NEOLIBERALISMO

Economista explica por que governo Lula não é neoliberal

Juliane Furno traça histórico de políticas públicas do governos Lula e sua relação com o setor privado

Presidente Lula.Créditos: Wikimedia Commons
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A economista e professora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Juliane Furno, explicou, em suas redes sociais, por que o governo Lula não é neoliberal

A explicação de Furno veio após um debate que surgiu com o historiador e militante comunista Jones Manoel, que publicou, em seu canal no Youtube, um vídeo também esclarecendo se o governo Lula poderia ser considerado neoliberal. Ele questiona: “Qual é o nome da doutrina política que considera que é função do mercado guiar o ciclo econômico e o 'desenvolvimento', com o investimento público (Estado) sendo ator secundário no processo?”. Em seguida, usa como exemplo a postura do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ao investir no mercado privado com dinheiro do BNDES e garantias da União. 

Como vocês bem sabem, existe um Novo Teto de Gastos que limita o gasto público com tudo, mas deixa livre o gasto com juros e serviços da dívida pública. Em paralelo, temo um pacote de PPPs em todas as áreas - inclusive presídios e florestas - chamando investimento privado”, diz.

Em resposta, Furno explica que “ainda que os neoliberais tenham criado a ideia de 'políticas sociais focalizadas', como o Bolsa Família, no Brasil o programa adquire caráter distinto. A ideia dos neoliberais é substituir as políticas universais pelas focalizadas. Nos governos Lula, o Bolsa Família caminhou conjuntamente com o fortalecimento das políticas universais, em especial ampliando a educação pública, a saúde, recuperando os gastos com seguridade social ao atrelar os benefícios ao salário mínimo que cresceu 76% em termos reais (descontada a inflação)".

A economista também explica que o chamado “tripé macroeconômico”, que engloba câmbio flutuante, resultado primário e metas de inflação, foi flexibilizado. “Teve controle de câmbio (Mantega), as metas de inflação não foram declinantes e o resultado primário foi alcançado AMPLIANDO os gastos”, diz. “No entanto, os governos Lula tiveram diversos limites, pois flexibilizaram um tripé que é herança do neoliberal”, complementa.

Furno também afirma que, na prática, é importante entender que os governos Lula foram transcorridos em um período em que o capitalismo é hegemonizado pelo neoliberalismo globalmente. “São margens de manobra mais estreitas”, defende.

Em seu terceiro argumento, Furno afirma que o Estado ampliou seu papel na economia, “construindo política industrial, direcionando as compras públicas, ampliando o conteúdo nacional”. 

No segundo gov. Lula foi o investimento Federal a variável que mais contribui para o PIB. Os bancos públicos, em especial o BNDES retomaram um papel protagonista, assim como a Petrobras, se colocando como instrumentos da política industrial. Isso é radicalmente contrário ao ideário neoliberal, especialmente na periferia capitalista. Maior atuação e direcionamento estatal na acumulação interna 

Sobre a política econômica, Furno diz que os gastos públicos não só não foram reduzidos quantos cresceram em média 5% em termos reais todos os anos. "Não conheço neoliberal que aceite essa premissa", diz. Ela explica que mesmo hoje com todos os limites do arcabouço fiscal, "os gastos públicos sempre vão crescer (diferente do teto de gastos que era 0) entre 0,6 e 2,5% em termos reais. Menos ousado que o período anterior, mas ainda assim jamais neoliberal".

Furno também reforça outro ponto no debate, em relação às privatizações, em que afirma que não houve, "no sentido clássico de troca de comando publico para privado". "Pelo contrário, houve maior ativismo e construção de estatais, como a CEITEC e a PPSA para administrar os contratos do Pré-sal". Ela critica, porém, as concessões, que considera  "um limite, principalmente se foram em áreas estratégicas".

Por fim, a economista reconhece que o neoliberalismo global e nacional avançou muito. "Os governos Temer e Bolsonaro cumpriram um papel central", argumenta. "É difícil fazer, por um lado, o diagnóstico do aprofundamento do neoliberalismo e da extrema direita, por um lado, e por outro esperar inflexões quase revolucionárias."

Nós precisamos, coletivamente, ir criando as condições objetivas e subjetivas para a mudança do novo normal. Precisamos exigir mais, nosso papel como movimentos sociais é o da luta política, da exigência até o impossível, porque assim fortalecemos o próprio Lula, demonstrando organização e capacidade de mobilização social.

Furno também reconhece que o atual governo "tem muitos limites, alguns internos e outros calcados na correlação de forças duríssima", mas acrescenta que "compreender seus limites revolucionários não significa construir uma análise rasa, identificando que o que não responde ao nossos anseios revolucionários trata-se de mero neoliberalismo, descartando suas particularidades, a realidade brasileira e que neoliberais mesmo são aqueles derrotados nas urnas".