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“Não posso interpretar a Constituição Federal de acordo com as leis, nada de novo ou revolucionário”, diz presente da Associação dos Magistrados do Trabalho.
Por Gibran Mendes
A nova legislação trabalhista, sancionada em julho por Michel Temer, ainda não está consolidada. Diversas nuances da Reforma Trabalhista dependerão de análises a partir da interpretação da lei. Esta é avaliação de juristas que participaram na última quinta (14) e sexta-feira (15) do “Seminário Reflexões Sobre a Reforma Trabalhista”, realizado no Tribunal Regional do Trabalho do Paraná, em Curitiba.
O presidente da Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra), Guilherme Feliciano, por exemplo, apontou caminhos nos quais a legislação deverá ser interpretada nos tribunais. Segundo Feliciano, não há nada de “revolucionário” neste processo. “É algo absolutamente ordinário”, garantiu.
O primeiro destes caminhos é a interpretação sistemática. “Vamos começar a disputar sentido em todos os âmbitos, na academia, nos tribunais e na doutrina. Neste caso basta perceber que pelo contexto determinadas interpretações simplesmente não cabem. O segundo lugar é a interpretação conforme a Constituição. Não posso interpretar a Constituição Federal de acordo com as leis. Nada de novo ou revolucionário novamente”, explicou Feliciano.
A convencionalidade, segundo o magistrado, é um outro ponto que será analisado no decorrer dos próximos anos. Neste caso a interpretação passa pelas normas internacionais das quais o Brasil é signatário. “Especialmente, quando ratifica tratados e convenções internacionais, notadamente, da OIT”, relata. Neste caso, o entendimento recente do STF, por exemplo, trata que questões ligadas aos direitos humanos, são assimilados com supra-legalidade. Ou seja, podem ser absorvidos a partir de um procedimento próprio de Emenda Constitucional.
Exemplos de fora
O advogado e diretor do Instituto Declatra, Ricardo Mendonça, buscou contextualizar o cenário no qual as mudanças na legislação trabalhista estão envolvidas. “Com a crise de 2008, grandes economistas do mundo chegaram a falar que o neoliberalismo tinha chegado ao fim. Não foi o que se viu. Acho grande erro falar em crise do capital. Se tem alguém que não sofre crise alguma é o capital”, provocou.
Mendonça, doutorando em Direito na Espanha, citou dados de um relatório da OIT que analisou estatísticas relacionadas ao trabalho no mundo após 2008. Mais de 180 países, com diferentes nuances econômicas, foram analisados. A pesquisa mostrou que 27% dos trabalhadores, em 2015, estavam contratados pelo regime de contrato de trabalho por prazo indeterminado. Enquanto isso, outros 60% não tinham proteção contratual nenhuma. “Entre 2008 e 2014, segundo o estudo, 61 milhões de pessoas a mais do que o estimado engrossaram o exército industrial de reserva. Ou seja, 61 milhões de famílias a mais com subemprego, queda de renda ou ainda desemprego”, completou.
O Brasil, que passa a figurar na lista de países com reforma trabalhista que retira direitos, deverá piorar seu cenário. No comparativo que fez com a Espanha, onde viveu nos últimos meses, Mendonça alerta. “As mudanças ocorreram como proposta de estimulo à redução do desemprego, a mesma mentira que ouvimos aqui. Qual foi o resultado? Segundo a OIT a redução da proteção é contraproducente para políticas de trabalho a curto e longo prazos”, completou.
Na Espanha, em 2013, o índice de desemprego chegou a 27% da população economicamente ativa. Até 25 anos esse índice saltou de 18% para 55%. “Uma juventude superqualificada que tinha a promessa social-democrata que, ao termo de sua qualificação, teria pleno emprego. Isso derruba o mito da meritocracia, inclusive lá. Jovens extremamente qualificados trabalhando em caixas de redes de fast food”, exemplificou Mendonça.
Negociação e legislação
Especialista em direito coletivo do trabalho, o advogado Jose Eymard Loguercio criticou os termos nos quais a “contrarreforma” foi apresentada. “É uma discussão cínica falar que há muita proteção, quando temos é um déficit de proteção. Precisamos encontrar novos mecanismos para proteção dos novos fenômenos de trabalho”, afirmou, referindo-se às mudanças trazidas para o mundo do trabalho com o rápido avanços de novas tecnologias.
Loguercio também falou sobre o negociado sob o legislado, um dos pontos mais polêmicos da nova lei. Neste caso, o que for decidido pelos patrões e empregados passará a ter valor maior que a lei. “O sindicato chega com duas fragilidades na mesa de negociação. Há uma pauta regressiva do trabalhador que antes não poderia acontecer. Há uma clara tendência de pauta invertida. O empregador ·apresenta o que ele quer, desconstruído do ponto de vista do direito. Esse é o risco concreto”, afirmou.
Por outro lado, o advogado faz um questionamento interessante do ponto de vista, inclusive, da organização do próprio capital. “Se há uma empresa muito forte no seu setor e consegue fazer um acordo pior para seus trabalhadores do que a convenção dos seus concorrentes. Isso se chama dumping, a chamada concorrência desleal. Há uma interface para discutir negociação coletiva, inclusive, sobre o ponto de vista do direito de concorrência, relatou.
Segundo ele, o Uruguai, por exemplo, já enviou recados para o Brasil dizendo que avaliará a nova legislação sob esse ponto de vista. “A pior norma é a que vale. Se isso vira princípio, na prática, você está incentivando o dumping”, analisou.
Foto: Wikipedia