Crônica

GG – Por Luis Cosme Pinto

Conto a você como Gilberto Gil me ensinou a investir

Escrito em Opinião el
Luis Cosme Pinto é carioca de Vila Isabel e vive em São Paulo. Tem 60 anos de idade e 35 de jornalismo. As crônicas que assina nascem em botecos e esquinas onde perambula em busca de histórias do dia a dia.
GG – Por Luis Cosme Pinto
Frame de vídeo do YouTube/Reprodução

Era eu um entusiasmado repórter no fim do século XX. De repente, a animação e a curiosidade desapareciam. Ao saber que a pauta do dia era econômica, batia a insegurança e logo o suor me escorria em grossas gotas.

É verdade que quando o tema era mais popular, tipo comida na mesa, a gente se virava. Por exemplo,  como o “mofo-branco”, doença que arrasava as lavouras de feijão do interior paulista, já começava a prejudicar a merenda escolar no Vietnã.

A explicação era até fácil: na economia tudo se relaciona, o que o agricultor planta aqui alimenta os vietnamitas lá. Se a oferta cai no Brasil, o preço sobe na Ásia.

Mas quando a notícia vinha dos labirintos do mercado financeiro, era indecifrável. 

Bem penteados e impecáveis, os doutores esbanjavam seu economês: “a ação tal oscilou por da temperatura na Sibéria. O dólar se desvalorizou e o superávit comercial... A deflação se agravou como reflexo da recessão...

Eu não só não entendia, como desconfiava do pior: quem assistia no sofá de casa também não compreendia patavina.

Hoje, longe das redações, tento praticar a mais eficiente teoria econômica que alguém já inventou: “Gaste menos  do que ganha e vai sobrar dinheiro no fim do mês.”

Bem, quando sobra a gente investe. Pode ganhar ou pode perder. Eu descobri como ganhar.

Há alguns dias, apliquei duzentos reais. O resultado foi estupendo e o melhor: continua a render.

Olhe a pechincha: dois pagamentos de cem reais por um tesouro que nunca desvaloriza, a nossa MPB.

Pode ser que exista nesse mundão outra música tão boa quanto a nossa. Superior, jamais.

Músicos e músicas brasileiras estão entre os mais talentosos do planeta, e o melhor: perto da gente. Num Palco qualquer, dando um Realce, oferecendo um Xodó, mandando Aquele Abraço - do Punk da Periferia à Toda Menina Baiana. Ou ainda defendendo a Paz e Esperando na Janela.

É, meu investimento naquela noite estrelada foi no show de Gilberto Gil em São Paulo.

Para quem como eu sempre sofreu para entender a economia e os economistas, é importante diferenciar estes dois verbos: gastar e investir.

Quem compra um livro, vai ao cinema ou assiste a um show não gasta, investe. Nada é mais valioso para um país do que a Cultura Popular, feita por seus artistas e sua gente.

Nossos artistas nos revelam o lado mais iluminado da vida, nos chamam para dançar, nos fazem mais sensíveis, alegres e inteligentes.

Que deleite é ver e ouvir Gilberto Gil. Aos 82 anos, o músico refinado continua a ser o poeta de rimas e versos rebuscados que, ao mesmo tempo, são tão fáceis e gostosos de cantar.

E o público cantou até a última sílaba, do último bis. A multidão entendeu que tinha diante de si um Orixá forte e generoso.

Não se engane, naquele palco, cercado de jovens músicos, muitos da família Gil, estava um dos maiores artistas do mundo. Gil canta a história do Brasil e da África. Clássicos que ninguém esquece.

Tudo vira música: a natureza, a tecnologia, o amor, a injustiça social, a agricultura. Gil e sua banda primorosa nos presenteiam, seja com pop ou reggae, com forró ou samba.  

Na maior parte do tempo, Gil se apresenta de pé com seu violão. Depois de uma hora e quinze minutos, pede uma pausa e molha a garganta com um copo de água.

Gil me parece um homem livre de mágoas. Que torce pelo Fluminense e manda um abraço pra torcida do Flamengo. Que emociona um estádio lotado ao cantar a música que fez para a ex-mulher no momento da separação.

Faz quase um mês que vi Tempo Rei, que ainda viajará pelo país e voltará a São Paulo. Acredite, continuo a cantar as músicas. As do show e outras lindezas, como Pessoa Nefasta, Super Homem, Flora, Haiti que ficaram de fora e são excelentes companheiras na hora do banho, no momento de passar um café ou de andar por aí.

Faz um tempo que alguns usam a palavra gigante como elogio para homens e mulheres. “Tal ator é gigante”, “esta escritora é gigante”. Pois pra mim, Gilberto Gil é GG.

É também o mestre que me ensinou que investir na Cultura Brasileira é apostar em nosso maior patrimônio: a gente mesmo.

*Luis Cosme Pinto é autor de Birinaites, Catiripapos e Borogodó, semifinalista do prêmio  Jabuti 2024.

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.

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