HERANÇA BOLSONARISTA

Reforma administrativa: sindicatos rejeitam a retomada da pauta de Bolsonaro no Congresso

Medida apresentada pelo governo anterior preocupa representantes da classe trabalhadora; presidente da Câmara, Arthur Lira, sinaliza que o assunto pode voltar a ser debatido

Créditos: Sindsep - DF - Protesto contra a PEC 32 em frente ao Congresso Nacional na legislatura 2019-2022
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A reforma administrativa voltou a preocupar o segmento sindical no país depois que o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), afirmou nesta semana que pretende retomar as discussões sobre a pauta no próximo semestre legislativo, que tem início em 1º de agosto.

A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 32/2020, de autoria do governo Bolsonaro, altera diversas normas do funcionalismo público em níveis municipal, estadual e federal, e tem enfrentado ampla rejeição do campo progressista desde que foi apresentada pelo então ministro da Economia, Paulo Guedes.

"Em nossa avaliação, Lira está agindo como uma espécie de defensor do governo Bolsonaro, pois esse projeto foi derrotado. Portanto, não permitiremos que propostas destrutivas para os servidores e o serviço público sejam retomadas em um governo que se elegeu prometendo o contrário do que Bolsonaro desejava fazer, como é o caso da PEC 32. Esse projeto foi derrotado nas urnas", argumenta Sérgio Ronaldo, secretário-geral da Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef) ao Brasil de Fato.

Durante uma reunião com o governo Lula na última terça-feira (25) para discutir as cláusulas do acordo que tratam do reajuste de 9% concedido recentemente à categoria pelo governo, as entidades sindicais cobraram uma posição firme contra a PEC 32, considerando o aceno de Lira. Na segunda-feira (24), durante um evento com empresários em São Paulo, o presidente da Câmara enfatizou que a proposta está pronta para ser votada no plenário.

"Ela precisa da mobilização de todos. Ela não fere, não rouba, não prejudica direitos adquiridos e proporcionará um teto para nossos gastos. Ela dará previsibilidade ao serviço público e é o próximo passo. É o movimento que depende de cada um dos senhores e senhoras empresários, pois quem arca com o custo do Estado está aqui nesta sala", acrescentou Lira, pedindo ajuda do segmento empresarial, bem como da imprensa e outros atores.

Os comentários de Lira repercutiram nos diferentes setores políticos e econômicos. Como consequência, no dia seguinte, o Estadão, historicamente um dos jornais mais conservadores do país, publicou um editorial pedindo uma reforma administrativa ainda mais rigorosa que a PEC 32. O jornal defendeu uma proposta que atinja, entre outros pontos, a cúpula do Ministério Público e do Judiciário, além de reduzir os salários iniciais do funcionalismo em geral, visando alcançar um "Estado enxuto e eficiente".

Lógica do capital

A PEC também introduz ferramentas que favorecem a lógica dos contratos temporários para trabalhadores no setor público, permitindo a validade de até dez anos para essa modalidade de contratação. Os sindicatos veem essa medida, combinada ao avanço da terceirização na administração estatal, como uma ameaça aos concursos públicos, prejudicando os laços dos trabalhadores com a máquina pública e, em última instância, deteriorando a qualidade dos serviços oferecidos pelo Estado.

"Essa é a lógica do capital, do Estado mínimo, da terceirização e privatização dos serviços públicos. Essa é a ótica deles, e quando trazem essas discussões para tentar fazer com que essas ideias e projetos se concretizem, é sempre sob essa perspectiva econômica, como se o serviço público não fosse um investimento, mas sim um gasto", critica a presidente da Federação dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal do Estado do Ceará (Fetamce), Socorro Pires.

A entidade é uma das que ficaram alertas diante da declaração de Lira, que gerou inquietação em organizações sindicais em todo o país. "Para nós, é algo preocupante. Lutamos durante meses contra a PEC no governo anterior, justamente porque sabíamos que é uma proposta que fragiliza significativamente os direitos dos servidores e prejudica o serviço público", relembra a dirigente.

Cúpula do serviço público é protegida

A versão atual do relatório da PEC mantém benefícios destinados a magistrados, promotores e procuradores de Justiça, como é o caso das férias de 60 dias, ao mesmo tempo em que penaliza o restante do funcionalismo com medidas como a possibilidade de redução salarial dos servidores em momentos de crise fiscal. Na ocasião, o relator, Arthur Maia (União-BA), argumentou que essa iniciativa seria importante para evitar demissões no setor público.

"É por causa desse tipo de coisa que haverá reação. Assim como reagimos durante 14 semanas [no governo Bolsonaro] diante da tentativa deles de colocar em pauta o texto – e eles não o fizeram porque seriam derrotados –, ainda faremos melhor do que naquele momento. Estamos atentos a isso", afirma Sérgio Ronaldo.

Retirada da pauta

Diante das indicações feitas por Arthur Lira, o desejo de pressionar o governo Lula para retirar a proposta de tramitação no Congresso Nacional cresceu entre os sindicalistas, uma vez que o texto é de autoria do Poder Executivo federal. No entanto, essa questão agora enfrenta um problema normativo: como a proposta já passou pelas fases iniciais de avaliação pelas comissões, a retirada da PEC não depende apenas do interesse do governo em exercício.

A Constituição Federal não aborda especificamente esse assunto. Ela apenas estabelece regras sobre o protocolo e deliberação de PECs, mas não trata da retirada de tramitação desse tipo de proposta. Por outro lado, o regimento interno da Câmara contém regras mais claras e estabelece, em seu artigo 104, que, se a proposta "já tiver ao menos um parecer favorável, somente o plenário pode deliberar sobre a retirada". Essa regra coloca o sindicalismo em uma situação relativamente complicada.

"Essa questão sobre o procedimento para a retirada da PEC foi levantada ainda no início do governo [diretamente a mim]. Se ainda não tivesse passado por nenhuma apreciação e estivesse aguardando deliberação, seria mais fácil, mas, como já foi avaliada pela comissão especial e está pronta para ser votada pelo plenário, agora a decisão depende disso. Realmente, é um assunto muito delicado", comenta Luiz Alberto dos Santos, consultor legislativo do Senado, advogado e colaborador do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap).

Esse tema foi discutido pelas lideranças sindicais e representantes do governo durante uma reunião da chamada "Mesa Nacional de Negociação Permanente com os Servidores Públicos Federais", o mesmo encontro que abordou as cláusulas do reajuste salarial dos servidores na terça-feira (25). Esse aspecto foi debatido no grupo porque um dos pontos do acordo assinado entre o governo Lula e as entidades sindicais em relação ao reajuste salarial prevê que o governo deve trabalhar junto ao Legislativo para retirar a PEC 32 de tramitação.

Focada na discussão de pautas que se aplicam a todos os servidores, a mesa é coordenada por José Lopez Feijó, secretário de Relações de Trabalho do Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos e ex-vice-presidente nacional da Central Única dos Trabalhadores (CUT). Feijó ressaltou que o governo não pretende apenas chegar ao Congresso e solicitar a retirada da proposta sem trabalhar mais sobre ela, durante o debate com o Brasil de Fato.

"Se a votação da retirada for realizada e for derrotada, isso já indica o que pode acontecer com a votação do mérito da medida. Significa que o tema será votado no Congresso, causando prejuízos aos trabalhadores. Se pressionam o governo sobre esse assunto e o governo se arrisca em um tema que ainda não foi votado, há o risco de apressar uma votação que pode resultar em uma derrota", alerta o secretário. Diante da discussão sobre possíveis riscos, as entidades sindicais decidiram aguardar os próximos movimentos do jogo político em torno da PEC 32, enquanto avaliam estratégias de atuação.

No cenário político para uma possível votação da PEC no plenário, o consultor Luiz Alberto dos Santos enxerga um terreno complicado para o governo em relação a essa pauta. "A atual composição da Câmara é bastante conservadora e dominada pelos interesses das bancadas evangélica, empresarial, do agronegócio, entre outras, que sempre foram poderosas e não são favoráveis às demandas dos servidores públicos. Alguns parlamentares dessas bancadas podem até ser, mas apenas em setores específicos. Uma PEC com um conjunto extenso de mudanças constitucionais como essa tem um efeito simbólico para aqueles que defendem reformas", avalia o colaborador do Diap.

Santos destaca que, durante o governo Bolsonaro, foi aprovada a reforma da Previdência, que foi a pauta mais impopular do governo e afetou diversas camadas da classe trabalhadora. "Isso evidenciou uma postura rigorosa contra os trabalhadores. Neste momento, ainda temos um ambiente político desfavorável para os servidores públicos devido à composição do Legislativo. Portanto, é possível que essa questão seja novamente destacada."

No entanto, a pauta tende a gerar um amplo desgaste para eventuais parlamentares que defendam a PEC, já que as entidades civis contrárias à medida costumam exercer forte pressão sobre deputados, senadores e gestores locais dos estados para rejeitar esse tipo de proposta, da mesma forma que ocorreu com a reforma da Previdência.

"Caso a reforma administrativa retorne, os servidores certamente se mobilizarão. Acredito que Lira esteja considerando essa PEC com mais cautela, mas não descarto a possibilidade de a Câmara votar a favor. Eu entendo que Lira tem a capacidade de articular esses votos. Caberá, então, ao governo se opor a isso", analisa Santos.

Com informações do Brasil de Fato