O general da reserva Walter Braga Netto, figura-chave no governo de Jair Bolsonaro (PL), onde ocupou os cargos de ministro da Defesa e da Casa Civil, além de ter sido seu candidato a vice-presidente na chapa derrotada nas urnas pelo presidente Lula (PT), tornou-se conhecido no noticiário nacional ainda na gestão breve de Michel Temer (MDB), quando foi nomeado por ele interventor federal no Rio de Janeiro, em 2018. Como chefe do Comando Militar do Leste, assumiu a direção da Polícia Militar, da Polícia Civil e do Corpo de Bombeiros Militar do estado e se reportava diretamente ao então presidente da República golpista.
Nesta terça (12), uma operação da Polícia Federal cumpriu mandados de busca e apreensão no Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo e no Distrito Federal e o alvo dos agentes era um suposto esquema de corrupção numa compra milionária de coletes balísticos levada a cabo no período da intervenção federal no território fluminense, por ordem do então gabinete chefiado por Braga Netto, o GIF. A compra acabou anulada pelo TCU e os valores devolvidos, mas a PF descobriu que a transação entre as autoridades brasileiras e a empresa norte-americana CTU Security LLC envolveu dispensa de licitação e um “sobrepreço” de pelo menos R$ 4,6 milhões dentro do contrato que totalizava R$ 35,9 milhões.
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Entre os alvos dos federais estão três oficiais que compunham o GIF, então liderado pelo candidato a vice de Bolsonaro: o general Paulo Roberto Corrêa Assis e os coronéis Diógenes Dantas e Robson Queiroz. Um levantamento realizado pela Fórum revela que os dois primeiros citados têm um extenso histórico de envolvimento com o mundo político e com comportamentos golpistas, embora se coloquem sempre como militares em defesa da pátria, legalistas, democratas e sem aspirações em carreiras fora dos quartéis.
Em agosto de 2013, no terceiro ano do primeiro mandato da presidenta Dilma Rousseff, ainda longe dos chiliques do derrotado Aécio Neves (PSDB) e das ciladas criminosas e vigaristas de Eduardo Cunha (PMDB), o general Paulo Roberto Corrêa Assis assinava um manifesto abertamente golpista, reacionário e vergonhoso proposto pelo embolorado e anacrônico Clube Militar.
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“Este é um alerta à Nação brasileira, assinado por homens cuja existência foi marcada por servir à Pátria, tendo como guia o seu juramento de por ela, se preciso for, dar a própria vida. São homens que representam o Exército das gerações passadas e são os responsáveis pelos fundamentos em que se alicerça o Exército do presente”, começa dizendo, da forma piegas e demagógica habitual, o texto da agremiação ultrarreacionária que vive ameaçando o Brasil e os brasileiros desde a retomada da democracia.
Para provar que todos ali subscritos eram probos e desinteressados na política, o manifesto assinado por Assis lembra ainda da “formação” dos oficiais das Forças Armadas e critica os “chocantes escândalos de corrupção em série”, cobrando “comportamento ético dos homens públicos”. Poucos anos depois os fardados infestariam a Esplanada dos Ministérios ocupando 6.157 cargos, entre membros da ativa e da reserva, no governo Bolsonaro, arrastando com eles suas instituições castrenses em vários casos de corrupção.
“Afinal, se a nata das forças armadas está insatisfeita e se predispõe a colocar seu nome em um documento público, alguma coisa realmente importante está acontecendo. São homens sérios, que não ‘jogam conversa fora’, e que têm muita informação e conhecimento sobre o Brasil, além de formação em altos estudos militares, política, estratégia e gestão (...) Não se intimida e continuará atento e vigilante, propugnando comportamento ético para nossos homens públicos, envolvidos em chocantes escândalos em série, defendendo a dignidade dos militares, hoje ferida e constrangida com salários aviltados e cortes orçamentários, estes últimos impedindo que tenhamos Forças Armadas”, assinala o manifesto ameaçador.
Um outro episódio que retrata o quanto Assis estava atolado na política foi uma entrevista concedida pelo general ao site The Intercept Brasil, em dezembro de 2018, na qual o oficial acabou arranjando uma dor de cabeça. Numa festa do inexpressivo e caricato PRTB, a sigla que por anos foi comandada pelo não menos caricato Levy Fidélix, o “homem do aerotrem”, Assis disse sem rodeios que Hamilton Mourão (Republicanos), então eleito vice-presidente meses antes, junto com Bolsonaro, “ia ser presidente, talvez até antes de 2022”.
“Mourão vai ser presidente da República em 2022 ou antes. Tudo pode acontecer. Ele é o vice, é o único que foi eleito. Os ministros todos podem sair, ele não. Vai ficar até o último dia”, disparou o militar que agora é investigado pela Polícia Federal.
“Falei (para Mourão): ‘eu acho que o Bolsonaro não vai se eleger, por causa do caso da Maria do Rosário e tal...’ Falei pra ele: ‘Mourão, dispute a Presidência se o Bolsonaro não concorrer. Porque não é bom ter dois candidatos a presidente militares. Se o Bolsonaro cair, nós apoiamos você’”, completou. Assis ainda fez parte da equipe de transição do governo Bolsonaro, antes da posse, em 1° de janeiro de 2019.
Em artigo publicado no site “O Fluminense”, ao fim do primeiro ano de governo da gestão passada, o general, jactando-se de ter sido “adido do Exército Brasileiro nos EUA e chefe do Estado-Maior do Comando Militar da Amazônia”, escreve um caminhão de bobagens e clichês ufanistas sobre uma suposta defesa da Amazônia, em tom “patriótico”, deixando uma ameaça patética às potências estrangeiras. Segundo ele, em último caso, os militares fariam o que “sabemos fazer muito bem, que é a Guerra na Selva, salpicada ao gosto da guerrilha”.
Por fim, quando disputou a presidência do Clube Militar do Rio de Janeiro, em 2014, o general agora investigado por suspeitas de ter atuado de forma ilegal na compra de coletes à prova de balas superfaturados dividiu chapa com ninguém menos que o coronel Pedro Ivo Moézia, um sujeito que entrou com ações na Justiça para suspender os trabalhos da Comissão Nacional da Verdade (CNV), já que ele havia “trabalhado” lado a lado com o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra no Doi-Codi, o mais notório torturador da Ditadura Militar (1964-1985).
O coronel que reclama do “radicalismo” e apoia o radical-mor
Diógenes Dantas Filho, coronel da reserva do Exército Brasileiro, é outro dos suspeitos investigados pela PF no caso dos coletes com preços exorbitantes e sem processo de licitação, ex-integrante do GIF. Como grande parte da caserna durante o governo Bolsonaro, o oficial também arranjou um cargo na gestão do ex-capitão insubordinado. Ele ocupou a função de “assessor especial de Segurança e Inteligência Cooperativa da Presidência da Petrobras”, seja lá o que isso queira dizer.
Em 2018, ano da vitória de Bolsonaro sobre Fernando Haddad (PT), Diógenes estava em plena campanha pelo militar de extrema direita defensor da tortura e da Ditadura, mas num artigo publicado no diário “O Dia” ele reclamava justamente do radicalismo, que em sua obtusa visão, claro, era culpa da esquerda e do PT.
“Desde o Governo Dilma temos registrado, sistematicamente, que o radicalismo aumenta assustadoramente e que atinge seu clímax no processo eleitoral. É o que estamos vendo... As invasões de repartições públicas, as depredações de propriedades privadas, a parcialidade e a inquisição da Comissão da Verdade, o desrespeito à anistia ampla, integral e irrestrita, o longo processo e o epílogo do impedimento da presidente contribuíram para o atual e deplorável status quo”, sentenciou o coronel.
Naquele pleito, marcado por violência desmedida por parte da claque bolsonarista, no qual o próprio candidato à Presidência xingava seus adversários e falava em “fuzilá-los”, Diógenes ainda achou tempo para colocar a culpa nos outros postulantes e na imprensa.
“A mídia não contribui para minimizar os antagonismos; os presidenciáveis não têm limites para ofensas aos competidores; entrevistadores transpiram o ódio nas TV e relegam a plano secundário os projetos de governo”, escreveu no jornal carioca.