Em outubro de 2022, durante as eleições gerais, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) viajou à Argentina em "missão oficial" para encontrar o marqueteiro Fernando Cerimedo. O argentino recepcionou o filho do então presidente em Buenos Aires e, dias após o segundo turno da eleição presidencial – que definiu a derrota de Jair Bolsonaro para Lula (PT) - criou uma fake news sobre a confiabilidade de urnas eletrônicas no processo eleitoral.
Assim como nas eleições presidenciais, suas intervenções políticas são marcadas pelo uso da desinformação e o protagonismo na comunicação digital da ultradireita da América Latina. Em novembro do ano passado, após acusar o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de fraude nas eleições, Cerimedo teve sua conta pessoal suspensa, além das redes sociais do La Derecha Diario – veículo do qual é proprietário e onde manifesta seu posicionamento ideológico.
Te podría interesar
Ajude a financiar o documentário da Fórum Filmes sobre os atos golpistas de 8 de janeiro. Clique em http://benfeitoria.com/apoieAto18 e escolha o valor que puder ou faça uma doação pela nossa chave: pix@revistaforum.com.br.
A vida contada por Cerimedo
Fernando Cerimedo, de 42 anos, montou um grupo empresarial composto pela agência de publicidade Numen e uma "academia" de formação em cursos de marketing digital e político, segundo fontes oficiais consultadas na reportagem da aliança jornalística coordenada pelo Clip (Centro Latino-Americano de Investigação Jornalística, na sigla em espanhol).
Te podría interesar
Conforme suas afirmações, ele era estudante de direito em Mar del Plata aos19 anos, quando recebeu uma bolsa de estudos em Harvard (EUA) para ser atleta de triatlo. Pela falta de proficiência em inglês, se estabeleceu em Porto Rico, território hispanófono pertencente aos Estados Unidos.
Em seguida, participou de um suposto treino militar com os Navy Seals, as forças de operações especiais da marinha americana. Também fez doutorado na Universidade de Phoenix, segundo seu relato: "Um dia, meu orientador de tese me disse que adorou o que eu havia apresentado e me levou para trabalhar na campanha de [Barack] Obama nas primárias do Partido Democrata".
Ele teria, então, trabalhado na pasta de Assuntos Internacionais da Casa Branca e sido enviado pela agência de segurança do governo estadunidense para países da América Latina que despertavam interesse dos EUA. Fontes próximas da campanha de Obama desmentiram o caso.
As multifacetas de Cerimedo
Funcionário de empresas até 2018, passou a ser diretor da agência de publicidade McCann na Argentina. Nesse período na agência, Cerimedo diz ter trabalhado na campanha presidencial de Jair Bolsonaro em 2018, quando o ex-presidente surpreendeu as pesquisas eleitorais brasileiras e deflagrou uma onda da direita latino-americana.
Ele afirma ter participado devido ao bom relacionamento construído com Eduardo Bolsonaro em Harvard – que o contratou – e que a população brasileira é entusiasta de seu trabalho: "Sou um herói para metade do país. Eles me chamam de argentino mais querido do Brasil", declara.
"Entrei nos últimos 40 dias, quando tudo tinha ficado muito difícil. Fizemos um trabalho paralelo à campanha oficial, para convencer os haters de Bolsonaro, como os homossexuais. Também fizemos uma campanha de contraste, que é mostrar tudo o que o candidato rival não quer que se saiba."
Fernando Cerimedo, em entrevista à aliança
Nas eleições municipais de Buenos Aires, em 2019, garantiu a vitória do peronismo na província La Matanza, a mais populosa da capital. Cerimado teria se destacado na militância pelas redes sociais, com os algoritmos e posicionamento de temas. Nesse mesmo ano, fundou a Numen.
A Numen teve participação ativa na desinformação na votação da nova Constituição do Chile. Mesmo sem sucesso, sua agência buscou alterar a percepção das pessoas quanto à avaliação da população sbre o tema.
Agora, seu objetivo está centrado na eleição do pré-candidato à presidência da Argentina, Javier Milei. Denominado pela imprensa como "o novo Bolsonaro", Milei recebe a alcunha por ser um outsider de extrema direita, autointitulado anarcocapitalista.
Cerimedo e seu veículo La Derecha Diario
O argentino diz administrar 30 pequenos sites, uma empresa de segurança privada e quase 200 funcionários. Entre os sites está o La Derecha Diario, comandado e representado legalmente, desde 2018, por Natalia Basil, sua esposa e sócia. Mesmo diante da desinformação publicada no portal, Cerimedo reduz o alcance das suas mentiras: "La Derecha Diario é o único dos meus veículos que faz travessuras".
Uma das publicações, por exemplo, assinalava que o kirchnerismo sabia com antecedência da tentativa de assassinato de Cristina Kirchner, em setembro de 2022. O argumento utilizado foi uma nota do canal de televisão C5N publicada com data anterior ao atentado, o que foi usado de instrumento político pela direita em um cenário caótico.
A nota, no entanto, continha um erro técnico devido à diferença de horário com o servidor e, portanto, não exibia esse conhecimento prévio do ataque. “Chamar-nos de desinformadores em série por duas ou três bobagens é a única maneira que eles têm de nos atacar. Sou contra as fake news”, afirma Cerimedo à aliança jornalística.
Durante a pandemia da Covid-19, disseminou fake news sobre a composição das vacinas, alegando que eram prejudiciais à saúde. Cerimedo também atacou o governo argentino pelo portal em virtude da política rígida de medidas sanitárias aplicada, ao contrário da feita no Brasil de Bolsonaro.
O La Derecha Diario cobriu a ida do filho de Bolsonaro à Argentina, em uma viagem apoiada pelo Itamaraty e paga pelo dinheiro da campanha eleitoral do então candidato à reeleição. Na excursão de Eduardo, Cerimedo se aproveitou da situação econômica do país para associar o desabastecimento de mercados argentinos com o socialismo.
Após acusar o TSE de fraude e repetir as informações falsas em uma audiência pública do Senado, Cerimedo teve suas redes e as redes do portal suspensas. Com o chamado "O Brasil foi roubado", sua campanha de desinformação colaborou em incitar a onda bolsonarista nas eleições presidenciais que culminou, dois meses depois, nos ataques golpistas de 8 de janeiro, em terrorismo aos Três Poderes.
"Ficou provado judicialmente que não espalhei desinformação. Minhas contas foram suspensas em novembro e eles me desbloquearam quando aconteceu o do 8 de janeiro, porque descobriram que eu não era o responsável"
Cerimedo
Com informações da Agência Pública.