TRONO DE PEDRO

E se o Conclave de 2025 fosse um filme?

A morte do Papa Francisco colocou em movimento o rito de escolha de seu sucessor que é digno de uma trama de Hollywood

Registro do Conclave 2013, que elegeu o Papa Francisco
E se o Conclave de 2025 fosse um filme?.Registro do Conclave 2013, que elegeu o Papa FranciscoCréditos: Vaticano News
Escrito en OPINIÃO el

Imagine uma produção com ares de thriller político: diálogos sussurrados em corredores de mármore, fumaça subindo em suspense, alianças seladas entre vinhos italianos e pressões externas ecoando nas paredes da Capela Sistina. Agora pare de imaginar — esse filme está em cartaz em Roma. O nome? Conclave 2025.

A morte do Papa Francisco, em 21 de abril, não foi apenas o encerramento de um papado. Foi o estopim de uma disputa global por um dos cargos mais simbólicos do planeta. A Igreja está diante de uma encruzilhada histórica: seguir a linha pastoral, social e ecológica traçada por Francisco ou ceder à pressão por um retorno à ortodoxia doutrinária e litúrgica.

Cena 1: O encontro com JD Vance

Horas antes de sua morte, Francisco recebeu JD Vance, vice-presidente dos Estados Unidos, convertido ao catolicismo em 2019 e que representa forças que há anos desafiam a visão de mundo promovida pelo Papa.

O gesto, aparentemente pastoral, foi lido como um último movimento diplomático em um tabuleiro tenso. A audiência privada ocorreu na Casa Santa Marta. Vance recebeu do pontífice terços, ovos de chocolate para os filhos e uma gravata com o brasão do Vaticano.

O encontro aconteceu apesar das fortes divergências entre ambos. Francisco criticou publicamente as políticas migratórias da administração Trump, classificando as deportações em massa como “uma crise grave que fere a dignidade humana”. 

Em carta recente aos bispos dos EUA, o papa também contestou o uso do conceito teológico medieval ordo amoris por parte de Vance, que defendia uma hierarquia de compaixão centrada na comunidade nacional. “O verdadeiro ordo amoris é o do Bom Samaritano, que constrói fraternidade com todos, sem exceção”, afirmou Francisco.

Após a morte do papa, Vance foi um dos primeiros líderes a prestar homenagem. Em mensagem nas redes sociais, disse estar com o coração “junto aos milhões de cristãos que o amavam” e destacou a beleza da homilia de Francisco nos primeiros dias da pandemia de Covid-19.

O gesto não passou despercebido. Internamente, acendeu o alerta sobre possíveis tentativas de interferência política no conclave. O nome do cardeal Raymond Burke — conservador estadunidense afastado por Francisco de cargos de influência no Vaticano — voltou a circular em círculos trumpistas como possível “papa de retomada”. 

Outro sinal foi a nomeação de Brian Burch, presidente da organização ultraconservadora CatholicVote, como embaixador dos EUA junto à Santa Sé, interpretada como um desafio aberto à linha reformista do papa falecido.

Embora o conclave seja conduzido com rigorosos protocolos de sigilo, a história mostra que forças externas já influenciaram escolhas papais. Em 1903, o imperador Francisco José da Áustria vetou a candidatura do cardeal Mariano Rampolla, então secretário de Estado do Vaticano, resultando na eleição de Pio X. Desde então, o direito de veto formal foi abolido, mas formas sutis de pressão política continuam sendo uma realidade.

Cena 2: Um mundo em disputa — e o papel da China

Esse conclave ocorre em um mundo fraturado. O neoliberalismo dá sinais de exaustão, os conflitos se intensificam — da Ucrânia ao Oriente Médio — e uma nova Guerra Fria toma forma, desta vez entre os EUA e a China. 

A guerra comercial entre as duas superpotências ganhou novas camadas em 2025, com tarifaços, sanções tecnológicas, embargos a semicondutores e restrições cruzadas ao investimento estrangeiro. Em meio a essa tensão, a diplomacia vaticana tem aprofundado discretamente o diálogo com Pequim.

Desde 2018, o Vaticano mantém um acordo provisório com a China sobre a nomeação de bispos — renovado em 2022 e 2024 — numa tentativa de reconciliação histórica. Francisco sempre defendeu a necessidade de manter “pontes abertas com todos os povos”, mesmo sob críticas de setores mais rígidos da Igreja. 

Essa aproximação pode pesar no Conclave, especialmente com a possibilidade de um pontífice asiático, sensível ao diálogo Oriente-Ocidente, assumir o trono de Pedro.

Cena 3: O favorito de Francisco

Entre os nomes mais cotados, um se destaca como favorito do falecido pontífice e, coincidência ou não, com raízes chinesas. O cardeal Luis Antonio Tagle, das Filipinas. Filho de pai filipino e mãe filha de um imigrante da China, é símbolo de uma Igreja global, misturada e missionária. Próximo de Francisco, defensor da sinodalidade, da inclusão e do diálogo inter-religioso, ele representa o sonho de continuidade do papa jesuíta.

Ex-arcebispo de Manila e atual prefeito da Congregação para a Evangelização dos Povos, Tagle tem perfil pastoral e carismático, com forte apelo no Sul Global. Sua eleição seria também uma mensagem geopolítica: de que o centro da cristandade está se deslocando para além da Europa, e que a Ásia — especialmente no contexto da tensão com os EUA — pode ganhar protagonismo espiritual.

Cena 4: Outros papáveis

Enquanto o cardeal Kevin Farrell comanda a transição como camerlengo — com sua moderação institucional e fidelidade ao legado sinodal — os grandes blocos se movem. Além de Tagle, há outros papáveis.

Cardeal Pietro Parolin (Itália) - Secretário de Estado do Vaticano, é um diplomata experiente e visto como um moderado capaz de unir diferentes alas da Igreja.

Cardeal Matteo Zuppi (Itália) - Arcebispo de Bolonha e presidente da Conferência Episcopal Italiana, é reconhecido por seu trabalho pastoral e envolvimento em iniciativas de paz, Zuppi é respeitado por diversas correntes dentro da Igreja.

Cardeal Fridolin Ambongo (República Democrática do Congo) - Arcebispo de Kinshasa, é uma figura influente na África, defensor da justiça social e ambiental, alinhando-se com as preocupações do Papa Francisco.

Cardeal Robert Francis Prevost (EUA) - Prefeito do Dicastério para os Bispos com experiência missionária no Peru, é visto como um possível conciliador entre diferentes visões dentro da Igreja.

Cardeal Jean-Marc Aveline (França) - Arcebispo de Marselha, engajado no diálogo inter-religioso, especialmente com o Islã, representa uma abordagem pastoral e aberta ao mundo contemporâneo.

Cardeal Mario Grech (Malta) - Secretário-Geral do Sínodo dos Bispos, forte defensor da sinodalidade, é alinhado com as reformas promovidas por Francisco.

Cardeal Peter Turkson (Gana) - Ex-prefeito do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral, considerado um dos cardeais mais influentes da África, é frequentemente mencionado como possível primeiro papa negro da Igreja.

Cardeal José Tolentino de Mendonça (Portugal) - Prefeito do Dicastério para a Cultura e a Educação, intelectual respeitado, é conhecido por seu trabalho teológico e poético, representando uma visão culturalmente engajada da fé.

Cardeal Leonardo Steiner (Brasil) - Arcebispo de Manaus, ativo nas questões ambientais e sociais da Amazônia, é visto como representante das preocupações ecológicas da Igreja.

Cenário e contexto

O roteiro do Conclave 2025 está imerso em um cenário político. Atualmente, a Igreja Católica apresenta uma diversidade de correntes internas que refletem diferentes interpretações da fé e da missão eclesial no mundo contemporâneo. Essas correntes, embora não formalmente organizadas como partidos, influenciam significativamente o direcionamento pastoral e doutrinário da Igreja. 

1. Ala Conservadora

Defensora da tradição doutrinária e litúrgica, esta ala enfatiza a manutenção da ortodoxia e da disciplina eclesial. Seus membros valorizam práticas como a Missa Tridentina (celebrada em latim com o padre voltado para o altar, de costas para os fiéis) e expressam reservas quanto às mudanças promovidas pelo Concílio Vaticano II. São críticos de iniciativas que consideram influências externas, como a "ideologia de gênero" e o relativismo moral. Entre seus representantes estão o cardeal Raymond Burke (EUA) e o cardeal Gerhard Müller (Alemanha). 

2. Ala Progressista

Alinhada com o espírito reformista do Papa Francisco, esta vertente promove uma "Igreja em saída", focada no acolhimento, diálogo e justiça social. Defende a inclusão de grupos marginalizados, como fiéis LGBTQIA+, e propõe uma abordagem pastoral sensível às realidades contemporâneas. Cardeais como Leonardo Steiner (Brasil), Blase Cupich (EUA) e Jean-Claude Hollerich (Luxemburgo) são figuras proeminentes dessa corrente. 

3. Ala Moderada/Institucional

Buscando equilíbrio entre tradição e inovação, esta ala valoriza a unidade e a estabilidade institucional da Igreja. Seus membros atuam como mediadores entre as correntes polarizadas, enfatizando a diplomacia e a continuidade. O cardeal Pietro Parolin, secretário de Estado do Vaticano, e o cardeal Matteo Zuppi, presidente da Conferência Episcopal Italiana, são exemplos dessa postura. 

4. Ala Sinodal

Fortalecida sob o pontificado de Francisco, esta vertente promove uma Igreja mais participativa e descentralizada, enfatizando a escuta do povo de Deus. Inspirada por eventos como o Sínodo da Amazônia e o Sínodo sobre a Sinodalidade, defende o protagonismo de leigos e mulheres nas decisões eclesiais. Cardeais como Jean-Claude Hollerich e Leonardo Steiner são articuladores dessa visão. 

Essas correntes coexistem e, por vezes, entram em tensão, refletindo a complexidade e a vitalidade da Igreja Católica em seu esforço contínuo de dialogar com o mundo e permanecer fiel à sua missão.

Conclaves nas telas

Hollywood explorou em diversos momentos o fascínio e o mistério dos conclaves papais, dramatizando o processo de escolha do novo papa como enredo central ou pano de fundo para tramas políticas, religiosas e até conspiratórias. 

Em Conclave (2024), com direção de Edward Berger e baseado no livro de Robert Harris, após a morte repentina do papa, o Colégio de Cardeais se reúne em um conclave secreto no Vaticano. O cardeal Thomas Lawrence (Ralph Fiennes), camerlengo, precisa conduzir o processo eleitoral enquanto descobre segredos e jogos de poder que ameaçam abalar os alicerces da Igreja.

O longa retrata as quatro grandes vertentes da Igreja — conservadora, progressista, institucional e sinodal — com personagens inspirados em líderes reais. Tensão moral, intriga geopolítica e bastidores vaticanos são explorados com sofisticação. Foi indicado ao Oscar 2025 em oito categorias, incluindo Melhor Filme e venceu na categoria de Melhor Roteiro Adaptado, escrito por Peter Straughan.

Já em Dois Papas (The Two Popes, 2019), com direção do brasileiro Fernando Meirelles, roteiro de Anthony McCarten e com Anthony Hopkins (Papa Bento XVI) e Jonathan Pryce (Cardeal Jorge Mario Bergoglio), é baseado em fatos reais. O longa mostra os diálogos entre o conservador Papa Bento XVI e o progressista cardeal Bergoglio antes da renúncia histórica de Bento e a eleição de Francisco em 2013. Embora o conclave apareça brevemente, o filme retrata o conflito entre tradição e mudança no coração da Igreja e antecipa a escolha de um papa reformista.

O blockbuster Anjos e Demônios (Angels & Demons, 2009), com direção de Ron Howard, baseado no livro de Dan Brown, tem Tom Hanks e Ewan McGregor no elenco, em meio a um conclave papal após a morte do papa, uma ameaça terrorista ligada à sociedade secreta Illuminati é descoberta. O professor Robert Langdon tenta evitar um ataque catastrófico. Suspense conspiratório ambientado no Vaticano. O conclave é pano de fundo para uma trama acelerada e fantasiosa que mistura religião, ciência e segredos históricos.

O longa Habemus Papam (Temos um Papa, 2011), com direção de Nanni Moretti e atuação de Michel Piccoli, que após ser eleito novo papa entra em crise existencial e se recusa a assumir o cargo. Um psicanalista é chamado secretamente para ajudá-lo. Aborda o conclave com leveza e humanidade, destacando o peso da responsabilidade papal e as fragilidades pessoais diante do cargo.

O Dilema das Verdades (The Shoes of the Fisherman, 1968), com direção de Michael Anderson e com Anthony Quinn, um cardeal ucraniano, ex-prisioneiro político, é eleito papa durante a Guerra Fria e precisa enfrentar a ameaça de uma guerra nuclear entre China e URSS. Um dos primeiros filmes hollywoodianos a dramatizar um conclave de forma realista e geopolítica, antecipando dilemas éticos e diplomáticos vividos por futuros pontífices.

Esses filmes mostram como o conclave papal se tornou um símbolo cinematográfico de tensão, fé, poder e escolhas morais, refletindo os dilemas da própria Igreja e do mundo ao seu redor.

Para o nosso epílogo da vida real, à medida que o Colégio de Cardeais se reúne em Roma, com suas diferenças teológicas, interesses políticos e heranças culturais, o Conclave de 2025 revela-se mais do que uma escolha espiritual. É um reflexo das tensões de um mundo em transformação — entre globalização e identidades, entre tradição e escuta, entre Roma, Washington e Pequim.

O que está em jogo não é apenas quem ocupará o trono de Pedro, mas que tipo de Igreja responderá às urgências do século XXI. E se os filmes nos ensinam algo, é que o verdadeiro protagonista pode ser aquele que escuta mais do que fala — e que inspira pelo gesto, mais do que pelo cargo.

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