Retomando nossa avaliação sobre as Recomendações inscritas no Documento da ONU que trata sobre os desafios globais para lidar com o fenômeno mundial do chamado apagão docente, o artigo dessa semana vai tratar sobre a importância do trabalho decente nas profissões da educação. Aqui, especialmente, trataremos das dimensões do trabalho decente no magistério, sem nunca esquecer a importância que todos devemos dar àquelas profissões chamadas de profissão de apoio: os profissionais da educação que, também educadores, devem ter sempre o seu exercício profissional valorizado.
Trabalho decente é um conceito introduzido pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e se refere a empregos que são seguros, justos, dignos e oferecem condições adequadas de trabalho. Na educação, sabemos bem o que isso significa e do porquê isso ser e representar uma bandeira histórica dos trabalhadores em educação: a valorização profissional, agenda e pauta de luta do movimento sindical de educadores, representa para nós, da CNTE, carreira, formação e salário dignos. Ainda hoje essa é uma pauta central de nossas lutas e mobilizações. Esse é o nosso trabalho decente.
Em muitos lugares aqui no Brasil ainda sequer conseguimos que as gestões municipais honrem com o cumprimento de uma lei federal, como é a que indica o pagamento de um piso salarial nacional para os trabalhadores do magistério no Brasil. Todo ano é uma luta para conseguirmos isso, que é o mínimo. E ainda acontece de muitos municípios pagarem o piso, mas desvinculando-o da carreira, sem fazer a necessária repercussão em todos os steps da progressão de sua estrutura. Formação inicial e continuada adequadas, então, é outro enorme desafio pelo qual nossos profissionais do magistério ainda têm de superar.
O documento da ONU fala sobre a necessidade de termos empregos seguros aos profissionais do magistério, garantindo que aos sindicatos que representam os trabalhadores da educação sejam asseguradas as condições para empreender as ações e negociações coletivas. O desafio no Brasil para essa Recomendação da ONU é que ainda não tivemos a regulamentação da negociação coletiva no serviço público, demanda antiga do movimento sindical brasileiro. Desde a ratificação pelo Brasil da Convenção nº 151 da OIT, feita em 2010, ainda no primeiro governo do Presidente Lula, está pendente pelo Congresso Nacional uma lei ordinária para regulamentar o indicado naquela Convenção Internacional, que trata justamente da regulamentação da negociação coletiva para os trabalhadores do serviço público de nosso país.
Outra Recomendação desse Documento da ONU é o pagamento de salários dignos aos profissionais do magistério, equiparando a remuneração paga a homens e mulheres. Como no Brasil o ingresso nas carreiras do magistério é realizado via a realização de concursos públicos, essa demanda no Brasil, de equiparação salarial entre homens e mulheres, é desafio superado. A grande questão continua sendo o cumprimento efetivo, por parte das redes de ensino estaduais e municipais, do pagamento do valor do piso salarial nacional estipulado pela Lei 11.738/2008. E pago de modo a repercutir em toda carreira. Até hoje, por exemplo, no final desse mês de fevereiro de 2025, ainda temos municípios que não pagaram o percentual do valor do reajuste do piso indicado na Lei.
Uma outra Recomendação inscrita nesse eixo do Documento da ONU se refere às condições de trabalho: elas devem garantir estabilidade, assegurar segurança ao trabalhador e serem, sobretudo, ambientes saudáveis para se trabalhar. O Documento diz ser fundamental equilibrar as cargas de trabalho, de modo que o trabalhador do magistério tenha tempo livre para estudos e preparação das suas aulas. No Brasil, a Lei do Piso estabelece que os professores devem dedicar dois terços de sua carga horária para interação com os estudantes e, o outro terço, para atividades como planejamento de aulas e formação continuada. Um grande avanço dessa importante legislação, conquistada também no primeiro mandato do Presidente Lula, em 2008. Na mesma direção, o Documento aponta para a necessidade de se estabelecer uma quantidade razoável de estudantes por turma, de modo a não sobrecarregar o trabalhador em sala de aula e garantir qualidade no processo de ensino-aprendizagem. Por fim, uma carreira que garanta a conciliação entre a vida familiar e laboral do trabalhador é outro importante apontamento do Documento.
O Documento da ONU aponta também para a necessidade de se garantir e promover a saúde mental dos docentes. Essa é uma questão das mais importantes, já que vivemos no Brasil uma verdadeira epidemia de adoecimento mental de nossa categoria. Trata-se de uma das maiores doenças de trabalho que acomete os professores e as professoras do nosso país. Por fim, e não menos importante, o Documento da ONU indica fortalecer as carreiras de apoio educacional, de modo que os docentes tenham mais tempo para a própria atividade de ensinar, de fazer a educação no chão da escola, que é a nossa sala de aula. Esse talvez seja um dos poucos pontos nesse Documento, que trata sobre os desafios para superar a falta de professores no mundo, que trata sobre os profissionais da educação que não os do magistério.
Como vimos, tratam-se de recomendações vitais para fomentar a humanidade da atividade de ensinar através da construção de condições reais de trabalho decente. Isso, como bem sabemos, exige de todos nós uma postura de vigilância permanente e também de organização dos nossos sindicatos. A luta é grande porque os desafios são maiores ainda. Que não nos distraiamos dessa nossa importante tarefa.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.