O marqueteiro João Santana, de 70 anos, que nas última eleições cuidou da campanha de Ciro Gomes (PDT) à presidência da República, abriu o jogo em entrevista ao Uol em que defende que haja uma oposição de esquerda ao governo Lula para que os bolsonaristas não tenham, novamente, o monopólio da crítica. Ao longo da conversa, também falou sobre Ciro e Dilma Rousseff.
“O melhor que a esquerda pode fazer por Lula é criticá-lo. Vincular a sobrevivência do sistema democrático ao bom desempenho de um indivíduo é já de antemão apregoar sua fragilidade. Para quem quer ajudar o Lula a fazer um bom governo – e estou entre eles, jamais quero que Lula fracasse e que ocorra um retrocesso –, a melhor coisa a fazer é criticá-lo. Deixar o monopólio da crítica com Bolsonaro é um erro por causa de uma lógica mecânica: se um elemento (Bolsonaro) tem esse poder, e o outro (Lula) fracassa, isso vai levar o movimento em direção ao primeiro. Não podemos deixar o Lula livre, leve e solto para cometer erros sem se submeter a críticas”, explicou.
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Para Santana, “o governo não está mal”, mas apenas iniciando a sua trajetória e buscando driblar dificuldades e contratempos deixados pela gestão anterior. Na opinião do marqueteiro, alguns erros estão sendo cometidos e o atual governo tem se esquecido de algumas coisas que seriam importantes.
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“O próprio Lula disse que o governo dele é de transição. Para onde? Isso é preciso apontar. As grandes discussões nacionais continuam sem ocorrer e não ocorreram na campanha. O único que se levantava nesse sentido era o Ciro Gomes (…) Temos que melhorar o Lula. Ele tem coisas boas mas é uma pessoa naturalmente comodista e conciliadora em excesso”, avaliou.
Comunicação do Governo
Santana aponta que é raro um governo com projeto de nação e plano de ação traçado ter problemas de comunicação. Ele aponta que a própria comunicação vive um dilema em relação ao governo.
“O protagonismo excessivo de um líder quase narcísico e a repetição retórica monótona não são suficientes, como também não é suficiente vender doses de empatia e institucionalidade. Lula tem de tomar cuidado para que o discurso da miséria não vire a miséria do discurso. Mas as dificuldades deste governo são grandes, não podemos culpar apenas a comunicação”, declarou.
João Santana defende que a comunicação oficial deveria ser mais assertiva e mobilizadora em relação a temas como economia, meio ambiente, evangélicos, militares e agronegócio. “Hoje, no mundo ambientado nas redes, boa parte da comunicação precisa ser segmentada, com núcleos digitais. Sem essa história de ‘gabinete do ódio’ que faz campanhas negativas”.
O marqueteiro aproveitou para elogiar a briga pública do governo com o Banco Central. Para ele, a estratégia foi “duplamente acertada”. Sustenta que do ponto vista filosófico é correto que a autonomia do BC não faz sentido em um país como o Brasil e, do ponto de vista tático, criou um inimigo capaz de dispersas atenções.
Ciro Gomes e Dilma Rousseff
Sobre a campanha do pedetista que no ano passado apontava suposta corrupção de Lula, Santana foi direto: “Era mais constrangedor para mim que para o Ciro”, disse, para lembrar em seguida o episódio em que foi acusado de corrupção pela operação Lava Jato, injustamente a seu modo de ver. Ele e sua esposa e sócia, Mônica Moura, foram condenados por lavagem de dinheiro e caixa dois no âmbito da operação Lava Jato. Em 2017, fizeram um acordo de delação premiada e devolveram R$ 80 milhões aos cofres públicos para cumprir a pena nos regimes fechado e semiaberto.
Sobre o caixa dois, diz que não há marqueteiro que não incorra na prática e denuncia que “farejou” a ocorrência da mesma nas eleições de 2022. No entanto, sem ter provas, prefere não citar nomes. “Você desenvolve o olfato e percebe movimentações”, explicou.
Sobre os ataques de Ciro a Lula, garante que não se tratavam de uma mágoa pessoal do pedetista, mas provinham de um “sentimento político” que guiou uma campanha “emocional, vigorosa e verdadeira”. Ele próprio diz não ter mágoas de Lula e explica o que o decepcionou sobre a ex-presidente Dilma Rousseff (PT).
“Tenho admiração e carinho pela Dilma, mas, que ela poderia ter atuado de forma mais carinhosa pessoalmente, não anti-institucional, durante a tragédia que eu e a Mônica vivemos, isso poderia”, disse.
Sobre a campanha de 2014 e as acusações de posterior estelionato eleitoral com a imposição do Ajuste Fiscal de Joaquim Levy, apontou que a presidente Dilma Rousseff não o comunicou corretamente a respeito da situação econômica do país durante a campanha. Por isso a discrepância entre o que foi tratado na publicidade e o que foi feito após a posse.
“Se eu tivesse sido avisado, não que fosse mudar radicalmente a linha da campanha, mas a dosagem poderia ter sido menos ufanista, menos ‘poliana’ e menos otimista. Acho que a própria Dilma não tinha consciência plena da situação ou pelo menos de um agravamento”.
Por fim, João Santana diz que 2026 ainda é uma incógnita e só poderá começar a ser avaliado após as eleições municipais do ano que vem. Ele diz que não pensa em trabalhar nas campanhas das próximas eleições e que está dedicado a estudar, escrever, compor músicas e cuidar da família.