Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) pediram a André Mendonça, ministro da Justiça, a abertura de inquérito para investigar a conduta da delegada da Polícia Federal (PF), Erika Mialik Marena. Conforme conversas apreendidas pela Operação Spoofing, ela teria falsificado o depoimento de uma testemunha no âmbito da Operação Lava Jato.
A delegada é a mesma que, em 2017, comandou o inquérito que acusou o ex-reitor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Luiz Carlos Cancellier de Olivo, por corrupção, na Operação Ouvidos Moucos.
Cancellier acabou se suicidando, após ser preso ilegalmente e ter sofrido humilhação pública, com a proibição de ingressar nas dependências da universidade.
O pesquisador aposentado do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Acioli Cancellier de Olivo, irmão do ex-reitor da UFSC, afirma que não se surpreende com o comportamento da delegada.
“Não me espanta cada nova revelação dos métodos ‘não republicanos’ empregados por membros da Lava Jato para acusar, prender, torturar psicologicamente para conseguir confissões, sem falar do balcão de negócios que envolveu a questão das delações”, avalia Acioli, que hoje se dedica a estudos sobre a importância da Ciência, o aquecimento global e o envelhecimento da população.
“A Operação Ouvidos Moucos, que prendeu meu irmão e mais seis professores, não poderia agir de maneira distinta da Lava Jato, pois é herdeira de alguns integrantes, como a delegada Erika Marena. Mas, suponho, laudatória de seus métodos não ortodoxos. Como reza o dito popular, o fruto não cai longe do pé”, destaca.
O caso
Acioli relembra o caso que teve como consequência principal o suicídio do seu irmão.
“No dia 14 de setembro de 2017, no âmbito da Operação Ouvidos Moucos conduzida pela delegada da PF, Erika Marena, meu irmão foi preso e conduzido coercitivamente, acusado de liderar uma organização criminosa, que desviou R$ 84 milhões do Programa de Ensino a Distância do sistema Universidade Aberta do Brasil, financiado pela Capes”, conta.
“O inquérito, baseado em absoluta falta de provas, revelou que não existia acusação alguma do desvio do montante anunciado pela maioria da imprensa e que, de fato, o que pesou contra o reitor foi a ‘obstrução à Justiça’, por ele ter avocado à reitoria uma sindicância conduzida pelo corregedor da UFSC, cujo andamento acarretou o bloqueio dos recursos repassado pela Capes à UFSC”, prossegue Acioli.
“Portanto, o reitor, à época, foi acusado injustamente devido a um ato de gestão, legítimo e perfeitamente justificável, haja vista que o fez em benefício da própria UFSC. Adicionalmente, os ilícitos apontados no inquérito ocorreram nas gestões de dois reitores anteriores”, destaca.
Em seguida, Cancellier foi preso, destituído do seu mandato, proibido de entrar na universidade e de ter contato com qualquer membro do corpo universitário.
Acioli conta que seu irmão foi interrogado, durante seis horas, por um delegado que havia chegado de Pernambuco, e não conhecia o inquérito. “Ele ficou lendo perguntas, pressionando-o a confessar, antes que fosse tarde”.
Depois disso, Cancellier foi encaminhado a um presídio de segurança máxima, onde passou por revista íntima vexatória, mantido nu e de pé por mais de duas horas e, finalmente, algemado e acorrentado nas pernas.
“Quando foi solto, verificou que sua honra tinha sido enlameada de maneira indelével e decidiu que só com sangue essa mancha seria removida. Suicidou-se em 2 de outubro de 2017”, ressalta Acioli.
Pedido de investigação
Ainda em 2017, a família ingressou com um pedido de investigação contra Erika Marena por abuso de autoridade.
“Fiz duas representações contra a delegada, questionando a forma como ela conduziu a Operação Ouvidos Moucos. A primeira, para o ministro da Justiça, Torquato Jardim, em 31 de outubro de 2017. O ministro nunca me respondeu. Soube, no início de 2018, que ele recebeu ofício da PF, isentando a delegada de ter cometido qualquer irregularidade, pois, segundo a sindicância interna da PF, ela teria agido de acordo com os protocolos estabelecidos pela Operação Lava Jato”, revela Acioli.
“Na época, fiquei revoltado, mas hoje entendo que ela, realmente, seguiu os protocolos estabelecidos por Sérgio Moro e seus acólitos, que não hesitavam em atropelar os trâmites legais, como tem sido revelado ultimamente”, desabafa o irmão do ex-reitor.
Outra representação foi feita posteriormente para o ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, que não teve tempo hábil para investigar. “Quando Moro foi entronizado por Bolsonaro como ministro, a Justiça absorveu a Segurança Pública, levou para o Ministério a delegada para um importante cargo e nunca mais tive notícia de minhas representações”.
Processo criminal
O processo criminal contra Cancellier foi extinto após sua morte. Porém, segundo Acioli, os outros seis professores acusados pela Ouvidos Moucos continuam sofrendo com os processos que pesam contra si, com sérios danos financeiros e emocionais.
“Todos eles foram reintegrados pela UFSC. Através de suas instâncias, foram inocentados de todas as acusações sofridas. Quanto ao meu irmão, o Cau, como nós carinhosamente o chamávamos, esperamos que a Justiça, mesmo tardia, se faça e que, no mínimo, o Estado reconheça que errou e peça desculpas à família, aos amigos e à comunidade universitária da UFSC por tê-lo arrancado de nosso convívio de maneira trágica”, finaliza.