No dia em que foi anunciada a decisão do ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, que anulou definitivamente todas as provas forjadas que constavam nos autos da Lava Jato, e na qual o magistrado chamou a prisão de Lula (PT) de “um dos maiores erros históricos do Brasil”, o promotor chefe da operação, Deltan Dallagnol, que deixou o MPF e chegou a ser eleito deputado, embora tenha sido cassado, resolveu participar de um debate na GloboNews sobre o assunto com o renomado jurista gaúcho Lenio Streck.
A ideia, ao que consta, não foi muito boa. Lenio, um respeitado procurador aposentado do MP do Rio Grande do Sul, professor universitário, autor de inúmeras obras na área do Direito, cotado inclusive para uma cadeira no STF, massacrou o antigo acusador da Lava Jato, que insistia em sua versão cheia de clichês para defender um dos maiores ‘circos’ midiáticos e jurídicos de todos os tempos, apelando sempre a expressões como “combate a corrupção” e “pessoas que roubaram o Brasil”, uma tática simplista e pobre intelectualmente usada habitualmente também pelo ex-juiz do caso, o hoje senador Sergio Moro (União-PR).
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Dallagnol começou falando da decisão de Toffoli afirmando que “o ministro faltou com a verdade na decisão”, ou melhor, que aquela era “uma decisão absolutamente equivocada” ou “ele (Toffoli) está mentindo neste ponto”. Questionado pelas jornalistas Julia Duailibi e Ana Flor sobre as irregularidades na obtenção de provas e nos acordos internacionais firmados de forma ilegal, o ex-procurador insistiu que houve cooperação internacional com as autoridades da Suíça, o que mostraria que Toffoli, em sua decisão, “ou comeu uma tremenda bola ou faltou com a verdade”, colocando na cena até o ministro aposentado do STF Ricardo Lewandowski, relator originário das ações da Lava Jato no Supremo, o acusando de ter recebido um relatório final da Corregedoria do Ministério Público Federal, solicitada por ele mesmo, na qual supostamente haveria documentos negando qualquer irregularidade por parte dos procuradores de Curitiba, para então guardá-lo e não o divulgar à sociedade. “É uma decisão que está brindando a corrupção, de uma forma não fundamentada”, completou Dallagnol, atacando Dias Toffoli.
Depois de ouvir as montanhas de argumentos pueris e já derrubados em várias ações impetradas em tribunais superiores, Lenio resolveu desmontar o amontoado de teses estapafúrdias de Dallagnol, começando pelo óbvio: os resultados desastrosos e já explicitados para o mundo do que foi a Lava Jato.
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“A Lava Jato foi uma operação que fez o Brasil andar por um estado de exceção, por um estado de coisas inconstitucionais. O que se viu foram questões de atravessamento, procuradores que vinham da Suíça e traziam pen-drives com provas... Agora mesmo nós anulamos um caso no Equador em que o Ministério Público daqui entregou um pen-drive ao Ministério Público do Equador e isso não passou por lugar nenhum e condenaram lá o cidadão, o ex-vice-presidente”, iniciou o jurista.
“O que o ministro Toffoli está fazendo, e eu entendo a grita geral que está se colocando em acusações ao ministro... O que o ministro está dizendo é o que todos nós já sabíamos, e eles está colocando uma pá de cal em tudo isso que já aconteceu... Eu acompanho isso desde 2014, de 2015, e naquela época, nos tempos ainda do Youssef (Aberto, o doleiro delator) já entraram provas pelo Blackberry, não sei exatamente como é que chamavam aqueles aparelhos, não tinham essas questões mais pós-modernas, e as provas entraram também ilicitamente... E assim foram feitos acordos de formas ilícitas em vários setores... O que o ministro fez foi uma espécie de ‘combo’ das nulidades que atingem uma série de outros fatores (da Lava Jato)”, acrescentou Lenio.
“A Ana Flor sabe que aqui no Rio Grande do Sul tem uma frase que diz que alguém ‘está brigando como uma ovelha contra dez cachorros’... Então, com o Deltan dá pra entender como a Lava Jato se perpetuou ou como teve tanto tempo, porque com essa lábia e do modo como ele pega os fatos e constrói, é uma coisa impressionante. Ele consegue colocar o Ministério da Justiça, a Polícia Federal, o ministro Toffoli, todo o Supremo que anulou uma série de casos, inclusive o caso Lula... E quer saber um caso de um inocente? O caso Lula! O ex-juiz, que nós sabemos de toda sua suspeição, dos diálogos com você, enfim, todos nós sabemos disso... Essa história aí, eu sei a diferença disso que você está falando, só que uma coisa depende da outra e você sabe disso... Esse jogo de palavras de que ‘ah, mas havia acordo...’, uma coisa dependia da outra... Não se pode fazer, e é só ver a cláusula 7, e quem firmou essa cláusula diz que isso não poderia ser feito sem que houvesse os auspícios do DRCI (Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional do Ministério da Justiça)”, apontou ainda o especialista.
“A questão toda é que a Lava Jato foi uma operação indefensável. A Lava Jato destruiu empresas, fez tudo isso que nós já sabemos... Condenou um ex-presidente, impediu que ele se candidatasse, e tudo isso aconteceu. São fatos históricos... É como o 8 de janeiro... Daqui a pouco o Deltan vai negar o 8 de janeiro e vai dizer que é culpa do governo, ou que é uma conspirata... Não pode ser assim, e o bom seria é que a Lava Jato fizesse uma autocrítica indo à nação para dizer ‘olha, nós fizemos errado, nós deveríamos ter copiado o que se faz na Bélgica, na Alemanha, ou em outros lugares... Nós que viajamos tanto, olha, nós erramos, nós não podemos quebrar as empresas, nós não podemos levar as pessoas (à cadeia) do modo como foi feito, sem provas, nós do Ministério Público não fomos imparciais, nós falhamos’... Isso seria um gesto de grandeza que se espera do Deltan e dos seus companheiros... E nós não temos nada disso”. Se um ET viesse aqui hoje e ouvisse o doutor Deltan falar, ele iria dizer que ele é o grande injustiçado de tudo isso, mas a gente vê os resultados de tudo isso... As maiores cabeças pensantes do Brasil veem um fato, mas o doutor Deltan diz ‘isso não existe” e só porque ‘eu não quero que exista’”, reclamou.
Por fim, Lenio Streck ainda corrigiu uma informação errônea e primária que Dallagnol e Moro repetem à exaustão, de que Lula teria sido “condenado em três instâncias”, uma bobagem imensa, já que para finalidades do processo penal brasileiro só existem duas instâncias para análise de um mérito.
“Primeiro, não existe três instâncias, Dallagnol... Eu já te disse isso e você sabe... Você sabe que o processo penal só tem duas instâncias e o STJ não é uma delas, você insiste nesse erro primário de processo penal... Não engane as pessoas, o STJ não é instância, não mexe com mérito, você sabe disso”, encerrou o jurista.