De tempos em tempos, especialmente quando políticos com pautas progressistas chegam ao poder, um velho debate é retomado por setores da elite: a adoção do semipresidencialismo.
O regime, em que um presidente eleito partilha do poder com um primeiro-ministro alçado ao posto pelo Congresso - ou por um Conselho de Ministros - foi tirado da cartola pela primeira vez nos anos 1960, quando Jânio Quadros renunciou à Presidência e um arranjo foi feito para que João Goulart dividisse os poderes com o Congresso até a proposta ser rechaçada por 82% pela população em plebiscito.
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Um novo plebiscito sobre o tema foi convocado um ano após impeachment de Fernando Collor, em 1993, e o presidencialismo venceu novamente, com 69% dos votos.
Em 2017, após o golpe contra Dilma Rousseff (PT), Michel Temer (MDB) editou a PEC, que está no Congresso.
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O mesmo Temer, em um arranjo com Arthur Lira (PP-AL), foi colocado à frente do grupo pela Câmara para “analisar e debater temas relacionados ao sistema de governo semipresidencialista”.
Dias depois de assumir o posto, em 18 de março, o medebista ganhou status de presidente do Conselho Superior de Estudos Nacionais e Política (Cosenp) da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Seu primeiro ato: convidar o deputado federal Samuel Moreira (PSDB-SP), que coordena os debates no Congresso, para falar sobre o semipresidencialismo na Fiesp.
Afinal, o que é semipresidencialismo?
O grupo que foi criado pela Câmara prevê o debate partindo do princípio de que o semipresidencialismo é o sistema de governo no qual o presidente da República compartilha o poder com um primeiro-ministro, eleito pelo Congresso Nacional ou Conselho de Ministros.
Na reunião no último dia 30, foram aprovados requerimentos convidando 15 especialistas para iniciar os debates, que vão durar 120 dias - renováveis pelo mesmo prazo, que coincide com o fim do processo eleitoral no Brasil. Entre os especialistas, foram chamados juristas e cientistas sociais de Portugal, onde o regime foi implantado e é tido como principal exemplo para uma proposta no Brasil.
É golpe?
Mestre em Direito Público pela Universidade Federal de Pernanmbuco, o jurista Mauro Menezes, que foi presidente da Comissão de Ética Pública da Presidência da República, diz que a discussão volta à tona em um momento inoportuno ao constituir-se em "um aceno casuísta e ameaçador à governança de uma candidatura popular".
"O debate em torno do semipresidencialismo nesse momento me parece inadequado. Constitui um aceno casuísta e ameaçador à governança de uma candidatura popular, cujo governo escape dos ditames do mercado e das corporações que hoje dominam o poder legislativo", afirma.
Segundo Menezes, um outro grave erro tem sido cometido: de se debater apenas nas instâncias dominantes da sociedade, sem um plebiscito ou consulta popular sobre o tema.
"Constitucionalmente falando, as soluções parlamentaristas ou mesmo híbridas entre o parlamentarismo e o presidencialismo exigiriam ao menos uma consulta popular prévia, haja vista a rejeição do sistema parlamentar de governo no plebiscito previsto na Carta de 1988 e realizado em 1993", lembra.
Marco Aurélio de Carvalho, advogado especializado em Direito Público e coordenador do grupo Prerrogativas, vai na mesma linha e lembra que, embora muitos agentes públicos tenham debatido o tema há algum tempo - como o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF) -, o que tem sido feito por Lira e Temer, entre outros, tem um objetivo muito claro.
"Gilmar Mendes debate esse tema há muito tempo sem qualquer tipo de meta, de foco. Aí temos que respeitar. Mas, o problema é que de uma hora para outra resolve-se descartar o modelo presidencialista justamente no momento em que Lula pode voltar ao Planalto. Isso é preocupantes, pois sabemos que no Brasil essas mudanças sempre têm interesses", afirmou.
Marco Aurélio ainda acredita que ainda é muito cedo para uma mudança no sistema de governo. "Nossa Constituição Federal é de 1988. O que foi feito foi acomodar interesses sociais em um pacto, que é muito recente. Além de ser uma disussão inoportuna e enviesada, é cedo para descartarmos o sistema presidencialista".
Para o deputado federal Rogério Correia (PT-MG), membro da Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público, o grupo de trabalho sobre o semipresidencialismo se trata de uma "quartelada institucional" e tem um objetivo claro de dar proseguimento ao golpe parlamentar de 2016.
"A tentativa de golpe tradicional, militar, foi ensaiada, tentada por Jair Bolsonaro e sua turma de neofascistas. Não conseguiram fazê-la por falta de respaldo popular e das instituições. É claro que eles não desistem", diz.
"Mas, o risco de golpe maior não é essa quartelada, é a quartelada institucional. E aí tem pessoas menores, como Arthur Lira, Michel Temer, o próprio Aécio Neves, que são golpistas de plantão. E eles arquitetam essa ideia de semipresidencialismo", emenda Correia.
O deputado acredita, no entanto, que o objetivo é transformar o projeto inicial em uma proposta de parlamentarismo, que transforma o presidente eleito em um figura cenográfica e tranfere todos os poderes para o Parlamento.
"No parlamentarismo, o Centrão dominaria a máquina do Congresso Nacional para controlar o orçamento e, enfim, continuar esse show de horrores que estamos vendo nos últimos quatro anos", disse.
A visão do deputado sobre o mmento atual coincide, em parte, com a declaração do ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), que em palestra no 9º Fórum Jurídico de Lisboa, em Portugal, em novembro afirmou que na prática "nós já temos um semipresidencialismo com um controle de poder moderador que hoje é exercido pelo STF".
"Basta verificar todo esse período da pandemia”, emendou, falando sobre os arroubos de Jair Bolsonaro durante a pandemia do coronavírus que foram barrados pela Justiça.