CRACOLÂNDIA

Fundador do MBL, vereador que persegue padre Júlio Lancellotti agora quer CPI sobre trabalho com pobres

Bolsonarista convocou o pároco a depor na Câmara; Lancellotti, historicamente, garante assistência social à população em situação de rua e dependentes químicos

Padre Júlio Lancellotti é alvo recorrente de Rubinho Nunes.Créditos: Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil
Escrito en POLÍTICA el

O Padre Julio Lancellotti será alvo de investigação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das organizações não governamentais (ONGs) do Centro, protocolada pelo vereador bolsonarista Rubinho Nunes (União Brasil), fundador do MBL. A CPI analisará o trabalho do padre na região central de São Paulo (SP), com foco na Cracolândia.

Nunes conseguiu 24 assinaturas na Câmara Municipal e deve ter a adesão de mais quatro parlamentares para atingir o requisito mínimo de 28 assinaturas para a instalação da CPI. Ele é vereador da Frente Parlamentar em Defesa do Centro.

A CPI tem mais poder de investigação do que a frente parlamentar, é investida de poder de polícia. Com essa ferramenta nas mãos, a gente conseguirá ir mais a fundo.

As organizações que serão investigadas são o Centro Social Nossa Senhora do Bom Parto (Bompar) e o coletivo Craco Resiste. Até 2006, o padre foi conselheiro da Bompar, uma entidade filantrópica associada à Igreja Católica. 

O trabalho dos grupos junto à Julio Lancellotti tem garantido assistência social à população em situação de rua e aos dependentes químicos da região. Rubinho Nunes deve convocá-lo para depor na CPI das ONGs do Centro.

Em 30 de novembro, o vereador conseguiu aprovar, para 14 de dezembro, a convocação do Padre Julio Lancellotti para prestar esclarecimentos sobre a sua atuação na região da Cracolândia. De acordo com Nunes, o trabalho do pároco estaria ajudando a manter o Centro em situação crítica.

Alinhado ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), Nunes divulgou um vídeo em suas redes sociais no qual declara: "[estou de] saco cheio desse padre agir como se fosse alguém acima do bem e do mal".

Pessoal, nesse vídeo veja o número de comentários raivosos e odiosos me cancelando pura e simplesmente porque eu convoquei o padre Julio Lancellotti para vir à Frente Parlamentar em Defesa do Centro, ao qual eu presido, para prestar sobre o trabalho que ele diz prestar na paróquia aqui na região central com pessoas em situação de rua, com cracudos.

No último sábado (2), o Núcleo Nacional Política e Religião Teologia da Libertação lançou um abaixo-assinado para que o vereador Milton Leite (União Brasil), presidente da Câmara Municipal de São Paulo, não permita que os vereadores da Casa persigam o padre e anule a convocação de prestação de esclarecimentos.

"A convocação do padre Lancellotti por este vereador é uma clara tentativa de intimidar e censurar um dos maiores defensores dos direitos humanos em atividade no Brasil. O vereador, que já se manifestou contra a população de rua e os usuários de drogas, claramente não tem interesse em ouvir o que o padre tem a dizer, mas se notabilizar por sua estupidez política e para angariar apoios entre insensíveis e gente sem noção de caridade e serviço aos marginalizado", diz o texto.

O padre Júlio Lancellotti é um verdadeiro herói, que há décadas dedica sua vida a ajudar os mais necessitados, especialmente a população de rua e usuários de drogas. Seu trabalho é reconhecido internacionalmente e ele já recebeu diversos prêmios por sua atuação humanitária, sendo reconhecido no Brasil e no mundo por seus esforços em reduzir os danos sofridos, impostos pelo sistema econômico e político ora vigente.

Apoio federal

Uma semana antes, em 23 de novembro, durante evento do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assinou um decreto que regulamentou a Lei nº 14.489, a Lei Padre Julio Lancellotti, que proíbe arquitetura hostil – estruturas com o objetivo de afastar pessoas de espaços públicos.

Ainda em novembro, o MDHC instituiu o Pontos de Apoio da Rua (PAR), um programa de apoio à população em situação de rua que consiste no fomento e financiamento de serviços públicos destinados ao cuidado e à higiene pessoal deste grupo.

O PAR segue o Decreto nº 7.053/2009, que institui uma política nacional para a população de rua e define critérios, objetivos e diretrizes para a assistência. Segundo o inciso 7 do artigo 7º, um dos objetivos deste decreto era "implantar centros de defesa dos direitos humanos para a população em situação de rua", o que está sendo feito com o PAR.

"A moradia é uma questão central para qualquer política que envolva pessoas em situação de rua", afirmou o ministro Silvio Almeida no dia 8 de novembro, quando anunciou o investimento federal de R$ 9 bilhões em políticas de atendimento à população com deficiência.