CONGRESSO NACIONAL

Comissão da anistia é golpe de Lira com Bolsonaro para eleger Hugo Motta na Câmara

Ao anunciar apoio a Hugo Motta para sucedê-lo na presidência da Câmara, Lira fez um teatro encenando uma rasteira em Bolsonaro. Mas nos bastidores, a trama sórdida em torno de um novo golpe já havia sido tramada com o ex-presidente

Jair Bolsonaro e Arthur Lira.Créditos: Instagram
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Em princípio parecia até uma rasteira em Jair Bolsonaro (PL), que buscava se beneficiar da tentativa de tramitação à jato do Projeto de Lei (PL) 2858/22, que seria colocado em votação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara nesta terça-feira (30).

Mas o anúncio da criação de uma Comissão Especial para debater o tema, anunciado por Arthur Lira (PP-AL) em sua declaração de apoio a Hugo Motta (Republicanos-PB) para sucedê-lo na Presidência da casa, foi apenas uma cena da trama sórdida costurada pelo cacique alagoano juntamente com Bolsonaro para tentar um golpe no governo Lula.

Em público, Lira fez cena e disse que a criação da comissão impediria que Bolsonaro usasse o projeto de anistia - que o beneficia diretamente - como moeda de troca. O ex-presidente já havia condicionado o voto dos 95 deputados que controla ao candidato à presidência da Câmara que se comprometesse a levar a pauta a plenário. E trabalhasse para que fosse aprovada.

"Eu queria bastante atenção nesse tema", alertou Lira ao anunciar oficialmente seu apoio a Hugo Motta em pronunciamento na manhã de terça.

"Assim também deve ser com a chamada Lei da Anistia. O tema deve ser debatido pela casa, mas não pode, jamais, se converter em devido elemento de disputa política, especialmente no contexto das eleições futuras para a mesa diretora da Câmara", emendou o alagoano, no teatro que montou para fazer o anúncio à mídia.

Os bastidores do conluio, no entanto, começaram a ser revelados na declaração do próprio Motta, em que mostra que está fechado com o acordo proposto por Bolsonaro.

"Nós tivemos um episódio triste, que foi o 8 de janeiro, mas também não podemos permitir que injustiças sejam cometidas com pessoas que têm levado condenações acima daquilo que seria o justo para com a participação ou não dessas pessoas no ato", disse o postulante de Lira.

Em seguida, Motta revelou que a negociata foi feita diretamente com o presidente do PL, Valdemar da Costa Neto; o líder do partido na Câmara, Altineu Côrtes (PL-RJ) - membro histórico da tropa de choque de Eduardo Cunha (Republicanos), artífice do golpe contra Dilma Rousseff (PT) em 2016 -; e com o próprio Bolsonaro.

Com a comissão especial, que terá 68 membros (entre titulares e suplentes) e até 40 sessões para fechar os trabalhos, Lira apenas empurra a aprovação do PL da Anistia, que beneficia diretamente Bolsonaro, para frente.

Enquanto isso, ganhou tempo para negociar a adesão da base governista e de Lula à eleição de seu candidato para presidir a Câmara.

Blitzkrieg de Lira

A blitzkrieg - a "guerra relâmpago" do Exército nazista de Adolph Hitler para desencadear ataques rápidos e surpresas e desestabilizar os inimigos na II Guerra Mundial - de Lira para fechar consenso em torno de Hugo Motta levantou 312 votos em menos de 72 horas com incursões em gabinetes que cooptaram deputados de um prisma político que vai do PL, de Bolsonaro, ao PT, de Lula. 

De quebra, a ação de guerrilha que conquistou bem mais do que os 257 votos necessários para o deputado paraibano vencer a disputa no primeiro turno, implodiu as candidaturas dos adversários Elmar Nascimento (União-BA) e Antônio Brito (PSD-BA), que estão sendo pressionados pelo comando de seus partidos a levantarem a bandeira branca.

A blitzkrieg esvaziou quaisquer estratégias de reação de Nascimento e Brito. Diante do novo cenário, construído em menos de 3 dias, as cúpulas do União, partido de Sergio Moro e ACM Neto; e do PSD, de Gilberto Kassab, pressionam os dois postulantes a deixarem a disputa.

A previsão é que, com o levante de Lira, Motta obtenha cerca de 400 dos 513 votos dos deputados que compõem a casa legislativa, em uma vitória esmagadora e consensual - que não poderá ser contestada depois de fevereiro de 2025.

Os demais votos devem ser divididos em duas candidaturas de protesto, que podem ser construídas pelo PSOL, à esquerda, e pelo partido Novo, na extrema-direita.

O golpe tá aí...

O grande acordo costurado por Lira pode ser notado na reação tímida de Carol de Toni (PL-SC), bolsonarista que preside a CCJ e chegou a Brasília na segunda-feira (28) propagando que colocaria o PL da Anistia já na pauta da comissão na sessão de terça.

"Todo o nosso esforço não foi em vão. Nossa mobilização nos trouxe até aqui e não descansaremos enquanto não for aprovada. É urgente que façamos a verdadeira justiça e continuaremos firmes na nossa missão", disse Carol, de forma mansa, sobre a decisão de Lira de arrancar o projeto da CCJ.

Já na terça-feira à tarde, em meio às negociações de Motta e Lira com o PT, Bolsonaro escancarou o golpe em conluio com o aliado alagoano durante visita ao Senado, que serviu para explicar o novo golpe aos parlamentares comandados por ele nas duas casas.

"Tem certos acordos, não vou enganar vocês, que a gente faz no tête-à-tête, não tem nada escrito, nem passa para fora. (...) A gente conversa, poxa, na mesa [de negociação] é igual namoro, você conversa tudo, vou casar: vai ter filho, não vai ter filho, vai morar onde, o que você tem, o que você não tem", desconversou ao ser indagado se a própria anistia faria parte do acordão com Lira e Motta para aprovar a Lei em 2025.

Antes, o presidente vestiu a fantasia de que o projeto serve para beneficiar os poucos golpistas do 8 de janeiro que seguem presos e os muitos condenados que passaram a usar tornozeleira eletrônica.

Na prática, Bolsonaro será diretamente beneficiado pela alteração feita pelo relator do PL, de autoria do ex-deputado Major Vitor Hugo (PL-GO), hoje alocado no Detran de Goiás, pelo novo rival do ex-presidente, o governador Ronaldo Caiado (União).

Para estender o benefício a Bolsonaro, o relator, Rodrigo Valadares (União Brasil-SE), incluiu cláusula que estende a anistia a todos que participaram de eventos subsequentes ou eventos anteriores aos fatos acontecidos em 8 de janeiro de 2023, desde que mantenham correlação com o perdão aos condenados do 8 de Janeiro.

No relatório da investigação sobre a organização criminosa golpista, que será remetido à Procuradoria-Geral da República (PGR) nos próximos dias, a Polícia Federal (PF) deve indiciar Bolsonaro como um dos líderes da facção que incitou atos pelo país após a derrota para Lula nas eleições e que culminaram no 8 de janeiro.

Caso seja anistiado pela Lei, Bolsonaro evitaria a prisão - seu maior pesadelo -, poderia fortalecer sua tese para tentar anular a inelegibilidade e sair candidato em 2026. Ou, livre, ao menos fazer campanha para ampliar sua base no Senado e a partir de 2027 colocar em pauta o impeachment do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).

Isso se Lira, o dono da pauta no Congresso, "o permitir", como tergiversa o capitão, que se encontra cada vez mais escanteado pela "frente ampla" costurada pela Globo e o Centrão para calçar os sapatênis em Tarcísio Gomes de Freitas (Republicanos) e lançá-lo como candidato da terceira via para ser o anti-Lula em 2026.

Como diz o ditado que se popularizou nos últimos anos no país: o golpe está ai. Cai quem quer...