Nem parlamentares governistas e nem da oposição engoliram a versão do coronel do Exército Jean Lawand Júnior sobre as mensagens golpistas trocadas em dezembro passado com o ajudante de ordens do então presidente Jair Bolsonaro, tenente-coronel Mauro Cid.
O militar bolsonarista presta depoimento nesta terça-feira (27) Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos Atos Golpistas. Deputados, deputadas, senadores e senadores que participam do colegiado apontaram incoerências na versão apresentada por Lawand, que afirmou que os diálogos não foram um estímulo a um golpe de Estado contra o presidente Lula.
Te podría interesar
O bolsonarista foi convocado pela CPMI para explicar o conteúdo de mensagens trocadas com Mauro Cid. Nas mensagens colhidas pela Polícia Federal (PF), o coronel pede ao ex-ajudante de ordens que peça a Bolsonaro que “dê a ordem”.
“Cidão [referência a Mauro Cid], pelo amor de Deus, faz alguma coisa, cara. Convence ele [ex-presidente Bolsonaro] a fazer. Ele não pode recuar agora. Ele não tem nada a perder. Ele vai ser preso. O Presidente vai ser preso. E pior, na Papuda, cara”, disse Lawand no dia 1º de dezembro de 2022.
Te podría interesar
Em resposta, o ex-ajudante de ordens disse que Bolsonaro não pode dar a ordem porque “ele não confia no ACE [Auto Comando do Exército]”. “Então ferrou. Vai ter que ser pelo povo mesmo”, concluiu Lawand.
Na justificativa apresenta à CPMI, o militar disse que a ideia dele era de que o então presidente Jair Bolsonaro pudesse "apaziguar" os ânimos diante dos atos golpistas que pediam intervenção militar em frente aos quartéis e nas rodovias do país.
“A minha ideia, desde o começo, desde a primeira mensagem com o tenente-coronel Cid, foi que viesse alguma manifestação para poder apaziguar aquilo e as pessoas pudessem voltar às suas casas e seguirem a vida normal. O ex-presidente tinha uma liderança sobre a população, pelo menos seu eleitorado”, explicou o militar.
Diante disso, a relatora, senadora Eliziane Gama (PSD-MA), afirmou que a linha de defesa de Lawand "tratou os parlamentares como crianças", e chegou a propor que o coronel falasse reservadamente aos integrantes da CPMI. Ele negou, mas passou a requerer mais vezes o direito de permanecer calado.
Eliziane, então, questiono o coronel sobre outra mensagem.
“O senhor diz o seguinte: ‘ele tem que dar a ordem, irmão. Não tem como não ser cumprida’. Mais adiante o senhor diz: ‘de modo próprio o Exército Brasileiro nada vai fazer porque será visto como golpe; então está nas mãos do presidente’. O senhor poderia explicar a razão pela qual entende que o golpe seria legitimado se viesse pelas mãos do então presidente?”, questionou a senadora.
O coronel voltou a defender que não se tratava de um pedido de golpe. “Em nenhum momento eu previ esse golpe. A minha missão, a minha intenção foi sempre fazer com que o coronel Cid entendesse que viria uma manifestação do presidente e aquela manifestação faria com que as pessoas retornassem às suas casas”, reafirmou.
A senadora, então, questiona a veracidade dessas informações.
“O senhor não pode infantilizar essa comissão. Aqui, como se diz no meu Maranhão, o mais besta conseguiu se eleger deputado federal, senador ou senadora. As colocações são incompatíveis com o conteúdo das mensagens que o senhor mesmo escreveu”, disse Eliziane.
Sem tropas
Lawand justificou ainda que ele não teria tropas, nem influência política para tentar promover um golpe de Estado no Brasil.
“A minha função é uma função burocrática. Eu tinha quatro subordinados. A única coisa é que eu tinha contato com o Cid pra entender o que estava acontecendo. Eu não tinha nem motivação, nem capacidade, nem força para fazer qualquer atentado e muito menos motivar as pessoas a fazê-lo”, explicou.
O coronel é chefe do escritório de Projetos do Exército. “Minha missão é, de uma mesa com computador, comandar quatro subordinados para fazer esse programa progredir”, completou.
Jean Lawand havia sido selecionado para ser adjunto do Adido Militar do Exército Brasileiro em Washington. A ida dele à capital dos Estados Unidos, no entanto, foi suspensa após a descoberta das mensagens trocadas com o tenente-coronel Cid.
Tal argumento do coronel também foi rebatido pela relatora Eliziane Gama.
“O senhor estava há um ano e seis meses da posição para assumir, por exemplo, a patente de general. O seu escritório, o qual o senhor, na verdade, integrava no Estado-Maior, tem uma função estratégica: a de planejar e coordenar ações de relações institucionais, ou seja, o senhor não pode colocar que a sua posição não tinha qualquer influência. Quer dizer, as suas falas e os seus posicionamentos se desfazem com as informações que estão diante de nós”, rebateu a parlamentar.
Coronel mentiu, diz deputado
Para o deputado Duarte (PSB-MA), um dos autores do requerimento de convocação do coronel, o depoente mentiu à comissão parlamentar mista de inquérito. Amparado por um habeas corpus do Supremo Tribunal Federal (STF), Jean Lawand Junior não respondeu a questionamentos do parlamentar sobre um diálogo com Mauro Cid.
Na ocasião, o coronel se disse decepcionado com então presidente Jair Bolsonaro. "Soube agora que não vai sair nada. Decepção, irmão. Entregamos o país aos bandidos", escreveu Lawand em 21 de dezembro de 2022.
"Seu silêncio é covarde. O senhor está protegendo os 'tubarões'. O senhor é um coronel. Não tenha medo. Inocentes podem estar respondendo por algo que foi o alto escalão. Aqueles que estavam buscando atentar contra a democracia e tentar trazer a ditadura de volta. Eu não esperava isso de um coronel do Exército Brasileiro", afirmou Duarte.
O depoente também ficou calado ante perguntas dos senadores Soraya Thronicke (União-MS) e Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB). A parlamentar sul-mato-grossense questionou o militar sobre uma mensagem em que Jean Lawand Junior escreve para Mauro Cid: "Convence ele (Jair Bolsonaro) a fazer. Ele não pode recuar agora. Ele não tem nada a perder".
"O senhor disse que ficou decepcionado. Com quem? Vocês usaram o povo brasileiro, e é bom que o povo brasileiro acorde e pare de idolatrar ídolos. Pois serão abandonados igual ao senhor ", afirmou Soraya.
Ao senador Veneziano Vita do Rêgo, o militar recusou-se a responder se o então presidente Jair Bolsonaro desejava promover um golpe de Estado.
"O senhor Jean Lawand Junior não está deixando de produzir provas contra si. Ele está mentindo. Ele não deixou senão de mentir. O senhor vai sair daqui livremente, mas de uma forma vexaminosa para todos. Uma pessoa que vergonhosamente se acovardou de dizer o que estava pensando, o que estava urdindo. Essa é uma defesa insustentável de se fazer", disse.
"Tresloucada tentativa"
Parlamentares bolsonaristas também questionaram o depoimento do coronel golpista. Para o deputado Aluísio Mendes (Republicanos-MA), as mensagens trocadas com o ajudante de ordens demonstram uma "tresloucada tentativa" do militar, que não teria contado com o aval do ex-presidente da República.
O senador Marcos Rogério (PL-RO) reforçou o argumento. Sem fazer perguntas a Jean Lawand Junior, o parlamentar afirmou que a versão do coronel "não para de pé".
Acompanhe ao vivo