A decisão da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), em 26 de março de 2025, de tornar Jair Bolsonaro e outros sete aliados réus pelos crimes de tentativa de golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, organização criminosa, entre outros, representa um ponto de inflexão na história republicana brasileira. Por unanimidade, o STF acolheu a denúncia formulada pela Procuradoria-Geral da República, após vasta produção de provas no âmbito das investigações realizadas pela Polícia Federal, no inquérito que apura os ataques institucionais contra as eleições e a tentativa de ruptura constitucional. É um momento grave, delicado e, ao mesmo tempo, absolutamente necessário.
Jair Bolsonaro, enquanto presidente da República, tinha o dever de zelar pela Constituição. Em vez disso, segundo a denúncia aceita, ele orquestrou, ao lado de aliados civis e militares, um plano para desacreditar as eleições, instigar a desobediência institucional e preparar juridicamente e militarmente uma ruptura institucional. As provas colhidas vão desde mensagens, reuniões com teor golpista, rascunhos de decretos de Estado de Sítio, articulações com integrantes das Forças Armadas e uma série de discursos públicos que, combinados, compõem um plano de ação.
A responsabilização penal, nesse caso, não representa perseguição política, como alguns tentam fazer crer. Ao contrário: trata-se do exercício legítimo do Estado de Direito, que prevê a responsabilização de qualquer cidadão que tente subverter a ordem constitucional, inclusive e principalmente aquele que ocupou o mais alto cargo da República. Nenhuma democracia verdadeira se sustenta sem a efetividade do princípio da responsabilidade dos agentes públicos.
A aceitação da denúncia pela Primeira Turma do STF marca uma virada institucional importante. Após os atentados de 8 de janeiro de 2023, quando vândalos depredaram as sedes dos Três Poderes em Brasília, tornou-se evidente que o Brasil vivia não apenas uma crise política, mas uma tentativa real de ruptura democrática, com raízes profundas, nutridas por discursos antidemocráticos e uma visão distorcida de “salvacionismo” político.
A reação das instituições, especialmente do Supremo, passou a ser observada com atenção não apenas por juristas e políticos, mas por toda a sociedade civil organizada, imprensa, organismos internacionais e, sobretudo, pela história. Com esta decisão, o STF demonstra que não se curva diante da pressão de setores radicalizados, reafirma a autoridade da Constituição Federal de 1988 e atua com coragem cívica ao preservar as regras do jogo democrático. Trata-se de um gesto essencial para a reconstrução da confiança nas instituições, duramente abalada por anos de tensionamento institucional promovido pelo próprio Executivo Federal à época.
Percebemos, portanto, um consenso crescente entre os operadores do Direito de que o processo em curso não enfraquece a democracia, mas a fortalece.
Caso as provas se mantenham robustas durante a instrução criminal, e venha a ocorrer a condenação, as penas somadas podem chegar a até 43 anos de prisão, segundo estimativas baseadas no Código Penal. Mais do que a pena em si, o julgamento será simbólico: a Justiça estará dizendo ao país que não se tolera a tentativa de abolir a democracia por vias tortas ou violentas.
É um alerta definitivo a qualquer outro político, militar ou civil que, no futuro, cogite trair os fundamentos republicanos. Nenhuma democracia madura sobrevive sem consequências jurídicas aos seus traidores. O processo seguirá seu rito com todas as garantias constitucionais — ampla defesa, contraditório, direito de recurso. Mas o simples fato de haver essa responsabilização já reequilibra o sistema.
Não devemos temer o confronto com a verdade. O Brasil não está criminalizando posições ideológicas ou perseguições políticas. Está apenas, com atraso histórico, exercendo o que toda República constitucional precisa fazer: responsabilizar aqueles que atentam contra seu pacto fundante. A democracia brasileira, ao longo de sua história, conviveu com ditaduras, interrupções, golpes, e promessas frustradas. Mas hoje, ao ver suas instituições reagirem com vigor e legalidade contra a ameaça de ruptura, ela sinaliza que amadureceu.
Não se trata de celebrar a queda de um ex-presidente. Trata-se de afirmar que, no Brasil, nenhum poder está acima da Constituição — nem mesmo aquele que já ocupou o Planalto. E essa é, afinal, a melhor lição que podemos deixar às futuras gerações.