ABIN PARALELA

PF faz nova revelação sobre escândalo de espionagem da Abin de Bolsonaro e complica Ramagem

Investigação aponta que agentes ligados ao ex-presidente vigiaram mais de 30 mil cidadãos brasileiros críticos ao governo utilizando o software FirstMile, desenvolvido por empresa de Israel

Jair Bolsonaro e Alexandre Ramagem.Créditos: Presidência da República
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O escândalo de espionagem da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) de Bolsonaro, que monitorou com o software israelense FirstMile mais de 30 mil cidadãos brasileiros contrários à sua gestão do Palácio do Planalto, segue sendo investigado e tem uma nova revelação pela Polícia Federal que pode complicar a vida do seu ex-chefe e atual deputado federal, Alexandre Ramagem.

De acordo com matéria publicada na Folha, as revelações partem de documentos obtidos no âmbito da Operação Última Milha e apontam que agentes lotados no Centro de Inteligência Nacional (Cin) utilizaram o software para espionar a população. O curioso é que o Cin foi criado em julho de 2020 justamente com um decreto do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), funcionando como uma nova estrutura dentro da Abin que era, à época, chefiada por Ramagem.

O novo setor da Abin foi criado com a desculpa de assessorar os órgãos competentes da Abin que realizam “atividades e políticas de segurança pública e à identificação de ameaças decorrentes da atividade criminosa”. Ao que parece, 30 mil professores, pesquisadores, juristas e jornalistas críticos a Bolsonaro eram considerados como ameaças. O Cin, povoado por servidores e agentes próximos a Ramagem e ao clã Bolsonaro, chegou a ser chamado na imprensa de “Abin paralela”. Deixou de existir após a ascensão do novo Governo Lula e o advento da Operação Última Milha.

De acordo com Ramagem, que por meio de nota se defendeu das acusações negando irregularidades, era o Departamento de Operações da Abin que tinha permissão para operar o sistema FirstMile. A declaração contradiz os documentos obtidos pela PF que mostram o uso do sistema por pessoas ligadas à Cin.

Últimas revelações

Em 4 de janeiro o atual diretor da PF, Andrei Rodrigues, revelou que os dados dos brasileiros ficavam armazenados em servidor israelense e que as pessoas monitoradas poderiam ser rastreadas a qualquer momento. No dia seguinte, (5) os federais revelaram o que despertou neles a suspeita de que o uso do software FirstMile estava sendo feito de modo ilegal.

De acordo com Rodrigues, os dados monitorados pelos arapongas da extrema direita ficavam armazenados em Israel, lar da Cognyte, empresa que vendeu o sistema FirsMile ao governo federal durante a gestão Michel Temer (MDB) para ser usado pelo general Walter Braga Netto na intervenção na segurança pública do Rio de Janeiro. O mesmo sistema de vigilância foi utilizado por Bolsonaro no escândalo de espionagem clandestina, em que os dados coletados no monitoramento ficavam armazenados de forma remota, em nuvem.

“A investigação tem apurado que de fato houve o monitoramento de muitas pessoas, estima-se em 30 mil pessoas monitoradas clandestinamente, ou seja, de maneira ilegal”, reiterou Rodrigues. A seguir, o chefe da PF revela maiores detalhes do software israelense de espionagem utilizado, que poderia localizar os desafetos do governo a qualquer momento. Rodrigues também reafirma que, em regra, eram monitoradas pessoas com opiniões contrárias ao governo Bolsonaro.

“A ferramenta no seu uso regular permite o rastreio mediante a invasão dos aparelhos. Não é apenas monitoramento de antena. Ou seja, há monitoramento telefônico de sinais – não de dados ou mensagens – que apontam a localização exata que essas pessoas estão. E aí, a partir de cruzamento de informações, é possível supor quem esteve com quem e em determinadas circunstâncias. Isso traz uma série de consequências, principalmente porque não há justificativa técnica para o monitoramento dessas pessoas”, afirmou.

Entre diversos e-mails de servidores da Abin de Bolsonaro que estão entre os alvos da Operação Última Milha, um em especial chamou a atenção. O e-mail foi trocado em janeiro de 2020 entre uma funcionária da Cognyte, empresa israelense provedora do software FirstMile, com o servidor da Abin. Ela diz estar pesquisando formas de invadir a rede de telefonia da operadora Tim.

“Estamos pesquisando e testando novos métodos para acessar a rede da Tim, mas até o momento a Tim está bloqueando todas as nossas tentativas de acesso à rede. O manteremos informado assim que houver a necessidade nos nossos testes”, disse a funcionária da Cognyte em trecho da mensagem, publicada pela Folha.

Os federais alegam que o servidor tinha “plena ciência da característica intrusiva da ferramenta, tanto que questionou, na condição de fiscal do contrato, o fato de a empresa fornecedora ter perdido a eficácia em relação à operadora Tim”. Também pedem o afastamento do investigado. Mas não param por aí.

A investigação aponta que a Abin de Bolsonaro, além de grampear os dados digitais das pessoas monitoradas, também monitorava seus sinais de telefonia. Por essa razão qualquer um dos 30 mil opositores monitorados poderiam ser encontrados, fisicamente, a qualquer momento – a partir do rastreio de dados enviados por celulares a torres de telecomunicação. E foi nesse contexto que teriam tentado invadir a rede da operadora.

O objetivo da quadrilha bolsonarista era obter informações a respeito dos aparelhos, incluindo as de localização, sem precisar de autorização da Justiça. A PF aponta que a capacidade de invadir redes de telefonia do FirstMile é de conhecimento público e que, uma vez invadida a rede, bastava um operador digitar um número de celular para começar a monitorar o aparelho.

“O Estado brasileiro, portanto, efetuou o pagamento de R$ 5 milhões para que empresa estrangeira realizasse ataques sistemáticos contra a rede de telefonia nacional para comercializar dados pessoais sensíveis que resultaram na disponibilização da geolocalização de diversos brasileiros sem qualquer ordem jurídica”, resume o relatório da PF.

Operação Última Milha

No último dia 20 de outubro a PF prendeu dois ex-agentes da Abin de Bolsonaro por espionagem, fazendo uso indevido do sistema de geolocalização como meio de coerção indireta para evitar a demissão. Outros cinco agentes da Abin foram afastados de suas funções. Eles atuaram sob o comando do atual deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ) durante o governo Bolsonaro.

"Os investigados podem responder, na medida de suas responsabilidades, pelos crimes de invasão de dispositivo informático alheio, organização criminosa e interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei", diz a PF em nota.

Segundo as investigações, o sistema de geolocalização utilizado pela Abin é um software intrusivo na infraestrutura crítica de telefonia brasileira. A rede de telefonia teria sido invadida reiteradas vezes, com a utilização do serviço adquirido com recursos públicos.

Alvos de prisão, os agentes Rodrigo Colli e Eduardo Arthur Yzycky teriam coagido colegas que tinham conhecimento do suposto esquema de arapongagem para evitar uma possível demissão. Outro alvo da operação seria Caio Cesar dos Santos Cruz, filho do general da reserva e ex-ministro de Bolsonaro Carlos Alberto Santos Cruz, que deixou o governo após atrito com Carlos Bolsonaro.

Caio Santos Cruz seria representante da empresa israelense Cognyte, que vendeu o sistema FirsMile ao governo federal durante a gestão Michel Temer (MDB) para ser usado pelo general Walter Braga Netto na intervenção na segurança do Rio de Janeiro.

Os atos fazem parte da Operação Última Milha, deflagrada pela PF, que cumpriu ainda 25 mandados de busca e apreensão nos estados de São Paulo, Santa Catarina, Paraná, Goiás e no Distrito Federal. As medidas foram expedidas pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. Dias depois, as apreensões também apontaram uma outra forma agir dos agentes ligados ao antigo ocupante do Palácio do Planalto que tentou se perpetuar no poder como um ditador.

Segundo o jornalista César Tralli, da GloboNews, os federais descobriram que os homens da Abin também invadiam em massa computadores de adversários políticos e de autoridades que não se alinharam a Bolsonaro. A infiltração nesses dispositivos seria feita usando uma espécie de vírus, que poderia ser instalado nas máquinas por meio de mensagens de e-mail fraudulentas, contatos via serviço de mensagens ou pen-drives.

O o spyware teria a capacidade de extrair qualquer dado dos computadores infectados pelos agentes da Abin, que a partir daí conseguiriam ver absolutamente tudo naquele dispositivo. A ação era de natureza ilegal e feita sem qualquer amparo na legislação vigente.