A febre pet: eu detesto cachorros; e então, eu tenho este direito?
Eles frequentam lojas, restaurantes, shoppings; vêm se esfregar em você e o dono: “ele não faz nada”; então eu posso me esfregar nos outros também, desde que não faça nada?
De alguns anos pra cá a coisa virou uma febre. Uma febre pet! A profecia da canção “Rock da Cachorra”, do grande Eduardo Dussek, parece mesmo ter se realizado: “Troque seu cachorro por uma criança pobre”. A enormidade de hospitais veterinários, pet shops e, sobretudo, a permissividade com relação a animais domésticos assolou a nossa existência.
Os animaizinhos, que até outro dia eram proibidos pelas convenções de condomínios em apartamentos, agora podem frequentar até mesmo restaurantes. Mas eu já chego lá.
Há cerca de dez anos, lia estarrecido sobre a desocupação da comunidade do Pinheirinho, que jogou nas ruas da rica cidade de São José dos Campos, interior de São Paulo, algo entre seis e nove mil pessoas. Tudo isto para que se devolvesse o terreno à massa falida da Selecta SA, que tem como proprietário o megaespeculador financeiro Naji Nahas.
"Invasores"
Famílias abastadas da capital do Vale do Paraíba deram as costas ao problema. Moradores que ocupavam a área há décadas foram tratados por parte da elite da cidade como invasores e ponto final. “Que fossem morar onde conseguissem”, rosnavam entre dentes. Um fato, no entanto, causou verdadeira comoção entre os “cidadãos de bem”: os pets abandonados com a desocupação.
O resultado foi que uma verdadeira campanha de adoção dos animaizinhos comoveu a cidade. Voluntários, ONGs e vários outros projetos afins correram para salvar os pobres animaizinhos. O caro leitor deve estar se perguntando neste momento o que foi feito dos moradores, digamos assim, humanos, não? Pois é. Estes se viraram, de fato, como puderam, afinal eram “invasores”, não?
Ironias à parte, o fato mesmo é que os cães invadiram todos os quadrantes das nossas vidas. Desfilam em shoppings em carrinhos de bebês, bares, restaurantes, enfim, em todas as partes.
No restaurante
Dia desses, em uma pizzaria, um deles escapou da mesa ao lado e veio se esfregar nas minhas pernas. Por alguma razão de foro íntimo estritamente pessoal tenho uma aflição terrível de animais domésticos. Não gosto e pronto. E, sinceramente, já nem sei mais se tenho este direito.
No exato instante em que o animal se encostou, eu me encolhi e supliquei à dona que o afastasse de mim. Imediatamente ouvi a velha cantilena: “ele não faz nada”, disse ela, com cara de poucos amigos. “Mas eu mordo”, retruquei sem pensar. Brincadeiras à parte, neste tipo de situação sempre penso que, se querem dar – e ao que parece é isso mesmo – os mesmos direitos aos animais que aos humanos, a primeira coisa que se deve coibir é que eles se esfreguem em estranhos. Ou nós vamos passar a ter os mesmos direitos, desde que “não façamos nada”?
Uma questão de higiene
Há uma outra questão fundamental que também tem sido relevada, que é a da higiene. Animais, por andarem em contato direto com o chão, carregam germes e bactérias. Além disso, tem pelos, que podem provocar alergias em humanos.
No final das contas, resta apelar à velha máxima. O direito de uns acaba onde começa o dos outros. Em algum momento, enquanto dormíamos distraídos, decretaram que os animais eram “nossos filhinhos”, como muitos por aí chamam. E definitivamente não são. Filhos são filhos e cachorros, por Deus, são cachorros. Quem não entende a diferença precisa de um psiquiatra e não de um pet shop.
Um amigo, certa vez, passou pelo mesmo que eu. Um cachorro veio se encostar e foi repelido por ele. A tutora (que termo é esse que inventaram agora?) disse ao animalzinho, de um jeito tatibitate: “filhinho, deixa o tio em paz”. Ele reagiu na hora: “dona, eu não tenho sobrinho cachorro”, se levantou e foi embora.