Da Sucursal Brasília
A experiência da maternidade faz o mundo girar. É um exercício de afeto, entrega, paciência e resiliência e, mais do que tudo, um ato político. Celebrar o Dia das Mães vai além de presentes, cartões e expressões de gratidão e amor; é também falar sobre creche, carga exclusivamente feminina de cuidado dos filhos, moradia, alimentação, saúde, segurança, educação, transporte público, emprego e renda.
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Nessa batalha diuturna por direitos da classe trabalhadora e com um olhar especial para as mulheres, duas parlamentares vivenciaram durante seus mandatos as transformações promovidas pela maternidade.
A Revista Fórum bateu um papo com as mães, feministas e deputadas, ambas do Psol, Talíria Petrone, pelo Rio de Janeiro, e Samia Bomfim, por São Paulo. As duas contaram um pouco da aventura da maternidade durante um mandato parlamentar.
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Taliria é mãe de dois. A mais velha, Moana Mayalú, nasceu durante seu primeiro mandato como deputada federal, em 2020. O caçula, Kaluanã Sol, tinha 22 dias quando ela foi reeleita para a Câmara. Esta semana, ela retornou da licença de quatro meses.
"Uma mistura de ânimo para voltar e ao mesmo tempo ansiedade para ver como vai ser esse desafio de juntar a rotina de parlamentar federal com a rotina de mãe de dois pequenos", comenta Talíria.
Samia, casada com o também deputado pelo Psol do Rio Glauber Braga, é mãe de Hugo, nascido em 2021. Ela viu a vida ser transformada com a chegada do primeiro filho.
"Eu sinto que mudou a qualidade da minha atuação política. Agora eu me vejo mais forte, com mais condição de atuar; mais segura também.Também mudou o conteúdo da minha atuação política. Eu sempre pautei os temas relativos aos direitos das mulheres e à maternidade. Mas agora isso tem uma centralidade muito maior na minha atuação", admite Samia.
A política é hostil com a maternidade
Embora ambas tenham uma trajetória de luta por direitos das mulheres, a maternidade aguçou nelas a chama da luta por temas relacionados à maternidade.
Os espaços de poder, como a Câmara Federal, são arquitetados para os homens. Mesmo que a atual legislatura seja recordista de número de mulheres parlamentares, ainda falta muito para a presença feminina na política deixar de ser exceção.
"Não tem um trocador para bebês no plenário, não tem um espaço para amamentar, para acalmar nossos filhos perto do plenário. Há uma dificuldade muito grande ainda para a logística de parlamentares que são mães que muitas vezes têm que levar os filhos pequenos mesmo que seja de passagem", descreve Talíria.
"Foi uma dificuldade tomar posse como deputada no meio de uma licença maternidade. Foi preciso aprovar uma lei para conseguir efetuar isso. São muitos desafios ainda que também são colocados por a gente ainda ter uma invisibilidade que é o nosso maternar", complementa.
A posse remota para mulheres deputadas em licença maternidade é novidade, e foi aprovada por meio de resolução proposta pela própria Talíria em dezembro do ano passado.
Você sabia que o regimento interno da Câmara, que regula a atividade de deputadas e deputados, não prevê com clareza o direito da mãe parlamentar de usufruir de licença maternidade?
As mães deputadas acabam tirando uma licença saúde. A Talíria é autora de um projeto que regulamenta a licença parental para deputados e deputadas. Caso seja aprovada, a proposta garante às mães parlamentares licença maternidade como das servidoras, de 180 dias.
Além disso, o projeto inclui no rol de direitos inerentes ao exercício do mandato “apresentar-se em companhia de seus filhos, dependentes ou pessoas sob sua guarda, para os quais a Administração da Casa proverá recursos administrativos de acessibilidade e tecnologia assistiva”.
Outra proposta de Talíria é criar o Programa de Direito à Amamentação na Câmara para atender bebês de 6 a 24 meses, cujas mães sejam parlamentares, servidoras do quadro permanente, requisitadas, em cargo em comissão ou trabalhadoras terceirizadas de empresas que prestem serviços à Câmara dos Deputados.
"Esses dois projetos serão importantes passos para aprofundar o debate sobre a participação plena das mães no parlamento", explicou em um post nas redes sociais.
Precisamos falar sobre cuidado
As duas deputadas intensificaram a promoção de debates sobre os aspectos políticos da maternidade. Um deles, sobre parentalidade, é central para avançar na pauta de direitos das mulheres.
Parentalidade é um termo científico para o que podemos chamar de cuidado. É o vínculo socioafetivo, maternal, paternal, de adoção ou qualquer outro que resulte na responsabilidade de realizar a atividade parental, ou seja, de cuidar, que consiste no conjunto de atividades desempenhadas pelas pessoas de referência da criança ou do adolescente para assegurar sua sobrevivência e pleno desenvolvimento.
Na sociedade capitalista na qual vivemos, "a divisão sexual do trabalho confinou as mulheres ao trabalho reprodutivo", ensina Silvia Federici na sua obra "Calibã e a Bruxa - mulheres, corpo e acumulação primitiva".
O cuidado da vida doméstica está nesse pacote que, ao contrário do que somos criadas a acreditar, não vem de fábrica. É uma construção social. Assim como a definição de que uma família é constituída por pai, mãe e filhos. Um olhar que desconsidera toda uma miríade de formas familiares diversas e que exclui afetos que não se encaixam nesse modelo que não conversa com a realidade.
Para forjar uma nova arquitetura dos espaços políticos para mulheres, sejam ou não mães, precisamos de políticas públicas. Esse é o cerne da atuação dos mandatos de Talíria e Samia na luta para uma nova concepção de parentalidade, cuidado e maternidade.
Talíra defende a importância de avançar no debate sobre a participação plena das mães no parlamento. "E o papel dos pais nos cuidados com a família, não deixando apenas para as mulheres e desconsiderando os novos arranjos familiares."
E é justamente este o ponto de um projeto apresentado por Samia e o marido Glauber. O casal assina junto o PL 1974/2021, que institui o Estatuto da Parentalidade e que nasceu impulsionado pela chegada de Hugo.
As mulheres brasileiras - e também argentinas, uruguaias, mexicanas, estadunidenses, russas, chinesas, tailandesas… - são sobrecarregadas em relação ao cuidado da criança, principalmente quando se trata de gestação.
Em muitos casos, ficamos sozinhas, com pais que sequer reconhecem os filhos. Essa realidade cria diversos tipos de organização familiar referente à criação. Ou seja, há um enorme contingente de crianças e adolescentes criadas pelos tios, primos e avós etc.
"O reconhecimento da parentalidade, assim, toma por princípio o compartilhamento do cuidado atingindo a paridade entre pais e mães e outras pessoas que por essa criança se responsabilizem, garantindo que se construa uma verdadeira rede de apoio comunitário no exercício do cuidado com aqueles que são os mais vulneráveis dessa relação: a criança e o adolescente", explica a proposição do casal.
Em casa, Samia e Glauber praticam o modelo pelo qual atuam no parlamento. A deputada revela que eles criaram uma maneira de desenhar a engenharia de tarefas para que ambos atuem na criação do filho.
"A gente busca dividir as tarefas todas. Só que toda semana é um grande planejamento: quem busca e quem leva na escola, os horários, quem dá o almoço, quem dá o jantar, quem pensa na reposição das fraldas. Tudo é uma grande engenharia semanal", descreve.
A apresentação desse projeto que trata da parentalidade é um traço da postura do casal de promover o debate sobre o cuidado com os filhos.
"O fato dele ser um parlamentar de esquerda que é aberto a esses temas da parentalidade, facilita a divisão de tarefas", observa Samia. "Eu acho interessante que a gente sempre dá visibilidade à vida pessoal principalmente no que diz respeito ao cuidado com o filho, é também político. Então a gente busca ter essa concepção na atuação dos nossos mandatos", completa.
Maternar é trabalho
Tanto Talíria quanto Samia têm uma pauta para construir políticas públicas para a maternidade. As duas defendem, por exemplo, que o cuidado materno tem que ser considerado como trabalho para fins de aposentadoria.
"É fundamental que a gente não invisibilize o que é o cuidado materno. Amamentar é trabalho, fazer marmita para o marido e também para a criança, fazer a comida da criança, o café da manhã é trabalho. Levar na creche é trabalho. Quando não tem creche, ficar com o bebê o dia inteiro trabalhando com uma criança em casa é trabalho. E você vê que esse trabalho não é reconhecido, antes de tudo, e muito menos remunerado", ressalta Talíria.
"Não há políticas públicas voltadas para possibilitar com que as mães exerçam suas atividades profissionais ou políticas, o cuidado não é visto como trabalho, portanto, é não remunerado e deveria ser. Outros países como a Argentina já fizeram essa leitura, essa compreensão", compara Sâmia.
Em julho de 2021, em uma decisão histórica, a Argentina instituiu um novo marco para os direitos das mulheres no país: o decreto que reconhece o direito à aposentadoria das mães que dedicam suas vidas aos cuidados dos filhos. O benefício se dirige àquelas que estão em idade de aposentadoria e não têm os 30 anos mínimos exigidos de contribuição.
"As mães atípicas que muitas vezes cuidam sozinhas dos seus filhos porque mais de 90% foi abandonada pelo genitores, os filhos são abandonados pelos genitores, precisam de ainda mais assistência do estado porque precisam ter um tempo de dedicação mais exclusivo para os seus filhos", destaca Samia.
Pautas para maternidade
Talíria e Samia compartilham de uma pauta conjunta na defesa do direito das mulheres, inclusive das que são mães. As duas foram entrevistadas em separado, mas poderiam estar juntas em uma mesa e completando a frase e a ideia da outra.
"A maternidade de fato traz desafios para a atuação política em função do nosso tempo que é disputado e da nossa atenção, do nosso cuidado que tem que ser voltado também para os nossos filhos. Mas ela também nos traz um pé da realidade das mulheres brasileiras, daquilo que é mais essencial para que a nossa sociedade funcione", avalia Samia.
Para Samia, defender mães é também atuar no enfrentamento à fome e à extrema pobreza, lutar pela geração de emprego e renda, por políticas públicas e serviços públicos que assegurem maternidades que, de fato, possam ser exercidas como direito e com o amparo do Estado.
"Muitos projetos de lei, relatórios, ações do mandato, são voltados para essa temática [maternidade]. Mudou a minha relação na construção de agendas não só aqui no Congresso Nacional mas também no estado. É uma Sâmia antes e outra depois da maternidade", comenta Samia.
Além do Estatuto da Parentalidade, outra pauta na lista de Samia é a garantia de creches.
"As mães precisam ter a garantia de que são filhos estão em um lugar seguro, de bom desenvolvimento para os seus filhos enquanto elas podem exercer alguma atividade profissional ou política. Não ter creche significa a exclusão das mães da vida social", ressalta Samia.
Talíria segue a mesma linha e ressalta que ainda é um desafio imenso colocar mulheres e crianças no centro das políticas públicas.
"Não se separa a mãe da deputada. Eu tenho dito que a maternidade é política e não é possível separar a mãe do resto que nós mulheres somos", destaca Talíria.
A parlamentar carioca defende também a licença maternidade de seis meses.
"Não é razoável que a gente tenha uma licença maternidade de apenas quatro meses quando a amamentação exclusiva é de seis meses", pondera Talíria.
Outro item da pauta de Talíria é o enfrentamento à violência obstétrica
"Não é razoável que a gente tenha um cenário em que 25% das mulheres que vão parir e que gestam vivenciam violência obstétrica. A maioria dessas pessoas são negras. A gente precisa ter uma tipificação na legislação brasileira do que é violência obstétrica para enfrentar esse cenário dramático no Brasil", diz Talíria.
Samia apoia a luta da colega de bancada.
"Atuar em políticas de enfrentamento à violência obstétrica que tem a ver com o pré-natal, com o momento do parto e o puerpério que também é importante ter assistência para as mães do Brasil", concorda Samia.