PRESIDENTE LULA

Lula na ONU: relembre os discursos históricos do presidente brasileiro nas Nações Unidas

Em sua volta aos holofotes globais, presidente faz o discurso de abertura do evento nesta terça-feira

Lula discursa na ONU em 2003.Créditos: Ricardo Stuckert/PR
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O presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT) retornará ao palanque da Organização das Nações Unidas (ONU), nesta terça-feira (19), quando fará o discurso de abertura da 78ª Assembleia Geral da entidade. Esta será a oitava participação de Lula no evento, com sete discursos entre 2003 e 2009. 

VÍDEO - Assembleia Geral da ONU: Assista aqui ao discurso de Lula na abertura do evento

A expectativa para sua fala nesta edição é a reivindicação de espaço para países emergentes nas discussões em âmbito global por meio da reforma de orgãos internacionais, a exemplo do Conselho de Segurança da ONU, no qual o Brasil não é membro permanente, embora tenha assumido a presidência da organização.

"O que a gente quer é criar novos mecanismos e que tornem o mundo mais igual do ponto de vista das decisões políticas, sabe, por exemplo, eu vou repetir a questão do Conselho de Segurança da ONU, os membros permanentes. Por que que o Brasil não pode entrar? [...] Quem é que disse que os mesmos países que foram colocados lá em 1945 continuem lá?", indagou Lula em seu programa "Conversa com o Presidente". 

Pautas como desigualdade social, combate à fome e preservação ambiental devem retornar à voz de um presidente da República do Brasil, após os discursos despregidiados de Jair Bolsonaro entre as assembleias 74 e 77 – o ex-presidente isolou o país na diplomacia global após seu discurso na 76ª Assembleia Geral.

2003: A primeira vez de Lula

Em 21 de setembro de 2003, Lula subiu ao palanque das Nações Unidas pela primeira vez, como representante do Brasil por nove meses e de uma esquerda que governaria o país por 13 anos. 

No discurso, o petista afirmou a crença do país na ONU como promotora da paz e da justiça, tendo em vista a invasão dos EUA no Iraque, em março daquele ano. Ele relembrou o assassinato do diplomata brasileiro Sérgio Vieira de Melo, que "exerceu, em nome das Nações Unidas, o humanismo tolerante, pacífico e corajoso que espelha a alma libertária do Brasil", nas palavras do presidente.

Ainda assim, Lula manifestou que a solução o conflito não deveria vir por meios militares, mas pelas instituições internacionais de ordenamento político: "A ONU não foi concebida para remover os escombros dos conflitos que ela não pôde evitar por mais valioso que seja o seu trabalho humanitário. Nossa tarefa central é preservar os povos do flagelo da guerra".

Mesmo em 2003, Lula já advogava por uma vaga no Conselho de Segurança da organização ao apontar a composição inalterável dos membros permanentes desde sua criação, em 1945, que não qualificava a "legitimidade junto à Comunidade de Nações como um todo".

"Não podemos ignorar as mudanças que se processaram no mundo, sobretudo a emergência de países em desenvolvimento como atores importantes no cenário internacional muitas vezes exercendo papel crucial na busca de soluções pacíficas e equilibradas para os conflitos", sinalizou.

"O Brasil está pronto a dar a sua contribuição. Não para defender uma concepção exclusivista da segurança internacional. Mas para refletir as percepções e os anseios de um continente que hoje se distingue pela convivência harmoniosa e constitui um fator de estabilidade mundial. O apoio que temos recebido, na América do Sul e fora dela, nos estimula a persistir na defesa de um Conselho de Segurança adequado à realidade contemporânea."

As relações exteriores, sobretudo na América do Sul, foi mencionada por Lula como um laço baseado "no respeito mútuo, na amizade e na cooperação". A parceria com a Argentina serviu de exemplo da criação do sentimento de parentesco e de parceria que viria junto do crescimento econômico.

O presidente deu indícios de seus relacionamentos com os países que viriam a compor o BRICS: "Nas parcerias com a China e com a Rússia, estamos descobrindo novas complementariedades. [...] Com a Índia e a África do Sul estabelecemos um foro trilateral, orientado para a concertação política e projetos de interesse comum", anunciou.

Na ocasião, ele declarou que o protecionismo aos "países ricos" penalizava as nações em desenvolvimento e que tal configuração na dinâmica geopolítica era "o maior obstáculo para que o mundo possa ter uma nova época de progresso econômico e social"

A erradicação da fome foi outro ponto levantado por Lula, com discurso de urgência. "A fome é o aspecto mais dramático e urgente de uma situação de desequilíbrio estrutural, cuja correção requer políticas integradas para a promoção da cidadania plena. Por isso, lancei no Brasil o projeto 'Fome Zero', que visa por meio de um grande movimento de solidariedade e de um programa abrangente envolvendo o governo, a sociedade civil e o setor privado eliminar a fome e suas causas", disse ele.

2004: o Brasil chega de vez

"Pela segunda vez, dirijo-me a esta assembleia universal para trazer a palavra do Brasil. Carrego um compromisso de vida com os silenciados pela desigualdade, a fome e a desesperança", discursou Lula em 2004, com temas que seriam prioridades brasileiras na fala. 

O presidente citou o filósofo marxista Frantz Fanon, da Martinica: "Se queres, aí a tens: a liberdade para morrer de fome". Lula seguiria seu discurso com a exposição da miséria nos países perpassados pelo colonialismo e as tragédias no Oriente Médio. 

"Da crueldade não nasce o amor. Da fome e da pobreza jamais nascerá a paz. O ódio e a insensatez que se alastram pelo mundo nutrem-se dessa desesperança, da absoluta falta de horizontes para grande parte dos povos."

Esta foi a primeira vez em que Lula mencionou o compromisso do Brasil com pautas ambientais – o presidente reforçou o comprometimento do país com o desenvolvimento de energias renováveis, as medidas contra as mudanças climáticas e o Protocolo de Kyoto, referente ao controle da emissão de gases de efeito estufa na atmosfera.

"A América do Sul responde por cerca de 50% da biodiversidade mundial. Defendemos o combate à biopirataria e a negociação de um regime internacional de repartição dos benefícios resultantes do acesso a recursos genéticos e conhecimentos tradicionais."

2007: Lula retoma a urgência do combate às mudanças climáticas

Em sua quinta abertura, na 62ª Assembleia Geral da ONU, Lula responsabilizou o modelo capitalista de desenvolvimento pelas mudanças climáticas: "É preciso reverter essa lógica aparentemente realista e sofisticada, mas na verdade anacrônica, predatória e insensata, da multiplicação do lucro e da riqueza a qualquer preço. [...] A perenidade da vida não pode estar à mercê da cobiça irrefletida", argumentou.

"Saúdo sua decisão de promover debates de alto nível sobre o gravíssimo problema das mudanças climáticas. É salutar que essa reflexão ocorra no âmbito das Nações Unidas. Não nos iludamos: se o modelo de desenvolvimento global não for repensado, crescem os riscos de uma catástrofe ambiental e humana sem precedentes."

Foi neste discurso que Lula levantou a soberania da Amazônia nos debates de preservação ambiental e enfrentamento às mudanças climáticas: "o Brasil não abdica, em nenhuma hipótese, de sua soberania e nem de suas responsabilidades sobre a Amazônia".

"A construção de uma nova ordem internacional não é uma figura de retórica, mas um requisito de sensatez. [...] Todos concordamos ser necessária uma maior participação dos países em desenvolvimento nos grandes foros de decisão internacional, em particular o Conselho de Segurança das Nações Unidas. É hora de passar das intenções à ação."

2009: o último discurso de Lula

No pós-crise financeira de 2008, o modelo econômico neoliberal entrou em crise, segundo Lula: "O que caiu por terra foi toda uma concepção econômica, política e social tida como inquestionável".

"O que faliu foi um insensato modelo de pensamento e de ação que subjugou o mundo nas últimas décadas. Foi a doutrina absurda de que os mercados podiam autoregular-se, dispensando qualquer intervenção do Estado, considerado por muitos um mero estorvo. Foi a tese da liberdade absoluta para o capital financeiro, sem regras nem transparência, acima dos povos e das instituições. Foi a apologia perversa do Estado mínimo, atrofiado, fragilizado, incapaz de promover o desenvolvimento e de combater a pobreza e as desigualdades; a demonização das políticas sociais, a obsessão de precarizar o trabalho, a mercantilização irresponsável dos serviços públicos. A verdadeira raiz da crise foi o confisco de grande parte da soberania popular e nacional – dos Estados e dos governos democráticos – por circuitos autônomos de riqueza e de poder." 

Lula informou que o Brasil saiu de uma breve recessão por meio da redução da vulnerabilidade externa – passando da condição de devedores à de credores internacionais – e ao aprofundar os programas sociais, sobretudo os de transferência de renda, como o Bolsa Família. 

"Os países pobres e em desenvolvimento têm de aumentar sua participação na direção do FMI e do Banco Mundial. Sem isso não haverá efetiva mudança e os riscos de novas e maiores crises serão inevitáveis. Somente organismos mais representativos e democráticos terão condições de enfrentar complexos problemas como os do reordenamento do sistema monetário internacional", afirmou ele, ao questionar novamente os parâmetros para o regimento do Conselho de Segurança da ONU.

Em sua última frase, Lula retomou a existência de uma nova ordem internacional: "Não basta remover os escombros do modelo que fracassou, é preciso completar o parto do futuro. É a única forma de reparar tantas injustiças e de prevenir novas tragédias coletivas".