados diariamente, sendo obrigada a filtrar e descartar informações irrelevantes para focar em ameaças concretas. “É todo dia... você faz uma espécie de triagem,” descreveu uma fonte sobre o trabalho constante de separação entre ameaças reais e “malucos na internet”.

Essa falta de individualização e categorização das ameaças decorre, em grande parte, da ausência de ferramentas tecnológicas avançadas, como o sistema Guardião. O Guardião, controlado pelo Ministério da Justiça, permite monitoramento em tempo real e rastreamento de indivíduos suspeitos, algo essencial para identificar padrões de comportamento de possíveis ameaças. Entretanto, a Abin não possui autonomia sobre o sistema e precisa de autorizações específicas para utilizá-lo. “A gente está sem ferramentas que nos possibilitem fazer isso com segurança. Isso contribui muito para que nosso papel fique realmente enfraquecido,” revelou uma das fontes, ressaltando que a falta de acesso impede a agência de realizar um monitoramento preciso e imediato de possíveis suspeitos.

Além disso, a dependência exclusiva de inteligência de fontes abertas (OSINT) limita a profundidade das investigações da Abin, pois grande parte das ameaças potencialmente perigosas requer ferramentas especializadas para serem adequadamente monitoradas e analisadas. “Hoje em dia, a gente precisa ainda da bola de cristal,” ironizou um dos profissionais, destacando a sensação de impotência ao lidar com o volume de ameaças e o limitado poder de análise e categorização.

Sucateamento e falta de investimento na Abin

A situação de sucateamento da Abin é apontada pelas fontes como um dos principais fatores que comprometem a atuação da agência. Sem acesso a equipamentos e tecnologias modernas e enfrentando um orçamento cada vez mais restrito, a Abin opera com uma estrutura defasada, incapaz de acompanhar as necessidades de segurança nacional. “A agência vem sendo sucateada, e isso não é segredo para ninguém dentro do governo. As dificuldades que enfrentamos diariamente são gritantes,” afirmou um dos profissionais da inteligência. Esse processo de enfraquecimento estrutural se intensificou nos últimos anos, levando a Abin a operar com um quadro de profissionais sobrecarregados e com acesso restrito a recursos fundamentais.

Os principais pontos de fragilidade incluem:

– Ausência de ferramentas de monitoramento: a falta de acesso ao Guardião limita a capacidade de rastreamento e identificação de suspeitos em tempo real. Esse sistema, essencial para a categorização rápida de ameaças, é controlado pelo Ministério da Justiça, e a Abin precisa solicitar autorização para utilizá-lo em investigações. “O Guardião, por exemplo, poderia nos dar uma capacidade muito maior de rastrear e identificar suspeitos. Mas dependemos de autorizações para cada uso, o que torna o trabalho lento e quase inviável em emergências,” criticou uma das fontes.

– Burocracia excessiva: os processos internos da Abin são considerados morosos, prejudicando a resposta a emergências e comprometendo a capacidade de ação em momentos críticos. “Quando ocorre alguma coisa séria, a população sempre pergunta onde está a Abin, mas não imagina a quantidade de barreiras que enfrentamos,” lamentou uma das fontes, apontando que a agência é frequentemente cobrada por resultados que não consegue entregar devido às limitações burocráticas.

– Orçamento limitado e equipamentos desatualizados: a falta de recursos impede a Abin de modernizar seu aparato tecnológico, mantendo a agência dependente de equipamentos obsoletos e sistemas pouco eficazes para monitorar ameaças. “A gente depende de equipamentos antigos, e, sem orçamento, fica impossível acompanhar os avanços tecnológicos,” revelou outra fonte, enfatizando que a inteligência nacional está em desvantagem tecnológica em relação a outros setores e países.

– Restrições legais e acesso limitado a dados críticos: ao contrário de outras instituições, a Abin precisa de permissões formais para acessar dados sensíveis, o que torna a resposta lenta em situações de emergência. “Precisamos de agilidade, mas ficamos presos a autorizações e processos burocráticos,” explicou um dos profissionais.

Frustração entre os profissionais e críticas ao Ministério da Justiça

As fontes também revelaram um forte sentimento de frustração entre os profissionais da Abin, que são constantemente pressionados pela opinião pública sem terem os recursos necessários para atuar. “A gente faz o possível, mas é como estar sempre apagando incêndios sem ter um extintor à disposição,” desabafou uma das fontes. Em momentos de repercussão nacional, como a explosão na Praça dos Três Poderes, a agência se torna alvo de questionamentos e críticas, mas seus profissionais afirmam que a falta de autonomia e apoio governamental impede uma resposta mais rápida e efetiva.

Críticas também foram dirigidas ao Ministério da Justiça pela centralização de ferramentas essenciais para o trabalho da Abin, como o sistema Guardião. “É absurdo termos que pedir autorização para acessar algo que deveria estar à nossa disposição para garantir a segurança nacional,” declarou uma fonte, destacando que a dependência do Ministério reduz a capacidade da agência de atuar de forma ágil e autônoma. Essa centralização, segundo os profissionais, gera uma sensação de impotência e atrapalha o desenvolvimento de ações preventivas.

A urgência de reformas e a necessidade de fortalecer a inteligência nacional

Para os profissionais da Abin, o atentado na Praça dos Três Poderes é um sinal de alerta para a necessidade urgente de reformas estruturais e de investimentos no setor de inteligência. “Estamos lidando com ameaças complexas, mas sem as ferramentas ou o apoio que precisamos para enfrentá-las. Isso é inaceitável para um país do tamanho e da relevância do Brasil,” disse uma das fontes. A União dos Profissionais de Inteligência do Estado (Intelis) reforçou, em nota divulgada após o atentado, a necessidade de maior autonomia e recursos para a Abin. A entidade alertou que, sem uma revisão estrutural e aumento significativo de recursos, a agência continuará operando de maneira limitada e incapaz de agir preventivamente para garantir a segurança nacional.

Desconfiança

Os desafios enfrentados pela Abin têm suas raízes em um processo de sucateamento estrutural e falta de investimentos em pessoal e tecnologia, essenciais para monitorar ameaças e responder de forma eficaz. Desde o governo Bolsonaro, a agência lida com dificuldades em recompor seu quadro de servidores e garantir a capacitação adequada para lidar com as novas demandas de segurança nacional. Além disso, a Abin ainda carrega o peso histórico do antigo SNI (Serviço Nacional de Informações) e lida com a desconfiança pública, o que dificulta a obtenção de recursos adicionais.

“Queremos mostrar que a Abin tem uma missão moderna e trabalha em prol da segurança nacional, mas sem os abusos do passado. No entanto, sem recursos, nossa atuação é extremamente limitada”, comentou um especialista da área.

Uma inteligência em crise e a exposição da vulnerabilidade brasileira

O ataque recente mostrou que a Abin, apesar de sua capacidade de identificar riscos, não possui os recursos e a autonomia necessários para atuar preventivamente. O episódio escancarou as limitações enfrentadas pela agência, revelando que, sem uma estrutura fortalecida e ferramentas adequadas, o Brasil permanecerá vulnerável a incidentes que poderiam ser evitados. “É uma situação muito frustrante. Estamos aqui para proteger, mas, sem apoio, nossa atuação fica limitada,” afirmou uma fonte, que destacou a necessidade de que a sociedade e o governo compreendam a importância da Abin para a segurança nacional.

Diante do aumento da violência e das ameaças complexas, as fontes da agência reiteram que, sem investimentos adequados e sem uma estrutura modernizada, o Brasil permanece exposto a riscos internos e externos. O alerta emitido pela Abin antes do ataque reflete as limitações internas e os desafios que a agência enfrenta diariamente para realizar seu trabalho. “Precisamos de uma Abin equipada e autônoma, capaz de garantir a segurança do país e de nossas instituições. Do jeito que está, ficamos limitados e expostos,” concluiu uma das fontes.

Esse cenário evidencia a urgência de uma reestruturação profunda e de investimentos que permitam à Abin atuar com mais autonomia e eficácia, assegurando a proteção do Brasil em tempos de crescente instabilidade e exposição a riscos de segurança.