Os atos golpistas de 8 de janeiro, quando uma horda bolsonaristas vestidos de verde e amarelo invadiram e vandalizaram as sedes dos Três Poderes, em Brasília (DF), marcaram profundamente a democracia brasileira.
Em paralelo às investigações conduzidas pela Polícia Federal (PF), inquéritos instaurados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e centenas de golpistas presos, está em curso a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos Atos Golpistas.
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A princípio, a base governista no Congresso era contra a instalação da CPMI, mas a estratégia da base do Governo Lula mudou com a divulgação de vídeos que mostraram a atuação de agentes do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) no Palácio do Planalto em meio à invasão golpista.
No dia 26 de abril, o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente do Congresso Nacional, deu o primeiro passo com a instalação da comissão. Mas levou quase um mês, para que o colegiado de fato começasse a funcionar.
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No dia 25 de maio foi realizada a primeira reunião, quando foram eleitos o presidente, deputado Arthur Maia (PSD-BA), e a relatora, senadora Eliziane Gama (PSD-MA), além dos senadores Cid Gomes (PDT-CE) e Magno Malta (PL-ES), primeiro e segundo vice-presidentes, respectivamente.
Em entrevista exclusiva à Fórum, a relatora do colegiado, Eliziane Gama, faz um balanço dos trabalhos do colegiado até o momento e antecipa o que virá depois.
Tom de confronto
As oito reuniões realizadas pela comissão até agora foram marcadas por embates calorosos e ruidosos entre governo e oposição. Esse tom já havia sido dado antes mesmo da instalação do colegiado.
Os governistas defendem que o trabalho aponte financiadores, mandantes e autores intelectuais, agressores e, inclusive, parlamentares que apoiaram direta ou indiretamente a tentativa de golpe.
Já os parlamentares da oposição bolsonarista atuam para amenizar a gravidade da tentativa de golpe e imputar a responsabilidade dos atos golpistas de 8 de janeiro em uma suposta omissão do Governo Lula.
Jogo democrático
Para Eliziane os embates entre opositores e governistas são naturais, mas alerta para o perigo de que a escalada desses confrontos atrapalhe o andamento dos trabalhos.
"É do jogo democrático. O que não pode haver é uma tentativa de obstrução dos trabalhos que precisam ser conduzidos seriamente e sem lacração. Lamentamos que alguns parlamentares tenham partido para o campo do desrespeito com os demais colegas, a misoginia e o machismo – atitudes repugnantes que precisam ser combatidas veementemente. Vez ou outra é preciso por um freio de arrumação na condução das atividades no nosso colegiado", afirmou.
A senadora, sem citar nomes, faz referência ao comportamento da tropa de choque bolsonarista que tenta, a todo custo, tumultuar os trabalhos do colegiado. Há episódios protagonizados por parlamentares que sequer integram a CPMI, mas que batem ponto para causar confusão.
Talvez o mais notório seja o deputado Abílio Brunini (PL-MT), que coleciona polêmicas durante as reuniões da CPMI. Em uma delas, ele é acusado de transfobia contra a colega Erika Hilton (Psol-SP) e poderá vir a responder ao Conselho de Ética da Câmara.
Parlamentares golpistas
Outra polêmica que persiste é a participação de parlamentares suspeitos de incitar o golpe como integrantes da CPMI. Como o deputado André Fernandes (PL-CE), que, inclusive, é o autor da criação do colegiado. Eliziane é cautelosa ao abordar o assunto.
"Há iniciativas de colegas parlamentares questionando essa situação. Precisamos acompanhar atentamente os desdobramentos dessas iniciativas para que não haja beneficiamento de investigados por meio de informações privilegiadas", pontua.
O caso do deputado General Girão (PL-RN), que teria envolvimento com George Washington, um dos executores do atentado a bomba frustrado no Aeroporto Internacional de Brasília na véspera do Natal de 2022, a senadora também é cuidadosa e afirma que as informações oficiais que chegarem e sustentarem uma investigação nesse sentido terão encaminhamento.
"Não tenho dúvida de que enviaremos pedidos de providência para que tudo seja apurado no foro adequado. É importante salientar que todo parlamentar tem garantidas suas prerrogativas constitucionais, então, não podemos impedir que ele participe de uma comissão parlamentar, a não ser que haja decisão legal que o impeça de atuar naquele colegiado", observa.
Pego na mentira
Casos como o do ex-diretor da Polícia Rodoviária Federal (PRF), Silvinei Vasques, que mentiu para o colegiado, não ficarão impunes, assegura Eliziane. Ela informa que parlamentares chegaram a apresentar um pedido de notícia-crime contra o bolsonarista por ele ter, claramente, mentido na CPMI e por ter usado dados falsos na oitiva.
"Eu aceitei de pronto a solicitação. Farei constar no meu relatório final. E mais: não está descartada uma reconvocação dele na comissão. É ilusão algum depoente achar que vai prestar esclarecimentos, faltar com a verdade e ficar impune. Constitui crime fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade perante a Comissão Parlamentar de Inquérito", alerta.
Depoimentos feitos
Além de Vasques, que prestou depoimento em 20 de junho, a comissão já recebeu, da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF), no dia 22 de junho, os peritos Valdir Pires Dantas Filho e Renato Martins Carrijo, e o diretor de Combate à Corrupção e Crime Organizado, Leonardo de Castro. Os três atuaram nas investigações dos atos de vandalismo em Brasília ocorridos no dia 12 de dezembro.
Também compareceu ao colegiado no dia 22 de junho George Washington de Oliveira Sousa, golpista preso por ser um dos autores do atentado a bomba frustrado no Aeroporto Internacional de Brasília no dia 24 de dezembro.
O ex-chefe do Departamento Operacional da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF), coronel Jorge Eduardo Naime, foi outro a prestar depoimento sobre os atos de 12 de dezembro no dia 26 de junho.
No dia 27 de junho, o coronel Jean Lawand Junior prestou depoimento sobre mensagens de teor golpista dele encontradas no celular do ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid. Finalmente, Cid foi recebido no dia 11 de julho, mas ficou o tempo todo em silêncio.
Resultados práticos
Outro aspecto que vem sendo muito explorado pela opinião pública é até que ponto a CPMI dos Atos Golpistas tem capacidade de produzir resultados práticos. A exemplo do que ocorreu durante a CPI da Covid, na qual a senadora participou como cota da bancada feminina, sem contudo ser integrante, e que não produziu efeitos práticos até o momento.
A senadora refuta essa análise e afirma que o colegiado que apurou a atuação do governo Bolsonaro durante a pandemia produziu um relatório denso e "que foi fruto de um trabalho profundo e minucioso."
"A CPI da Covid produziu, entre outras coisas, a abertura de processos judiciais que estão em pleno andamento, houve empresas investigadas e que encerraram as atividades e há projetos de lei que tramitam no Congresso Nacional para aperfeiçoamento da legislação", elenca.
A relatora da CPMI dos Atos Golpistas destaca também que a CPI da Covid mostrou para o país a importância da vacinação, um serviço educativo muito importante. Ela observa ainda que uma CPI tem atuação própria, poderes diferenciados, mas atua com pesos e contrapesos.
"Não que isso seja ruim, mas no caso da do 8 de janeiro, com as informações que começam a chegar, tem potencial para levantar minuciosamente e mostrar ao mundo a arquitetura dos golpes intentados contra a Democracia, entre dezembro de 2022 e janeiro de 2023", avalia.
Plano de Trabalho
O plano de trabalho apresentado pela relatora destaca a necessidade de a comissão estabelecer um ponto de partida para averiguar o desenrolar dos fatos que culminaram com a invasão das sedes dos Três Poderes da República, ocorrida em Brasília, no último dia 8 de janeiro.
Ela explica que uma CPI tem que investigar fato determinado e que não pode registar desvios de foco.
"Sobre o roteiro de trabalhos que foi estabelecido, isso é algo que está sendo cumprido fielmente e, passo a passo, se avança na direção de buscarmos os financiadores, mentores intelectuais e principais beneficiários dos golpes perpetrados contra nossa democracia", informa.
A comissão terá 180 dias, no mínimo, para apresentar e votar o relatório final. Em seguida, as conclusões, recomendações e eventuais indícios de irregularidades encontrados durante o processo serão encaminhados ao Ministério Público, à Polícia Federal ou a outros órgãos competentes para que sejam tomadas as medidas cabíveis com base nas conclusões e recomendações da CPMI.
Eliziane informa que está no radar dos integrantes da CPMI que, ao final dos trabalhos, sejam produzidas sugestões de lei, apresentadas sugestões aos demais Poderes e, eventualmente, feitas indicações ao Ministério Público para o indiciamento de pessoas.
Investigações paralelas
Outro aspecto peculiar desta CPMI é que já estão sendo conduzidas investigações sobre os atos golpistas de 8 de janeiro pela Polícia Federal e pela CPI dos Atos Antidemocráticos da Câmara Legislativa do DF. Questionada sobre se essa "competição" esvazia a importância do trabalho da comissão, a senadora discorda.
"Não esvazia. As investigações se complementam. E esse espírito de cooperação entre os investigadores tem ocorrido com bastante eficiência e agilidade", atesta.
Com relação às informações apuradas pelo colegiado até o momento, a senadora admite que carecem de análise.
"Todos os depoimentos já feitos até agora, acrescidos dos dados abertos e sigilosos que já recebemos e que foram enviados por várias instituições ainda estão sob análise e, em breve, serão consolidados. A partir daí será possível fazer uma avaliação mais precisa", observa.
Próximos passos
Nesta semana, a CPMI interrompe os trabalhos para retornar depois do recesso parlamentar, em agosto. A senadora antecipa que o colegiado vai se debruçar sobre os dados coletados até agora para confrontar o que os depoentes disseram e que há possibilidade de reconvocar alguns deles.
"Nossa expectativa é a de que nessa retomada dos trabalhos haja informação suficiente para buscar os próximos convocados, reconvocar eventualmente quem for necessário para novos esclarecimentos e, sobretudo, confrontar esses dados com aqueles respondidos por alguns depoentes que lá estiveram", antecipa.
Eliziane informa também que após o recesso, a CPMI também vai se dedicar a apurar em detalhes a atuação dos financiadores dos atos golpistas, ação essencial para identificar os mentores dos crimes ocorridos.
*Matéria veiculada na Revista Semanal edição 67, de 14/7/2023. Leia aqui