Quando concorreu ao Senado em 2018, Marcos do Val surpreendeu candidatos politicamente mais experientes, como Magno Malta e Ricardo Ferraço.
Ficou com a segunda vaga em disputa, com pouco mais de 24% dos votos.
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Em vídeos de campanha, ele foi apresentado como “um orgulho” capixaba por ter treinado, durante duas décadas, policiais de todo o mundo. Nos Estados Unidos, integrantes da SWAT, NASA, FBI e DEA.
DEA é a Drug Enforcement Administration, a agência do governo estadunidense encarregada do combate ao tráfico de drogas.
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A SWAT não existe como nome de uma instituição específica. É atribuído a unidades de operações especiais que podem ser de uma municipalidade ou condado.
Do Val diz em seu currículo que tem o título de “integrante honorário” da SWAT de Beaumont, no Texas, uma cidade de pouco mais de 120 mil habitantes.
“Eu tornei o brasileiro Marcos do Val membro da equipe da SWAT em reconhecimento do seu perfil profissional e pelas suas habilidades técnicas e táticas. Aproveito essa oportunidade para agradecer a ele pelas diversas operações que participou como membro do nosso time SWAT e, em especial, na operação em conjunto com o departamento de narcóticos quando prendeu o suspeito que feriu gravemente o policial infiltrado”, diz a mensagem publicada sob o nome de Patrick O’Quinn, “comandante da SWAT de Beaumont, Texas, EUA”.
A mensagem apareceu na página de Facebook de Marcos do Val em 25 de julho de 2016, quando ele tinha as suas credenciais questionadas nos Estados Unidos por um grupo de militares e agentes de segurança.
Segundo o grupo, O’Quinn, além de amigo próximo de Do Val, ofereceu ao brasileiro um endereço para registrar no Texas a filial de sua empresa, CATI International.
O CATI International ainda mantém página no Facebook. No logo da empresa aparecem ideogramas e a palavra SWAT, cuja marca Marcos do Val patenteou no Instituto Nacional da Propriedade Industrial. Ele tem direito de uso até 5 de junho de 2027. O hoje senador também tentou registrar as marcas “Favela” e “BOPE”, mas os pedidos foram negados.
Em 2017, Marcos do Val finalmente admitiu que nunca foi policial. A Fórum tem ao menos quatro registros dele se dizendo policial, dois em vídeo e dois em mensagens escritas.
Não sendo policial, como poderia ter participado de operações oficiais em Beaumont sendo apenas “membro honorário”, sem ter passado pelas provas e o treinamento exigidos dos policiais tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos?
O Departamento de Polícia de Beaumont, acionado pela Fórum, ainda não respondeu aos questionamentos.
Mas o Departamento de Polícia de Dallas, sim, como revelamos com exclusividade.
Em seu perfil do Twitter, Do Val posa para foto em que aparece ao fundo o nome “Dallas Police”.
De acordo com a porta-voz da polícia de Dallas, Marcos do Val nunca teve relação oficial com a unidade.
Os treinamentos que ele deu no Texas foram em conjunto com uma associação sem fins lucrativos formada por policiais, a Texas Tactical Police Officers Association.
A TTPOA edita uma revista e promove cursos de aperfeiçoamento. Foi assim que Marcos do Val ganhou dinheiro, através do Centro Avançado de Técnicas de Imobilização (CATI), que criou no Espírito Santo.
De acordo com um ex-integrante do CATI, Do Val contratou gente da SWAT do Texas e do BOPE, o Batalhão de Operações Especiais da Polícia do Rio de Janeiro, para dar cursos dentro e fora do Brasil.
Nos Estados Unidos, um dos cursos no Texas foi oferecido a 2 mil dólares por pessoa, sem incluir despesas com passagem, hospedagem, alimentação ou visto, no caso dos brasileiros.
No Brasil, de acordo com a fonte ouvida pela Fórum, alguns cursos a R$ 2 mil por pessoa chegaram a reunir 150 alunos.
Em Portugal, um homem apresentado por uma TV local como “major do BOPE” foi o instrutor. O BOPE ainda não respondeu ao questionamento da Fórum.
Mas a polícia de Dallas, sim. Informou que os policiais da SWAT que vieram ao Brasil dar treinamento viajaram em seu “tempo livre”, sem relação oficial com o Departamento de Polícia da cidade texana.
O vídeo da campanha de Do Val em 2018 também diz que ele fez treinamentos de agentes de segurança na Europa, “inclusive no Vaticano”.
Um dossiê preparado pelo reservista do Exército dos Estados Unidos, Lincoln Batista, que hoje mora no Alabama, diz que na verdade Marcos do Val fez uma palestra para agentes de segurança na Itália, mas turbinou o currículo.
Entrevistado pela Fórum, Batista explicou o exagero: treinar um único agente do FBI, num curso qualquer, se de fato aconteceu não é o mesmo que “treinar o FBI”.
O perfil profissional de Do Val no LinkedIn diz que ele esteve na Academia Nacional de Polícia em Roma e “na ocasião ministrou também treinamentos para a segurança do Papa no Vaticano”.
Tratava-se, à época, do papa João Paulo II, que havia sido vítima de um atentado a tiros.
Oficialmente, o Vaticano desconhece. A Santa Sé tem fama de ser secretiva, mas respondeu à Fórum: “A Gendarmerie não tem conhecimento disso”.
O Corpo dela Gendarmeria dello Stato dela Città del Vaticano é a polícia oficial encarregada de cuidar da segurança do Vaticano e das propriedades da Igreja Católica no mundo.
A proteção pessoal do papa é trabalho da Guarda Suíça, que também mantém a segurança do Palácio Apostólico, a residência oficial do líder da igreja.
Juntas, as duas forças reúnem pouco mais de 300 agentes.
Depois que assumiu nunca ter sido policial, em 2017, Marcos do Val continuou se dizendo “instrutor da SWAT”, o que é contestado pelo grupo que o critica nos Estados Unidos.
A tarefa, sustentam Lincoln Batista e seus colegas, é atribuída a veteranos das unidades. Policiais, portanto, que passaram por provas e treinamento.
Marcos do Val disse ter desenvolvido técnicas de imobilização como o “pacotinho”, em que o preso é deitado de barriga para baixo, tem as mãos algemadas nas costas e as pernas cruzadas presas sob as algemas.
O hoje senador apresentou esta técnica e falou do suposto treinamento da SWAT “dos Estados Unidos” em programas de TV de alcance nacional, nas TVs Globo, Record, SBT e RedeTV.
Ensinar o “pacotinho” seria uma das atribuições dele nos cursos promovidos pelo CATI. Uma forma de evitar o uso de força letal nas detenções.
Desde 1995, no entanto, a polícia de Nova York não recomenda a técnica de Do Val por colocar em risco a vida do suspeito preso, uma vez que dificulta a respiração.
O risco existe para pessoas que estejam sob efeito de álcool e drogas, obesas ou cardíacas – o policial nunca sabe o estado de saúde do suspeito que acaba de prender.
Nos Estados Unidos, a morte de um suspeito sob responsabilidade do Estado pode resultar na demissão do policial e em indenizações milionárias.
Marcos do Val disse que desenvolveu o “pacotinho” a partir do aprendizado de artes marciais.
A Federação Internacional de Aikido, mencionada pelo hoje senador em seu currículo, confirma que o brasileiro recebeu o segundo dan em 1998, mas que o exame aconteceu não em Tóquio, mas no Brasil.
E acrescentou: “O nível do segundo dan, dentro do domínio do aikido, não representa o nível de um Expert ou de um Mestre”.
No entanto, no primeiro parágrafo da biografia na página oficial do senador está escrito que ele “é mestre em Aikido, diplomado e credenciado pela Intenational Aikido Federation”