EXTREMA-DIREITA

Quem é Javier Milei, o “Bolsonaro argentino”, citado por radicais do atentado a CK

Deputado de extrema-direita é fã do presidente brasileiro, repete seu estilo incivilizado, desrespeitoso e seu discurso de ódio, e foi mencionado por namorada de atirador e por líder de grupo extremista preso com morteiro

Javier Milei, em entrevista na TV.Créditos: Redes sociais/Reprodução
Escrito en GLOBAL el

A onda de ultraconservadorismo reacionária não é um fenômeno a afetar exclusivamente o Brasil. A eleição de Donald Trump, nos EUA, ainda em 2016, dois anos antes do “fenômeno” Bolsonaro por aqui, é apenas mais um exemplo da elevação ao estrelato de figuras radicais da extrema-direita.

Quando puxamos a linha do tempo e giramos o globo, personalidades que se tornaram politicamente proeminentes por vomitarem discurso de ódio aparecem por todos os cantos, sendo eleitos ou não, como é o caso de Marine Le Pen, na França, Santiago Abascal, na Espanha, André Ventura, em Portugal, Matteo Salvini, na Itália, José Antonio Kast, no Chile, Rodolfo Hernández, na Colômbia, Rodrigo Duterte, nas Filipinas, e toda uma lista de outros candidatos que resolveram usar uma suposta luta contra a corrupção (na maior parte das vezes atolados até o pescoço nela) como escudo moral para espargir racismo, machismo, xenofobia e mais um monte de sentimentos odiosos.

Na Argentina não foi diferente, ainda que tenha demorado. Num país profundamente traumatizado pela brutal e mortífera ditadura do ‘Proceso de Reorganización Nacional’ (1976-1983), encabeçada por genocidas funestos como Jorge Rafael Videla e Emilio Eduardo Massera, impor uma verborragia ultrarreacionária e se assumir de extrema-direita segue sendo um tabu. Ou melhor, seguia.

Em 2021, nas eleições legislativas, um economista que chamava a atenção muito mais por estar sempre descabelado (muito mais que Boris Johnson), foi o terceiro mais votado em Buenos Aires, a megalópole que com sua região metropolitana abriga quase um terço da população do país, e chegou ao Congresso com um discurso de estado mínimo e toda a cantilena moralista e anticorrupção que, para todos, emulava a gritaria “exitosa” de Jair Bolsonaro, o extremista que foi alçado à Presidência da República no Brasil. Seu nome: Javier Milei.

Ele criou um partido, que na prática, para parâmetros brasileiros, é uma amálgama mixordial entre o Novo e o natimorto Aliança Pelo Brasil, a legenda que Bolsonaro tentou inventar, mas que não teve assinaturas suficientes para isso. No caso de Milei, a legenda La Libertad Avanza (A Liberdade Avança), uma coalização reacionária originada na capital, conseguiu 2 deputados na Câmara da Nação e outros 5 no Legislativo da Cidade Autônoma de Buenos Aires.

A exemplo do ídolo brasileiro, Milei também ataca a chamada direita convencional, para além da demonização da esquerda e a paranoia anticomunista. Até Maurício Macri, o presidente de direita que encarnou o neoliberalismo antes do mandato do atual presidente, Alberto Fernández, virou vidraça e é atacado pelo extremista, assim como o atual prefeito de Buenos Aires, Horácio Rodríguez Larreta, um antikirchnista convicto.

No seu inventário de impropérios há insultos aos “inimigos” (todos que não estão ao seu lado, de qualquer parte do espectro político), uma pose assumida de conquistador e mulherengo (diz que faz muito sucesso entre as mulheres, que é professor de sexo tântrico e que transa por horas e horas), além de confessar que para ele “os pais estão mortos”, embora sejam vivos, porque um dia apanhou do pai e a mãe foi conivente. Tudo isso sempre defendendo a moral e o conservadorismo.

O sentimento na Argentina, um país com longo histórico de disputas políticas ferrenhas, ditaduras, polarizações e acirrada divisão ideológica, a chama “grieta” (a fenda), é de que Javier Milei foi o estopim que se acendeu para trazer de volta a violência política ao seio da sociedade “pacificada” após a redemocratização. Seus seguidores não chegam a ser percentualmente tão numerosos como os de Jair Bolsonaro aqui no Brasil, mas são muitos, são radicais e muito susceptíveis ao discurso de ódio.

Assim que o atentado frustrado contra Cristina Kirchner aconteceu, na noite do último dia 1°, parte da sociedade argentina olhava desconfiada para Milei, ainda que sem citá-lo diretamente, visto que, por óbvio, o autor do ataque e seu núcleo de convivência ideológico eram de extrema-direita. Só que, passados os dias, seu nome começou a ser colocado em meio ao episódio, ainda que indiretamente e, até então, sem qualquer ligação direta dele com o crime.

A namorada de Fernando Andrés Sabag Montiel, o brasileiro de 35 anos que quase matou a vice-presidente da Argentina, a jovem Brenda Elizabeth Uliarte, de 23 anos, momentos antes de ser presa por participação na tentativa de magnicídio, já que fora gravada no local do atentado, fez uma live no Instagram e proferiu um discurso vago, confuso e demagógico muito semelhante ao do deputado de extrema-direita, até que o mencionou diretamente, usando seu nome e uma frase de sua autoria.

“Não há reconciliação com corruptos. Não, galera. Chega de corrupção, seja de quem for, de qualquer lado político. Chega de corrupção. De qualquer país, de qualquer lugar. Chega de corrupção”, disse Brenda, parafraseando seu ídolo político, e o citando nominalmente.

No mesmo dia, um homem identificado como José Derman, que seria coordenador de um grupo de extrema-direita conhecido no país pela disseminação de forte e violento discurso de ódio, o Centro Cultural Kyle Rittenhouse, que foi às redes reivindicar participação no atentado frustrado executado por Montiel, foi preso pela Polícia Federal Argentina (PFA) numa das sedes da organização radical, em La Plata, local em que havia pinturas e grafites nas paredes em alusão a Milei. A entidade também fazia postagens em homenagem ao deputado extremista.

Imagem de Javier Milei numa postagem do Centro Cultural Kyle Rittenhouse

"Nosso total apoio ao herói brasileiro que tentou fazer justiça aos argentinos", diz Derman na mensagem. Na sede do grupo extremista a PFA encontrou ainda um morteiro (explosivo militar) de 83 centímetros, que precisou ser retirado por um esquadrão antibomba, que o detonou numa área segura.

Vendo que poderia ser atrelado de alguma forma ao ato criminoso e selvagem de Montiel, o perfil oficial de Javier Milei foi às redes nesta segunda (5) e soltou um comunicado no qual afirma que o líder de extrema-direita não mantém qualquer vínculo com os envolvidos no episódio, em especial com o radical preso com um artefato militar em La Plata.