O governo Jair Bolsonaro (PL) autorizou o repasse de R$ 6,2 milhões a duas ONGs que até então estavam inativas e foram recém-assumidas pelo ex-jogador Emerson Sheik e por Daniel Alves, lateral-direito da seleção brasileira de futebol.
Mesmo sem nenhuma experiência prévia, as entidades conseguiram aprovar no ano passado projetos para a realização de cursos de esporte. A assinatura dos dois convênios só foi possível porque os atletas driblaram exigências legais usando as chamadas "ONGs de prateleira".
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Os benefícios vieram através de emendas parlamentares a pedido de deputados da base do governo. A verba já foi empenhada (reservada no Orçamento), mas ainda não paga.
As tais "ONGs de prateleiras" são usadas para escapar da regra que estabelece a necessidade de as entidades da sociedade civil existirem há pelo menos três anos para firmar acordos com o governo federal.
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Essas associações são antigas, sem atividade, e muitas vezes comercializadas a fim de cumprir o prazo exigido pela lei.
Os dois jogadores assumiram os institutos meses antes de apresentarem proposta de convênio ao governo federal. A capacidade técnica deles para a execução de projetos foi comprovada através de feitos da carreira como jogador e imagens suas durante partidas de futebol.
Instituto Emerson Sheik
Emerson Sheik assumiu em dezembro de 2019 o Instituto Qualivida, fundado há 26 anos, mas que nunca realizou projetos sociais voltados aos esportes. Logo em seguida, o ex-jogador alterou o estatuto, os membros e o nome da entidade que virou Instituto Emerson Sheik.
O Instituto apresentou em julho do ano passado seu primeiro projeto ao governo federal. Em dezembro, foi assinado o convênio para a instalação de três núcleos esportivos em Mangaratiba (RJ) e Queimados (RJ) por R$ 2,7 milhões, com verba alocada a partir de uma emenda parlamentar da bancada do Rio de Janeiro a pedido do deputado Hélio Lopes (PL -RJ), conhecido como Hélio Negão ou Hélio Bolsonaro, um dos políticos mais próximos de Bolsonaro.
Sheik aparece com frequência em fotos ao lado do filho mais velho do presidente, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), e também apoiou a ex-mulher do presidente e mãe de seus três filhos mais velhos, Rogéria Bolsonaro, para vereadora do Rio em 2020. É próximo do deputado estadual bolsonarista Anderson Moraes (PL-RJ), que emprega Rogéria em seu gabinete.
Daniel Alves e o Instituto DNA
Daniel Alves firmou através do instituto DNA contrato de R$ 3,5 milhões em dezembro com a secretaria para instalar três núcleos de basquete 3x3 na Bahia, Pernambuco e Distrito Federal.
A entidade chamava-se Instituto Liderança até maio do ano passado e tinha como responsável Leandro Costa de Almeida, ex-treinador de basquete. Ele afirma que a ONG estava inativa havia cinco anos, após ter realizado alguns projetos sociais bancados por apoios privados.
Leandro disse ter sido procurado por um amigo em comum com Daniel Alves e que abriu mão da entidade após ouvir os planos do lateral direito. "Por que não vou ceder [a entidade] para alguém que quer fazer o bem?"
A sede do Instituto Daniel Alves foi inaugurada oficialmente na sexta-feira (25/03) em Lauro de Freitas (BA). Valentim disse que a ONG começou a oferecer cursos esportivos um mês antes com cerca de R$ 2 milhões disponibilizados pelo jogador, atendendo a 700 crianças.
A verba federal foi obtida por meio de emenda do relator do Orçamento, a pedido da deputada Celina Leão (PP-DF). A deputada emprega em seu gabinete Ana Cristina Valle, ex-mulher de Bolsonaro.
O Ministério da Cidadania afirmou, em nota, que "não há ilegalidade na celebração das parcerias".
"As duas entidades apresentaram atestado de capacidade técnica e possuem histórico de projetos realizados na área do esporte", diz a pasta. Instado a informar qual é o "histórico de projetos realizados", o ministério não respondeu até a publicação desta reportagem.
O gabinete de Hélio Lopes disse que o parlamentar pediu a emenda após gostar do projeto apresentado. Celina Leão não respondeu aos questionamentos.
Emerson Sheik foi procurado no dia 23 de março em Mangaratiba, onde mora, mas até o momento não respondeu à reportagem.
Daniel Alves afirmou à Folha que assumiu o Instituto Liderança para ampliar a capacidade de absorção de crianças em seus projetos.
Ele afirmou que conseguiu um convênio com valor expressivo em razão da "dimensão dos projetos apresentados e pela seriedade dos trabalhos por mim desenvolvidos".
"Atualmente, atendemos 650 crianças e adolescentes em dois núcleos, com recursos exclusivamente privados, provenientes de meu aporte pessoal. Pretendo fazer o que estiver ao meu alcance para aumentar o número de projetos sociais e o número de crianças atendidas", disse ele.
Segundo ele, os dirigentes do instituto fizeram contato com vários deputados para obter recursos. "A deputada Celina, por priorizar o esporte, nos apoiou."
Com informações da Folha