O ex-senador e ex-governador do Paraná, Roberto Requião, ingressou no PT para ajudar a derrotar Jair Bolsonaro. Perdeu no primeiro turno para Ratinho Jr., mas obteve quase 1,6 milhão de votos (26%). Desde então, afirma que foi colocado para escanteio pelas principais lideranças de seu próprio partido.
Ativo nas redes sociais, Requião tem repetido as críticas que já havia feito anteriormente aos ministros da Fazenda de Lula e Dilma, Henrique Meirelles e Joaquim Levy. Desta vez, no entanto, o alvo é alguém que Requião chama de amigo: Fernando Haddad.
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Haddad, sustenta Requião, abraçou o liberalismo econômico, o que teria feito o petista cair nas graças da Faria Lima e da mídia comercial.
No Paraná, por questões políticas — o apoio da bancada federal ligada ao governador Ratinho Jr. no Congresso — o governo Lula teria fechado os olhos à privatização da Copel e dos pedágios.
Na opinião de Requião, um erro. O ex-governador reclama que, apesar de sua longa trajetória política, foi colocado no ostracismo pela mídia, uma vez que emite opiniões distintas do “consenso liberal”.
Com a provável cassação de Sergio Moro, Requião é cotado para disputar o cargo em uma eleição suplementar, mas diz que tem poucas chances de ser indicado candidato pelo PT.
Abaixo, a Fórum fura o cerco e expõe as opiniões de Requião que poucos jornalistas estão dispostos a registrar:
FÓRUM: Eu queria começar perguntando sobre esses processos que estão sendo movidos no TSE do Paraná contra o senador Sérgio Moro.
O Moro foi, no exercício da Magistratura, um instrumento dos interesses do capital financeiro. Depois das revelações da quebra do seu sigilo e tudo mais [Vaza Jato], ele se comportava como se fosse um agente americano a favor dos capitais financeiros, com a destruição do processo industrial brasileiro, naquela proposta conhecida de transformar o nosso país numa colônia, numa grande fazenda, produzindo commodities para resolver os problemas da Europa, dos Estados Unidos e da China.
Porque a transformação do Brasil numa grande plantação interessa ao mundo, só não interessa ao Brasil e aos brasileiros.
Dois partidos, PL e PT, sustentam que ele fez uma pré-campanha para presidente, outra para governador e depois saiu como candidato ao Senado.
Na verdade o Moro não poderia ser candidato ao Senado da República pelo Paraná. Ele estava filiado em outro partido em São Paulo, ele não tinha nem tempo de filiação. Então na verdade ele não poderia ter sido candidato, da mesma forma que o Deltan, o seu parceiro no Ministério Público enquanto ele era juiz, também não poderia ser candidato. Mas ele conseguiu no tribunal do Paraná. Agora, se você quer a minha impressão, eu acho que está tão esclarecida a atividade do Moro, contrária aos interesses nacionais, que mesmo o tribunal do Paraná, que lhe deu a legenda quando não podia, vai cassá-lo. Porque senão vai levar mais uma reprimenda num conserto da sua sentença no tribunal superior. Então eu acredito que o destino do Moro é perder o mandato, mandato ao qual ele nunca deveria ter tido acesso da forma como o fez.
FÓRUM: Neste caso nós poderíamos contar com o senhor como candidato ao Senado?
Eu fui o senador mais votado do Brasil na minha primeira eleição ao Senado. Eu fui três vezes governador do Estado. Eu fui prefeito da capital e fui deputado estadual. Uma carreira bonita com voto popular. Eu entrei no PT para derrotar o Bolsonaro e para eleger o Lula. Eu estava há 12 anos fora da política estadual. Eu me envolvi profundamente na política exterior do Brasil. Eu fui o presidente da seção brasileira do Parlasul, do Parlatino e posteriormente eu fui co-presidente, ou presidente latino, da Eurolat, do Parlamento Europeu Latino-Americano com sede em Genebra. O Parlasul era em Montevidéu, o Parlatino no Panamá.
Eu entrei nesse jogo de apoio ao Lula depois de ter criticado, eu não diria com dureza, mas com precisão, os erros da política do PT no governo. Eu critiquei muito a política do PT com Meirelles, eu critiquei muito a política do PT com Joaquim Levy, eu achava que era um erro. Mas quando vi que o interesse do Moro, que no início da sua jornada inclusive me empolgou um pouco — pouca gente sabe, mas fui eu que levei o Moro duas vezes para falar nas comissões do Senado Federal.
Quando eu vi que o jogo dele não tinha nada a ver com a corrupção, que era simplesmente um jogo entreguista para desmontar a possibilidade de industrialização do Brasil, as empresas nacionais, e agir conforme aquele famoso consenso de Washington, nos transformando numa grande colônia, uma plantação, fornecendo commodities minerais e agrícolas para os países do tal Primeiro Mundo, eu me opus a isso com firmeza.
FÓRUM: O senhor atuou contra o impeachment de Dilma
Eu entrei pesado na defesa da Dilma, embora eu estivesse no PMDB. Nunca suportei o Meirelles como ministro do Lula e nunca suportei o Joaquim Levy, e eu entrei pesadamente, cá entre nós, sem que pareça um vitupério, que é um elogio em boca própria, eu entrei muito mais pesadamente que o Partido dos Trabalhadores nisso, embora estivesse junto comigo o Lindbergh e companheiros que trabalhavam com muita energia.
Mas eu não era do PT, e eu pus o meu prestígio, o meu mandato, a minha popularidade no Paraná e no Brasil, contra aquela ignomínia que era a cassação da Dilma, agora já resolvida por um tribunal, mostrando que nunca houve pedalada fiscal, era um golpe de Estado mesmo para destruir a possibilidade de crescimento do Brasil.
FÓRUM: Mas, as coisas mudaram…
Depois da eleição eu fui desprezado pelo PT. O Lula nunca mais falou comigo. Nunca mais. Faltando uns dez dias para a eleição, ele me deu um telefonema, que queria falar comigo para discutir a política do Paraná, a política do Brasil. Nunca houve esse dia. Eu fui totalmente marginalizado, nem conversar mais para a reorganização do partido e das estruturas do governo federal no Paraná. Agora, como eu não entrei nesse jogo em causa própria, eu entrei com o objetivo, que era derrotar o bolsonarismo e derrotar o Guedes — que o Bolsonaro é um instrumento desse processo, é um mecanismo utilizado eleitoralmente pelo liberalismo econômico.
Eu não entrei à procura de nada, mas eu fui rigorosamente desprezado. Então você me pergunta se vai ser candidato ao Senado. Olha, hoje, em Curitiba, a rejeição ao PT é 60%. Então, o Paraná e Santa Catarina têm uma rejeição pesada.
Eu, que fui o mais votado senador do Brasil, perdi pontos nessa minha adesão ao PT, sabendo que ia perder. Mas eu entrei em função da minha visão ideológica do Brasil, do nacionalismo. Eu fui presidente no Senado da Comissão de Soberania Nacional, Defesa da Soberania Nacional.
E, quando saí do Senado fui eleito presidente de honra. Então a minha posição não é uma posição medíocre. Eu faço política sonhando em ajudar na transformação do Brasil, o que, cá entre nós, não está acontecendo hoje.
FÓRUM: Senador, eu tenho notado nas suas postagens que o senhor diz que essa história de joias do Bolsonaro já me cansou. Por que cansou?
Cá entre nós, que importância tem o raio de um relógio que um malandro ganhou e mandou vender, diante da venda da Eletrobras? E o governo federal entra com uma ação em juízo que não é para recuperar a Eletrobras. Segundo o texto do [Jorge, da Advocacia Geral da União] Messias, que é o procurador, diz que é para aperfeiçoar a privatização. Então, eu acho que é um desvio, uma tentativa de desmoralização da já desmoralizada imagem do Bolsonaro, esse ridículo ex-presidente da República, mas que, no fundo, nós estamos seguindo o que fez o Guedes.
O Guedes tem elogiado muito a política econômica do Brasil. Nós estamos a caminho da consolidação do liberalismo econômico. E aqui, no meu estado foi privatizada a Copel com apoio do governo federal.
FÓRUM: Em que termos se deu esse apoio?
O Lula não se opôs em nenhum momento, não disse uma palavra. O Alexandre Silveira e o [Fernando] Haddad anteciparam a outorga de duas usinas hidrelétricas, permitindo à Copel ter um encaixe de recursos — que o Rato [governador do Paraná, Ratinho Jr.], que é um seguidor do Guedes, já tinha descapitalizado a empresa.
E eles facilitaram a venda da Copel. O Lula, em Foz do Iguaçu, não recebeu o movimento de oposição à venda da Copel. E você lembra que lá atrás, no governo do Lerner, tentaram vender a Copel. Foi um movimento fantástico no Paraná.
A imprensa se mobilizou. Dezenas de milhares de pessoas nas ruas, a Assembleia foi invadida. Mas desta vez a imprensa inteira ficou em absoluto silêncio.
Eu assumi [como governador], depois do [Jaime] Lerner, e eu peguei a Copel com um prejuízo anual que justificava a privatização, de 340 milhões. No primeiro ano, com o governo austero, eu levantei o lucro para 1 milhão e 400. Depois, isso foi para 5. E, agora, eu não tive a oportunidade de dar uma entrevista num jornal, numa rádio, numa televisão, para falar sobre isso. Eu que fui governador três vezes.
Quando eu assumi, tinham privatizado uma usina de gás aqui em Campo Largo, com Estados Unidos. Eu derrubei aquilo no Tribunal Arbitral de Paris. Sabe quem foi o meu advogado, com o qual eu fui a Paris?
Na época, o [agora ministro do STF] Fachin, que era nosso procurador, foi comigo. Nós lançamos um panfleto explicando o tamanho do trambique para a França inteira. E o Tribunal Arbitral converteu em diligência. Iam nos liquidar no primeiro dia.
Nós fomos com toda a força. E essa diligência, com medo dos bandidos que tinham entrado no negócio, se transformou numa proposta. Eles vieram aqui e disseram “nós vendemos a nossa parte”. Eles queriam cinco bilhões e meio de indenização. Eu comprei por quatrocentos milhões de reais a parte deles. Agora, antes disso, eu fui ao Texas, aquela região que tem as usinas de gás dos americanos, para conseguir informações sobre a nossa usina de gás. E os americanos gerentes das usinas do Texas me disseram que era um absurdo.
Colocaram uma usina de retificação do gás boliviano com um preço fantástico, absolutamente desnecessário, um roubo. Em cima dessa coisa toda, nós levantamos, eu trouxe para dentro da Copel a usina de gás e a Copel se transformou numa empresa lucrativa fantástica.
Naquela crise dos Estados Unidos, do Lehman Brothers, do desemprego fantástico no país, eu reduzi a tarifa de energia elétrica do Paraná para a mais baixa do Brasil. Eu dei tarifa zero para os mais pobres e o meu lucro era tão grande que eu construí três usinas hidrelétricas, porque a Copel tem um monopólio.
Agora, hoje, a Copel foi vendida a quem? Um fundo estabelecido nas Ilhas Caiman, fundo Pátria, que tem uma participação significativa do BlackRock, que é o maior gestor de investimentos do mundo.
Eu suponho que o tal fundo Pátria foi montado com algum recurso tipo BlackRock, mas com os recursos daquelas 54 privatizações do governo do Fernando Henrique, daquela denúncia que eu fiz sobre a CC5 [remessas de dólares para o Exterior] e o Banestado.
Eu assumi o governo e descobri que em nome de um vendedor de cachorro-quente estavam saindo milhões de dólares. Nós fizemos a denúncia para o Ministério Público, para a polícia, caiu na mão do [então ministro da Justiça] Márcio Tomás Bastos, mas acabaram tirando o delegado Castilho [da Polícia Federal] de Nova Iorque, quando ele procurava o destino do dinheiro [desviado via Banestado]
Agora, imagina um fundo de investimento comprar uma usina, operar uma usina pra quê? Não tem cabimento isso. E o pedágio é a mesma coisa.
FÓRUM: Qual a perspectiva de futuro pra Copel?
Eu consegui com a Copel, com o monopólio e com a qualidade que ela tem, a menor tarifa do país. Eu consegui manter naquela crise norte-americana, que ferrou o mundo inteiro, o nível de emprego com carteira assinada lá em cima.
Eu trabalhei com a Copel no desenvolvimento do estado do Paraná, tarifa baixa. A Copel foi fundada pelo Bento Munhoz da Rocha Neto, em 1954, pra levar eletricidade de qualidade barata pro desenvolvimento do estado, principalmente no interior.
Vendida por quê? Ela não precisava de dinheiro, mas ela estava criando — na mão do Rato e desse pessoal desde o Jaime Lerner — dividendos simplesmente fantásticos, lucros simplesmente fantásticos.
Eu criei aqui a Copel Telecom, eles venderam a Copel Telecom pra um grupo aí, e com o dinheiro, em vez de investirem numa usina hidrelétrica, eles distribuíram dividendos. É a visão privatista do capitalismo liberal, que é a visão do governo do Paraná — e me perdoe a franqueza, é o que eu vejo no governo federal hoje.
Eu vi uma entrevista do meu amigo [Fernando] Haddad, que é um cara sério e correto, você sabe disso, mas que tem uma cabeça estranha. Ele era professor do Insper, o Insper é presidido pelo Marcos Lisboa, que foi quem escreveu A Ponte para o Futuro [projeto de governo de Michel Temer], dizendo que ele é a favor da reforma administrativa. Claro que uma coisa ou outra tem que ser reformada, mas a reforma proposta é para liquidar o Estado, fazer o Estado desaparecer.
Então eu vejo que tá havendo uma consolidação do liberalismo, o discurso do Lula internacional é uma maravilha, mas a prática não tem nada a ver com isso. Daí você me pergunta, se vai ser candidato? Eles vão me dar uma legenda pra mim ser candidato? Só me dariam se não houvesse possibilidade alguma de ganhar a eleição.
FÓRUM: Quanto a Copel distribuiu em dividendos?
Eu estabeleci no meu governo que a Copel distribuiria, segundo a lei das sociedades anônimas, 25% do lucro.
Daí eu pude construir três usinas, eu pude dar a tarifa mais baixa do Brasil pras indústrias não demitirem trabalhadores, era um acordo, se eles não demitem ninguém, o Estado reduz o preço da energia elétrica. Eu criei a irrigação noturna, praticamente, com 75% de desconto no preço da energia, pra melhorar a agricultura do Paraná.
A Copel foi um instrumento fantástico de desenvolvimento. Eu consegui tudo isso. Mas eles levantaram [os dividendos] pra 65% do lucro. É uma verdadeira loucura. E não há um grito, a imprensa calada, um silêncio absoluto.
A Assembleia Legislativa tem oito ou dez deputados que falam, os outros todos adquiridos pelo mercado.
Você sabe quem fez a licitação do pedágio no Paraná? Não foi o Rato. Foi o Lula. O Estado cedeu as estradas pro governo federal e o governo federal jogou na bolsa.
Como funciona isso? O Fundo Pátria, que é esse fundo das Ilhas Caiman, quer ganhar dinheiro. Mas ele não é uma empreiteira, ele não é uma construtora. Então ele contrata uma construtora, que quer ganhar dinheiro.
E essa construtora vai terceirizar empresas, vai contratar outras, que querem ganhar dinheiro. Então é um absurdo completo essa privatização. É um absurdo completo entregar pra um fundo de investimento as estradas do Paraná. É um crime. Isso deveria ser objeto de cadeia pra todo mundo, mas tá aí festejado. O Lula fez um vídeo junto com o Ratinho, anunciando a privatização. Por quê? Porque ele tá em desespero.
O partido do Kassab e do Rato tem 20, 30 votos no Congresso. Mas não é assim que se faz política. Tá mal feita, são erros. E nós estamos repetindo os erros da Dilma. Que é uma mulher de uma seriedade absoluta, eu a conheço profundamente, por isso entrei na defesa dela, mas cometeu erros.
Nós estamos repetindo os erros novamente. Tá aí, estão saudando o Castelo Branco [presidente do Banco Central], que baixou meio ponto na taxa da Selic. Tem cabimento isso? Nós estamos com 3,5 mais ou menos de juros no Brasil, e a Selic é de 13,25.
Agora, qual é o nosso papel? O que eu tô fazendo aqui com você? A denúncia, pressionando para que isso mude?
Se existe uma pressão parlamentar e do mercado, que está, de certa forma, tolhendo o Lula, é preciso que as pessoas que têm uma visão mais avançada tomem providência. A França estatizou a sua energia de A a Z.
A Alemanha estatizou a energia de A a Z. Londres estatizou a sua companhia de água e esgoto. E Paris também. Nós estamos fazendo o contrário e entregando para fundos das ilhas Caiman.
FÓRUM: E a Sanepar, governador?
A Sanepar é a mesma coisa. A Sanepar tá sendo privatizada por uma proposta do Haddad. O Haddad inventou o tal da PPP. Parceria Público-Privada. Eu fui governador três vezes no Paraná. Se você tem, no país, uma deficiência tecnológica num setor industrial que faz com que não possamos produzir determinadas mercadorias essenciais para o nosso desenvolvimento, você faz uma parceria Público-Privada para que setores da indústria que competem nesse setor no mundo inteiro, avancem, se desenvolvam e passem a produzir.
Mas você pegar uma empresa pública, um serviço público, monopolista, e entrar com o PPP é crime. E é o que estão fazendo, com o silêncio absoluto, inclusive da bancada federal do PT.
Estão licitando terços da Sanepar. Já licitaram o primeiro. São 16 municípios da região de Curitiba. É um crime isso.
A PPP pode ser muito inteligente para suprir uma carência tecnológica da produção de qualquer coisa no Brasil, mas não para privatizar empresa pública.
Mas o meu amigo Haddad vai para a televisão e diz que não quer investimentos públicos. Vamos fazer o Brasil crescer com o PPP. O que é o PPP? É dinheiro público. Dinheiro público dado para empresários privados. Privatizar em serviço público é uma loucura.
É sem razão. É uma bobagem. É um erro. Esses erros tinham que ser corrigidos.
FÓRUM: Eu vi que o senhor, recentemente, no Twitter, publicou uma foto sua com o Fernando Haddad. Deve ser uma foto antiga, então.
Meu amigo pessoal, não estou dizendo que o Haddad é bandido, nem ladrão. Estou dizendo que ele está equivocado na proposta. Ele está influenciado pelas ideias do Marcos Lisboa. Está consolidando o liberalismo econômico no Brasil. O arcabouço é um teto de despesas feito por um cozinheiro gourmet com alguns temperos especiais, mas a essência é a mesma coisa.
É um erro isso. E este erro foi cometido pela Dilma. Você sabe que, quando eu assumi o comando da luta no Senado Federal, eu ia conversar com ela. E ela me dizia, “eu tentei uma conciliação com o capital financeiro para dar uma corrigida nesse problema do déficit público. Mas, no fim do ano, eu acabo com isso e nós vamos voltar aos nossos programas de campanha. O que aconteceu com ela? Ela caiu. Estamos repetindo a mesma coisa.
FÓRUM: O PIB está avançando…
O PIB subiu porque nós batemos o recorde mundial de produção de milho e tal. O PIB não vai para o seu prato, nem para o meu, nem para o pessoal que está escutando o nosso bate-papo. Então, não tem sentido isso. Nós estamos vendo 13 vezes cair a bolsa. 13 caídas seguidas. Eu tenho aqui ao lado da minha casa duas ruas. Tinha umas 30 lojinhas aqui. 80% fecharam. Está fechando tudo. Então, não é bem assim. Agora, claro que o discurso do Lula em internacional é positivo, mas não é um discurso progressista.
O BRICS é uma tentativa de acabar com o monopólio americano, mas se você tem um pouco de pureza na alma, você não gostaria de ver a Arábia Saudita no BRICS. E ela está. Mas combate o domínio absoluto dos Estados Unidos.
Tudo bem. Vamos dizer que é uma necessidade. Não há outra maneira nesse momento. Mas, internamente, nós estamos fazendo a política do Haddad. É o liberalismo econômico. E parece que contra isso só estou eu e o Papa Francisco, que não aceita o domínio do capital financeiro.
FÓRUM: Governador, o que o senhor achou do fato da reforma tributária? Não mexeu na tributação de produtos primários que o Brasil exporta…
Você deve lembrar que o único voto no plenário do Senado contra a Lei Kandir [que permite a exportação de produtos primários, do agronenócio e da mineração, sem pagar impostos] foi meu. Foi o único voto. Todo mundo votou a favor daquela bobagem. Agora, é claro que o agronegócio é bom, ajuda o Brasil a equilibrar as divisas, vender para fora.
Mas nós somos hoje o campeão mundial de produção de milho, com 36%. Os Estados Unidos, que é o segundo, produz 26%. Os Estados Unidos eram campeões até agora. E o povo está passando fome. Está aí o Lula lançando programas para alimentar três vezes por dia os que não comem.
Nós temos que resolver isso via macroeconomia, não microeconomia. Nós precisamos de emprego, de desenvolvimento industrial. Eu fui governador do Paraná e apoiei brutalmente a pequena empresa agrícola.
Eu fiz aquele programa de tratores, vendendo tratores baratíssimos, com correção monetária, no valor do milho naquela época, para escapar do juros dos bancos. Deu certo. Mas a minha escala do Paraná não é a escala nacional. É claro que dá para fazer muita coisa.
Mas eu vejo que o meu amigo Haddad, que eu respeito e gosto de ver, não estou sendo irônico nem hipócrita, está enganado. Está enganado. Está repetindo o que a Dilma fez. E eu vejo o desastre se aproximar.
Apesar de toda a propaganda, o PIB cresceu 0,9% nesse trimestre. Vamos deixar de brincadeira. No fim do ano nós podemos estar numa situação terrível. E as próximas eleições municipais no Brasil serão o desastre definitivo para a nossa frente.
Porque daí vem o grande direita. Vem a fantasia da direita. É um erro isso. É um erro econômico. Nós estamos na contramão do mundo. O mundo está estatizando empresas estratégicas.
A Inglaterra, a França, Portugal, Espanha. E nós aqui fazendo exatamente o contrário. Por quê?
FÓRUM: Governador, o argumento do Lula e do PT é de que o Lula foi eleito com uma base política muito frágil e que, portanto, tem que dar uma guinada à direita porque, caso contrário, ele cairia.
Eu recomendo que o Lula leia aqueles livrinhos do seu tio-avô. O Totonho. O Totonho Gramsci. Nós estamos sem projeto de país. Essa história de que o Congresso Nacional é um congresso de picaretas não é verdadeira. Ninguém se acredita um bandido, um picareta. Ninguém quer ser. Agora, se se resolve que todas as votações do Congresso têm que ser remuneradas pelo orçamento secreto — que não acabou e continua na mão do Lula…
Inclusive, os parlamentares da nossa base, do meu partido atual, do PT, vão querer dinheiro também para votar. Senão eles vão ser derrotados na sua base eleitoral com dinheiro derramado nos seus adversários que são mais à direita que eles. Então, o Lula precisa ter um programa de governo.
Acabar com essa conversa mole, que é muito boa, porque é emergencial, o povo precisa comer, claro que precisa, sou a favor disso. Mas tem que ter um projeto nacional. Um projeto que não seja temerário, a ponto de não poder ser realizado no Brasil, nessas circunstâncias que nós vivemos hoje, mas que não seja covarde, se submetendo de forma absoluta ao capital financeiro, com o ministro da Economia dizendo que não queremos investimento público, nós queremos o PPP, investimento privado.
Quando o mundo está fazendo o contrário. Estados Unidos, China, o mundo. Com sucesso. O que é isso que está acontecendo? E ninguém fala. A impressão que eu tenho é que uma parte dos companheiros estão entusiasmados em nomear um fulaninho aqui, um fulaninho ali, um empreguinho aqui, um empreguinho acolá.
Não é para isso que nós entramos na política. Eu entrei na política sonhando ajudar a transformar o mundo. Mas acompanhei o desastre do liberalismo no planeta. Como é possível que eles não vejam isso? O discurso do Lula é bom, a prática não tem nada a ver com o discurso. Como é que você vai garantir comida três vezes por dia se você está entregando o Brasil para fundos de pensão das ilhas Cayman?
O capital financeiro está mandando no mundo. O que não existe mais é o capitalismo clássico, na visão histórica do camarada Marx.
E isso é perfeitamente normal, porque o Marx era um sujeito que pensava a dialética. E você conhece, por exemplo, a quinta unidade da dialética que surgiu na Rússia, nas mãos, por incrível que pareça, do Stalin, que é a constante mutação dos fatores.
A dialética tem que funcionar. Vou te dar um exemplo brasileiro disso. Quando o Lula fez aquela greve fantástica durante a ditadura militar, a Volkswagen tinha 40.800 funcionários. Hoje a Volkswagen tem 7.800. Daí você diria, ou diria um desses economistas da Rede Globo, é o progresso da tecnologia, a robotização, a informática, a inteligência artificial.
Não é, não. A informática e a robotização tirariam mais ou menos 2% dos trabalhadores. É a migração da fabricação dos automóveis para o mundo. Peça aqui, peça ali. E cá entre nós, quem é que arrebentou isso no Brasil?
Você lembra quem foi? Você ouviu falar no Ciro Gomes, no Protocolo de Ouro Preto? Foi lá que aconteceu isso [o Protocolo precedeu o Mercosul e foi assinado no governo de Itamar Franco, quando Ciro era ministro da Fazenda] Quem é que começou a venda da Embraer? Por isso que eu acho que o Ciro está prestando um serviço sensacional ao Brasil hoje, que está fazendo críticas pertinentes, mas a história dele me atrapalha com isso.
Então, na verdade, hoje, a indústria automobilística tem poucos trabalhadores porque as peças estão sendo construídas fora. E porque no governo do Itamar e depois do Fernando Henrique se abriu, foram 225 mil trabalhadores na rua de uma hora para outra.
Acabou a indústria da autopeça. Daí a indústria distribui no mundo. Fabrica na Argentina. Tem um problema? Tira da Argentina. A Ford saiu daqui como? Ela levantou, tirou, os troços e foi embora. Não tem tecnologia, não tem desenvolvimento tecnológico.
É isso que está acontecendo. Agora, é o capital financeiro mandando em tudo. Quem é que está contra isso? Meu líder nisso aí. Não é o teu bisavô, o Karl Marx. Meu líder nisso hoje é o Papa Francisco, que não aceita o domínio absoluto do capital.
FÓRUM: Teremos Requião candidato?
O problema não se trata em ter legenda. Eu seria candidato do Paraná e do Brasil. Eu não sou candidato do mercado financeiro. Eu não sou candidato do arcabouço fiscal. Eu não sou candidato da venda de usinas.
Eu não sou candidato da administração da Petrobras hoje, que produz um litro de gasolina por R$ 1,10 e eu estou pagando na bomba aqui no Paraná R$ 6,39. É comum.
Estão garantindo o preço para garantir o lucro dos dividendos dos acionistas. Está mal administrada a Petrobras. Não era isso que o Lula tinha prometido para a gente.
E daí baixa 10 centavos na gasolina, então em vez de 7 custa 6 35, e vem aquela conquista do nosso governo. Não! Não pode ser assim, isso não é verdade. Mas eu ainda tenho esperança e acho que a crítica que se faz é uma crítica construtiva.
Eu sonho que esse governo entenda, que o Lula bote esses ministros dele na rua, recomponha isso e faça um governo com uma proposta para o Brasil. Sem exageros pela esquerda que são insustentáveis. Mas sem a covardia da aliança com o capital financeiro da direita. Uma proposta que possa fazer o Brasil avançar. E daí pra frente a moda das ideias do Guerreiro Ramos, gênio da raça, que se abra a perspectiva da discussão e do crescimento do Brasil.
Não penso numa coisa radical, nem quero que o Lula faça bobagem que o derrube, mas estou vendo a consolidação do liberalismo econômico. E acho que o PT é ainda o único partido que tem no Brasil. Tem uma base maravilhosa, tem quadros muito bons, mas como qualquer partido político tem gente agarrada no saco do presidente à procura de um posto, de um cargo.
Eu tenho colocado algumas lives no ar. Uma boa parte dos intelectuais do PT me telefona, me dizem é isso mesmo, continue. Mas eles não falam publicamente. Eles me estimulam e calam a boca.