O dia 14 de setembro de 2017 marca uma das passagens mais tristes e revoltantes da recente história da Justiça brasileira. O então reitor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Luiz Carlos Cancellier de Olivo, figura respeitada e admirada no universo acadêmico, foi preso de forma arbitrária, injusta e sem provas. Alvo da Operação Ouvidos Moucos, um desdobramento da Lava Jato, era investigado acerca de um suposto desvio de R$ 80 milhões da universidade.
Cau, como é carinhosamente chamado por amigos, familiares e colegas, foi ao longo de sua trajetória um devoto da universidade e não conseguiu suportar a humilhação da acusação de que teria se beneficiado sobre aquilo que representava o sentido da sua vida. E resolveu encerrá-la apenas 18 dias após a prisão, atirando-se do último andar do Beiramar Shopping, no centro de Florianópolis. Em maio de 2018, pouco mais de 6 meses depois, o relatório final da Polícia Federal, que antes o acusava, não apresentou qualquer prova contra ele.
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Com sua partida prestes a completar 6 anos, a Câmara de Vereadores de Florianópolis deve votar nas próximas semanas uma homenagem a Cancellier. O projeto é do vereador Afrânio Boppré (PSOL) e prevê o batismo de uma nova avenida, que está sendo construída pela Prefeitura, com o nome do ex-reitor.
“Cancellier teve uma morte trágica, resultado de uma grande injustiça a que foi submetido. Ao nomear a nova via pública, construída junto à UFSC, a qual tanto se dedicou, a Câmara de Florianópolis pode prestar uma merecida homenagem a um personagem da história da nossa cidade, reconhecido pelo perfil conciliador, equilibrado e inclusivo, que hoje é referência da luta por democracia e justiça no Brasil”, declarou o vereador para a Revista Fórum.
Em caso de aprovação na Câmara, o projeto vai para sanção do prefeito. Boppré explica àqueles que não conhecem a capital de Santa Catarina, que a via em questão está em fase final de construção e fica entre os bairros da Trindade e Pantanal, que margeiam a UFSC. O vereador espera que a aprovação e a sanção do projeto ocorram antes da inauguração da obra.
“Estamos buscando sensibilizar os vereadores e o prefeito. A comunidade acadêmica e a família de Cancellier assumiram a proposta e também estão defendendo. A expectativa é que a Câmara aprove”, concluiu.
“Merecedor da homenagem”
A família de Cau comemora a iminência da homenagem. Seu irmão, Acioli Cancellier, explicou à Fórum que uma homenagem desta natureza, ou seja, quando há uma proposta da comunidade que é acolhida pelo legislativo e depois efetivada pelo município, remete ao fato que a pessoa homenageada é alguém que de certa maneira foi considerada merecedora da homenagem. “Ninguém vai homenagear um cidadão cuja vida progressa tenha máculas”, afirmou.
“Isso é importante para a família porque passamos mais de cinco anos, quase 6, dos fatos que resultaram na morte do Cau. O primeiro foi o indiciamento. Ele foi indiciado, preso, torturado e humilhado naquilo que ele achava mais importante, a universidade que o projetou. Onde mais do que ser reitor, foi estudante da graduação, mestrado e doutorado. Em seguida teve sua reputação destruída por certo setor da imprensa”, disse.
Acioli ainda coloca que no inquérito, que leva 108 páginas, não há qualquer prova sobre o desvio de dinheiro. Ele acabou sendo indiciado por associação criminosa junto com outros 6 professores, e por obstrução da Justiça após receber e acatar um parecer da principal autoridade jurídica da universidade.
“Não há uma linha sobre desvio de dinheiro. No entanto, ele foi preso às seis horas da manhã e às sete todos os órgãos de imprensa, dos portais de internet aos impressos, já estavam colocando que ele foi preso por desviar R$ 80 milhões da UFSC. Uma verdadeira fake news produzida pela Polícia Federal. Tanto que às dez horas da manhã no mesmo dia que ele foi preso, 14 de setembro de 2017, a delegada Érica Marena chamou todos os holofotes sobre si e falou que o reitor estava sendo preso por desviar os supostos R$ 80 milhões da UFSC, que não estavam no inquérito produzido por ela”, resumiu.
Quase seis anos depois ele ainda não foi inocentado pelo poder público. A Polícia Federal e o Ministério Público também não reconheceram seus erros no caso.Além disso, os professores que foram presos com Cancellier ainda sofrem processos. Com esse contexto em vista, Acioli coloca que um outro objetivo da família, mais a longo prazo, é buscar a responsabilização de todos os envolvidos na perseguição a Cau.
Pela mesma razão, o jornalista e amigo do ex-reitor, Áureo Moraes, tem divulgado o projeto que o homenageia e feito campanha pela sua aprovação. Áureo é funcionário da UFSC e era o chefe de gabinete de Cancellier. À época da prisão, foi a principal figura que denunciou os abusos de uma imprensa completamente alinhada ao lavajatismo. Ele explica à Fórum por quê durante todo esse tempo as coisas não andavam no sentido de reparar os danos à imagem do ex-reitor.
“Os episódios que culminaram com a morte dele se deram num período institucional na esfera federal em que tínhamos recém saído do golpe de 2016, mesmo ano que o Cancellier assumiu a UFSC. Após sua morte, a partir de 2018 passamos a viver esse período de atraso e de uma lógica de país que confrontava completamente o que a gente pensava e trabalhava tendo o Cau à frente. Mas a partir desse ano de 2023, Acioli e eu imaginamos que as possam andar, uma vez que temos um governo que defende os direitos humanos. E até pela vivência que o próprio presidente da República teve como vítima da mesma operação. Alimentamos evidentemente uma esperança, uma expectativa de que, no mínimo, o Estado possa dar agora um tratamento sério e responsável para aquilo que aconteceu - ao invés de ignorar como nos últimos anos”, explicou.
“Qualquer homenagem que tenha como o objetivo preservar a memória, valorizar os atos, as ações e o perfil dele sempre vai ser bem-vinda. Temos de lembrar dele como alguém que marcou sua passagem pela universidade”, concluiu.