O padre Julio Lancellotti, pedagogo e coordenador da Pastoral do Povo de Rua de São Paulo, não mediu as palavras para comentar sobre o projeto do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), de criar escolas rurais em regime de internato para pessoas em situação de rua do interior paulista.
Padre Julio afirmou em entrevista à Fórum que “essa é mais uma ideia distorcida, não construída com participação de ninguém, e que realmente parece de aporofobia, de rechaço aos pobres e de segregação”.
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“Se tem escolas rurais, eles podem ir em escolas rurais onde todos vão. Por que tem que ser uma escola rural só pra morador de rua? Porque aí não é uma escola, é um internato, é uma institucionalização, é uma segregação”, ponderou Padre Julio.
O projeto
A proposta, que tem sido comparada nas redes com “campos e concentração”, consta de edital lançado no início do mês pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo que anuncia uma comissão para a contratação de consultor técnico para "apoiar o planejamento do Projeto Escolas Rurais para moradores em situação de rua". O valor do contrato, de cinco meses, é de R$ 212 mil.
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O empresário e secretário da Educação do estado de São Paulo, Renato Feder, trata a proposta como inovadora. De acordo com a secretaria, o projeto de escolas rurais é parte do trabalho de desenvolvimento de "programas educacionais que possam auxiliar a população em situação de vulnerabilidade”.
A ideia é apresentada como parte de um projeto da Unesco, o braço das Organização das Nações Unidas para educação, ciência e cultura.
A agência da ONU tem um acordo de cooperação técnica com a secretaria paulista desde julho de 2019 para a realização de diagnósticos e a identificação e consolidação de boas práticas pedagógicas, curriculares e de gestão, entre outros temas do campo educacional.
Procurada pela Folha, no entanto, a representação da Unesco no Brasil afirmou que "não participa da implementação nem do planejamento do referido programa". Declarou que recebeu a solicitação de contratação de consultoria para diagnóstico e levantamento de dados sobre a situação educacional dessa população, mas ela "não foi viabilizada" porque "esse programa não está contemplado no projeto entre a Seduc-SP e a Unesco".
Deputados questionam projeto
Dois deputados estaduais do PT registraram requerimentos à pasta de Renato Feder de informações sobre o projeto. A deputada Professora Bebel argumentou que "políticas higienistas mostram a opção de determinados governantes por retirar das vistas da sociedade as evidências das desigualdades sociais" e relacionou a esta categoria de política a proposta de escolas rurais para pessoas em situação de rua.
O deputado Maurici (PT), por sua vez, pediu explicações sobre os motivos de os internatos serem implementados em área rural, e não urbana, onde está a maior parte da população de rua. O deputado também questionou qual seria a "justificativa jurídica para o descolamento e o confinamento compulsórios de cidadãos em instituições isoladas dos centros urbanos".
"Precisamos saber o que exatamente é esse projeto. Parece a criação de guetos, e não a busca de soluções para essa população", afirma Maurici, seguindo o mesmo raciocínio do Padre Julio.