O presidente Jair Bolsonaro (PL) esteve na noite desta segunda-feira (22) no Jornal Nacional, da TV Globo, onde foi entrevistado pelos apresentadores William Bonner e Renata Vasconcelos por 40 minutos. O JN receberá ao longo dessa semana os quatro melhores colocados nas pesquisas divulgadas em 28 de julho. Nesta terça-feira o jornal recebe Ciro Gomes (PDT). O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), líder das pesquisas, falará na próxima na quinta e Simone Tebet (MDB) na sexta.
O presidente levou uma cola na mão para a entrevista que, em paralelo à transmissão, registrou centenas de panelaços nas principais cidades do país. Ao longo da entrevista, Bolsonaro foi colocado contra a parede por diversas vezes, desde as críticas que recebe por se apoiar no Centrão no Congresso, até pelo uso eleitoral do Auxílio Emergencial de R$600 aprovado às pressas antes da campanha, passando pelas teorias conspiratórias sobre o sistema eleitoral e as declarações golpistas enterradas pelo ministro Alexandre de Moraes na última semana.
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O ponto alto foi quando William Bonner cobrou de Bolsonaro uma declaração afirmando que aceitaria qualquer resultado nas eleições. A contragosto, o presidente disse que respeitará o resultado, “caso as eleições sejam limpas”.
Entre muitas mentiras e tergiversações ao longo dos quarenta minutos de conversa, Bolsonaro viralizou nas redes sociais e ganhou manchetes na imprensa quando negou ter imitado vítimas da Covid-19 com falta de ar e, sobre elas ter dito: “e dai, eu não sou coveiro”.
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Veja a seguir como foi a entrevista
Bonner abriu a entrevista citando que Bolsonaro faz "ataques sem provas ao sistema eleitoral" e xinga ministros de cortes superiores. O âncora, então, perguntou: "Com franqueza, o que o senhor pretende com isso? Criar um ambiente que permita um golpe?"
Em sua resposta, Bolsonaro afirmou que Bonner pratica fake news ao falar que ele xinga ministros. O presidente disse, ainda, que quer transparência nas eleições, citando inquérito da Polícia Federal que faria menção a hackers que teriam invadido o sistema do TSE. "Quero evitar que pairem dúvidas com relação às eleições deste ano", declarou.
Bonner, por sua vez, se defendeu da acusação de ter incorrido em fake news e desmascarou o presidente. "É curioso que o senhor cite esse episódio até porque o senhor se tornou alvo de investigação por divulgar informações sigilosas. Inúmeras entidades já atestaram a segurança das urnas. E vou além. A transparência e segurança das urnas têm sido motivo de orgulho da maioria da população", afirmou.
"Em nome da verdade, o senhor xingou o presidente do TSE de canalha", prosseguiu Bonner, em referência um discurso de Bolsonaro, feito durante ato político no dia 7 de setembro de 2021, quando Bolsonaro xingou o ministro Alexandre de Moraes e disse que não respeitaria nenhuma decisão do STF.
Bonner obriga Bolsonaro a dizer que respeitará resultados das eleições
Na segunda pergunta, Bonner “enquadrou” o postulante à reeleição e o questionou sobre acatar o resultado das eleições, lembrando que faz reiteradas ameaças de golpe e desacredita o sistema eleitoral brasileiro. O presidente não respondeu se respeitaria o resultado.
Bonner insistiu que o sistema é auditável, confiável e seguro, desmentiu ter “feito fake news”, mostrando que o entrevistado chamou o ministro Alexandre de Moraes de “canalha”, e novamente repetiu na cara do presidente: “O senhor respeitará o resultado das eleições?”.
Contrariado e tentando colocar novamente a suposta fragilidade do sistema de votação, ainda assim Bolsonaro admitiu que aceitará a vontade popular, mas sempre colocando cacos e ressalvas. “Vou aceitar o resultado das eleições, se elas forem limpas”, falou o candidato à reeleição.
William Bonner e Renata Vasconcelos ainda questionaram suas participações em atos claramente antidemocráticos, com seguidores pedindo AI-5 e fechamento do Congresso, ao que o presidente fez mais rodeios e respondeu minimizando: “Se tem um outro que pede artigo 142, que eu discordo, se tem faixinha com AI-5, acho que isso é liberdade de expressão, é da democracia”.
“Tá me estimulando a ser ditador”
Na sequência, o âncora do telejornal relembrou que, em 2018, quando era candidato, Bolsonaro se colocava em uma postura de "antipolítica" e contra o centrão. Bonner citou, ainda, o episódio registrado na última semana em que o presidente chegou a agredir um youtuber após ser xingado de "tchutchuca do centrão".
"Por que eleitores como aquele acreditariam nas suas promessas de agora?", questionou o jornalista, fazendo referência à mudança de postura de Bolsonaro com relação ao centrão no Congresso.
O presidente, então, respondeu contrariado: "Você está me estimulando a ser ditador! Se eu não dialogar... São mais de 500 deputados. 300 são dos partidos de centro, chamados pejorativamente de centrão. Então, os partidos de centro fazem parte da base do governo para que possamos avançar em reformas. Através do centrão conseguimos o Auxílio Brasil de 600 reais".
Mais mentiras sobre a pandemia e a imitação de falta de ar
Na sequência, Renata Vasconcelos fez o Brasil reviver todo o horror, a tristeza e o desespero dos longos meses do auge da pandemia, relembrando aos milhões de telespectadores de todo o país o sadismo desumano do presidente que fez de tudo para aumentar o número de mortos pela doença.
“O assunto é pandemia, candidato. Nos momentos mais dramáticos, o senhor imitou pacientes de Covid com falta de ar... Sobre as mortes, o senhor disse: “e daí, eu não sou coveiro”... O senhor estimulou, e usou dinheiro público, pra comprar medicamento comprovadamente ineficaz contra a Covid... O senhor desestimulou a vacinação, o senhor não teme ser responsabilizado, se não pelos eleitores, mas pela história?”, perguntou Renata, emocionada e indignada.
A pergunta foi, para muitos espectadores, o ponto mais dramático e sufocante dos 40 minutos de entrevistas. Nas redes, as pessoas dizem que foi como se passasse um filme de novo pela mente, retomando todo o desespero do isolamento, das mortes, do medo e, sobretudo, do desprezo ultrajante e obsceno com que o presidente da República tratou a mais mortal e devastadora crise sanitária do último século.
“Olha, nós compramos mais de 500 milhões de doses de vacina... Só não se vacinou quem não quis... Vocês dois se vacinara, e foi comprada por mim”, respondeu um homem arrogante, do alto do cinismo, ignorando o fato de ter atrasado o quanto pode a compra dos imunizantes, incentivando as pessoas a se contaminarem baseado numa assassina teoria de “imunidade de rebanho”, e ignorando as maiores farmacêuticas do mundo, que queriam disponibilizar doses para o Brasil.
Depois, como é habitual, Bolsonaro mentiu abertamente dizendo que não imitou ninguém com falta de ar morrendo de Covid, o que foi desmentido peremptoriamente pelos dois jornalistas, até porque as duas ocasiões em que o presidente cometeu o horrendo e desumano ato são públicas e de conhecimento de todos.
Escândalos e corrupção
No bombardeio de perguntas que deixaram o presidente Jair Bolsonaro (PL) desorientado e soltando uma série de respostas sem sentido e recheadas de mentiras, uma das que mais atingiu a escassa tranquilidade do postulante a um novo mandato no Palácio do Planalto: a avalanche de casos de corrupção que soterra seu governo.
William Bonner e Renata Vasconcelos começaram questionando sobre a falta de critério na escolha de seus ministros da Educação, citando todos os demitidos até agora, e enfatizando o escândalo dos pastores que cobravam propina dentro do MEC, sob os auspícios do ex-ministro Milton Ribeiro, e supostamente, segundo as falas do antigo chefe da pasta, com a anuência do presidente.
“Escândalo? Cadê o duto do dinheiro vazando? Cadê o dinheiro? E você tá me acusando?”, tergiversou Bolsonaro.
Na sequência, Bonner perguntou sobre os casos de corrupção que, segundo o próprio candidato, “pipocam” em seu governo, e fechou o questionamento falando se sua interferência na PF para encobrir os escândalos, aparelhando a instituição, que deveria ser de Estado, não de governo.
“Quem me acusou de interferência na PF foi o ex-ministro Sergio Moro. Falou que a prova da interferência estava numa gravação de uma sessão reservada nossa... Eu não tinha a obrigação de entregar a fita... Entreguei a fita e até com muitos palavrões na reunião de ministros... Mas não acharam nada”, respondeu Bolsonaro, desconversando e não esclarecendo o fato de já ter trocado o diretor-geral da Polícia Federal quatro vezes, sempre que a corporação está investigando algum escândalo de seu governo.
Desregulamentação ambiental e recordes de queimadas
Renata Vasconcelos então lembrou da famosa frase do ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, na famigerada reunião ministerial em abril de 2020, quando disse para aproveitar que o assunto do momento nos meios de comunicação era a pandemia e passar a boiada, ou seja, todo tipo de desregulamentação ambiental. O resultado da política foi a Amazônia, bem como todos os outros biomas brasileiros, queimando como nunca.
Sobre os incêndios a demagogia do presidente foi longe ao comparar os incêndios nos biomas brasileiros aos incêndios florestais que ocorrem na França e outros países europeus. Renata até que tentou desmentir, mas Bolsonaro emendou: “o pantanal sul-matogrossense, por exemplo, pega fogo de maneira espontânea”, referindo-se a um dos biomas terrestres mais úmidos do planeta.
“No seu governo as taxas de desmatamento anuais da Amazônia saltaram de 7500 quilômetros quadrados em 2018 para 13 mil no ano passado. Levantamento do MapBiomas mostrou que 97% dos alertas de desmatamento emitidos desde 2019 não foram fiscalizados pelos órgãos responsáveis. Especialistas dizem que quando o senhor desmonta órgãos como o Ibama e os desautoriza a destruir equipamentos, está passando uma mensagem de incentivo a quem desmata e ao garimpo ilegal”, afirmou Renata Vasconcelos.
Novamente, Bolsonaro fez as vezes de um advogado dos garimpeiros e afirmou que há abusos por parte do Ibama. “Tocam fogo mesmo mesmo podendo tirar o trator de lá”, afirmou Bolsonaro. Quando perguntado sobre o que faria em um segundo mandato para perder a fala de “destruidor de florestas”, culpou a guerra na Ucrânia pelos descalabros ambientais e disse que o apelido era mentiroso.
Texto de Raphael Sanz, Ivan Longo e Henrique Rodrigues