Salvem Floripa! Uma bela cidade, mas... – Por Mouzar Benedito
O que estão fazendo com a belíssima Santa Catarina
Não! Não estou me referindo à política, que vai mal em Santa Catarina e sua capital – embora tenha lá gente que não se enquadre na fama direitista que seus moradores ganharam. Muita gente, embora não seja a maioria.
Sobre salvar Floripa, eu me refiro à beleza da ilha, suas praias que vão sendo detonadas pela especulação imobiliária (como em todo o Brasil, aliás), e também há gente resistindo. E torço para que essa resistência tenha sucesso.
Tem uma coisa que acho muito “interessante” nos capitalistas brasileiros e também estrangeiros que invadem o Brasil. “Interessante” entre aspas mesmo, porque é no mau sentido: de vez em quando “descobrem” uma praia lindíssima, zero poluição, mar limpo... propagandeiam a beleza e as qualidades do lugar, e anunciam um novo “empreendimento” ali, dizendo que é para pessoas privilegiadas, apreciadoras de um ambiente legal, bonito e despoluído. E o que vem é um conjunto habitacional, um hotel ou qualquer coisa que encha o lugar de gente, mas com um detalhe: vai acabar com a beleza e com as qualidades do local. Geralmente, despejam o esgoto no mar e o tornam impróprio para o banho. Doenças na certa. A especialidade deles é detonar tudo o que há de belo para ganhar mais e mais dinheiro. Deu dinheiro, é ético. Podem matar a mãe, podem matar o futuro dos filhos... Deu dinheiro? Maravilha!
Basta ver o litoral norte de São Paulo: praias antes belíssimas, tomadas de assalto por empreiteiras depois da abertura da rodovia Rio-Santos, e hoje é quase totalmente impossível encontrar nele uma praia não poluída, com mar que não seja “impróprio para banho”. Ah, sim... tem pobres morando ali também. Enquanto eram só pobres, comunidades de pescadores, não tinha tantos problemas. Os pobres foram empurrados para áreas de morros próximos, ruins para o meio ambiente também...
Isso sem contar que, muitas vezes, além do patrimônio natural, os especuladores destroem também o patrimônio cultural. Não dão o mínimo valor pra nada, o que interessa é juntar mais grana aos bilhões que já têm. Pra piorar, tem um monte de novos ricos ou de gente da classe média alta que gosta disso, compra ou frequenta os lugares que foram agradáveis e se tornaram bestas e ruins.
Ah... sempre vem à memória o Balneário Camboriú, de que já gostei e que se transformou no paraíso do mau gosto de ricos direitistas. Foi um lugar bonito e gostoso quando conheci e nem penso em ir lá de novo, porque aquele lugar com praia belíssima agora tem uns prédios enormes fazendo sombra nela e tentam espichar um pouco a faixa de areia de maneira artificial. E seus novos moradores adoram isso.
Falando nesse lugar detonado pela especulação imobiliária, volto não só a pensar em Floripa, mas em todo o estado de Santa Catarina, com um litoral dos mais belos do Brasil. Sempre brinquei: o Rio Grande do Sul não tem praias bonitas, são faixas de areia extensas, sem atrativos, até chegar em Torres, que é um lugar bonito... na divisa de Santa Catarina. Aí começam praias lindíssimas que continuam até o extremo norte, no município de São Francisco do Sul, divisa do Paraná. As praias em seguida já não são tão bonitas.
Eu ia muito a São Francisco do Sul, cidade histórica, onde os primeiros europeus a chegar foram franceses, em 1504. Era habitada por um povo de língua guarani, os Carijós, que também habitavam a ilha que depois se chamaria Santa Catarina. Binot Paulmier de Gonneville comandava a expedição francesa, que passou uns meses lá e voltou para a França levando o jovem Içá-Mirim, filho do cacique Arosca. Gonneville previa a chegada de muitos europeus e convenceu o cacique a treinar seu filho no uso das armas de fogo, para encarar os invasores.
Pouco mais de um ano depois, traria o rapaz de volta, habilitado para o uso da pólvora e para repassar seus conhecimentos ao seu povo. Mas a expedição não deu o lucro esperado e seu financiador não promoveu a volta de Gonneville. Angustiado por não cumprir sua palavra e trazer Içá-Mirim de volta, ele casou o jovem indígena com uma de suas filhas, e o casal teve 14 filhos. Isso me faz pensar numa coisa: franceses de narizes empinados, julgando-se puros-sangues, além de terem sangue de outros povos europeus podem ter também sangue Carijó. Imaginem: se no começo do século XVI Içá-Mirim teve 14 filhos, quantos descendentes dele haverá hoje? O crescimento é geométrico, calculo que centenas de milhares de franceses têm pelo menos uma gota de sangue Carijó.
Bom... São Francisco do Sul é uma cidade que eu gostava demais, e tinha lá um casal de amigos muito generosos que me hospedava. Além disso, foi lá que conheci uma bebida chamada Wacholder, feita de cachaça com zimbro, que passei a consumir regularmente. Pensei em morar lá, mas não deu.
Frequentei muito Florianópolis também. Gostava especialmente do entorno da Lagoa da Conceição, onde moravam (e acho que moram) muitas bruxas. Sim. Bruxas de verdade, não as falsas, caricatas, que imaginam voando montadas em vassouras.
Quando a Inquisição queimava na fogueira mulheres acusadas de bruxaria em muitos países da Europa, Portugal optou por outra punição: precisava colonizar lugares que “descobriu”, então mandava essas mulheres para os Açores. Lembro que a verdadeira causa da queima de bruxas se devia ao fato de serem mulheres sábias e que contestavam o poder dos reis e da Igreja.
Algumas gerações depois, parte dessas mulheres foi mandada por Portugal para a ilha de Santa Catarina, que antes era domínio espanhol e passou ao português. As bruxas açorianas passaram seus conhecimentos para suas herdeiras e muitas delas vieram para a atual Florianópolis, nome injusto para a cidade, dado em homenagem ao Marechal Floriano, depois de ele enforcar quase duzentos moradores que contestavam a Proclamação da República – um governador puxa-saco homenageou o algoz. Por isso muita gente prefere o apelido Floripa, que disfarça o nome do homenageado.
Essas mulheres se estabeleceram no entorno da lagoa, exercendo seus conhecimentos de fitoterapia e muitos outros. Elas gostam de ser bruxas, mas odeiam ser comparadas com as do Halloween gringo (não do original, dos povos celtas), caricaturas de bruxas. Um ano nos chamaram e comemoramos lá o 31 de outubro como Dia do Saci e das Bruxas, mas não as do Halloween.
Eu gostava de me sentar em algum bar ou restaurante à beira da lagoa e ficar apreciando aquela beleza, comendo peixe e bebendo cerveja. Pois me disseram que agora isso está um tanto prejudicado pela poluição das águas da lagoa.
Outro lugar de que gostava na ilha era Santo Antônio de Lisboa, povoado pouco ao norte do centro de Florianópolis, fundado em 1751, também recebendo açorianos, e tendo como padroeira Nossa Senhora das Necessidades (poderia ser minha protetora!). Até a última vez que fui lá, há muitos anos, era um lugar silencioso e bonito, uma rua com casas antigas e simpáticas de um lado e a praia do outro. A praia é voltada para o continente e tinha a fama de ter o pôr-do-sol mais bonito do Brasil.
Era gostoso ficar debaixo de uma figueira na praia, no silêncio quebrado só de hora em hora, quando passava um ônibus. Pois fiquei sabendo que os turistas descobriram Santo Antônio de Lisboa. Disseram pra mim que tem até muito trânsito. Vi uma foto do Carnaval de 2024 lá e a rua estava entupida de gente. “Normal”, era de se esperar.
Tudo que falei até agora para chegar onde queria... A detonação de belos lugares da ilha de Santa Catarina com “empreendimentos” burgueses horrorosos chegou a um lugar ali perto. Pouco depois desse povoado tem a Praia do Toló, pequenininha, bonita, onde tem um sambaqui. Talvez tenha gente que não saiba o que é isso, então explico. Sambaquis (amontoados de ostras, em tupi) são montes de conchas, terra, areia e vários objetos acumulados durante muitos anos por povos pré-históricos que habitavam o litoral brasileiro, e chegam a ter até mais de 40m de altura. Neles encontram-se urnas funerárias, colares, pontas de lança, esculturas, objetos de cerâmica e outras coisas acumuladas por eles. São sítios arqueológicos que fornecem informações sobre esses povos. Por isso são preservados, mas sempre tem gente cobiçando o espaço que ocupam e, se possível, acabam com eles para fazer mais um “empreendimento”.
A Praia do Toló e seu sambaqui correm o risco de se tornarem mais um local detonado da ilha de Santa Catarina, à revelia de pessoas que lutam para preservar a ilha.
Um “super hotel” de fundos de investimento dos capitalistas internacionais George Soros e Nicholas Pritzker está sendo construído no morro, derrubando a mata nativa e rasgando o solo, e a lama já chega à praia, atingindo também áreas de preservação do sambaqui. O hotel que está sendo construído ali, ironicamente, chama-se Vistas Sambaqui Transamérica. Nascentes também já sumiram. “É uma obra que nunca deveria ser autorizada”, dizem militantes do movimento SOS Sambaqui.
Fui convidado para ir a um protesto promovido pela Associação Bairro do Sambaqui, dia 12 próximo, às 15h30, na Praia do Toló, com o lema “Não à destruição da nossa praia”. Não dá pra ir, moro em São Paulo e tenho dificuldade para viajar hoje em dia. Mas a causa é boa.
Vai ter música ao vivo, o que é bom, porque podemos defender nossas causas com alegria. Por falar em música, a amiga Rosana Bond, grande defensora de Floripa e estudiosa do Caminho do Peabiru (trilha indígena que ligava o litoral Sul do Brasil aos Andes), me mandou uma “trilha sonora para os bandidos que vieram lá de fora assaltar nosso Sambaqui”. É a música “Money”, do Pink Floyd. Aí vai um trecho da letra traduzida:
Dinheiro, fuja
Arrume um emprego
com um salário melhor
Que você ficará bem.
Dinheiro, é incrível,
Agarre essa grana com as duas mãos
E faça um esconderijo.
Carro novo, caviar,
Sonhar acordado com coisas caras.
Acho que comprarei
Um time de futebol para mim.
Dinheiro, pegue de volta
Eu estou bem, cara,
Tire as suas mãos da minha pilha de dinheiro.
Dinheiro, é um golpe
Ah, não venha com essa bobagem.
De dizer que dinheiro não compra felicidade (...)
Dinheiro, assim eles dizem,
É a raiz de todo o mal hoje em dia.
Mas se você pedir um aumento
Não é surpresa que eles
Não te darão, não te darão, não te darão (...)
Eu com certeza tinha razão!
Sim, eu estava completamente certo.
Esse velhote que estava procurando encrenca
É!...
Por que ninguém faz nada?
*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum.