Enquanto a advogada, empresária e influenciadora digital Deolane Bezerra vestia jaqueta e calça Prada, estimadas em R$ 30 mil, para ser "enjaulada" – como ela mesmo definiu – pela polícia de Pernambuco, os bolsonaristas Gusttavo Lima e Kássio Nunes Marques trocavam afagos e conversas em um iate avaliado em R$ 1 bilhão alugado pelo sertanejo para celebrar seus 35 anos de idade na costa da Ilha de Mykonos, na Grécia.
LEIA TAMBÉM:
Gusttavo Lima, embaixador da VaideBet e o lado oculto na prisão de Deolane
Que babado, meritíssimo! Ministro do STF em iate de R$ 1 bi de Gusttavo Lima na Grécia
Te podría interesar
Alçado ao Supremo Tribunal Federal (STF) por Jair Bolsonaro (PL), o ministro pegou uma carona inusitada até a paradisíaca ilha europeia.
Te podría interesar
Nunes Marques viajou no jatinho do conterrâneo piauiense Fernando Oliveira Lima, conhecido como "Fernandin OIG", primeiro empresário de Whindersson Nunes e, assim como Deolane, um desses fenômenos que fizeram fortuna no universo das redes sociais e de seus influenciadores e, mais recentemente, nas plataformas de apostas on-line.
Amigo há 10 anos do ministro, Fernandin OIG é suspeito de ser dono do "Fortune Tiger", o chamado "Jogo do Tigrinho", que virou febre no Brasil.
O jogo tornou-se uma peça central nos planos de monetização de influenciadores nas redes sociais juntamente com as chamadas "bets" e virou alvo da da Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação e Informática do Senado, que convocou Fernandin OIG para uma audiência pública sobre o impacto na sociedade dos cassinos on-line do tipo caça-níquel.
No iate alugado por Gusttavo Lima estava outro desses fenômenos: José André da Rocha Neto, dono da Vai de Bet, uma das empresas investigadas na megaoperação da polícia pernambucana que cumpriu mandados de prisão de Deolane e de outros 18 membros do suposto grupo criminoso. Entre carros e objetos de luxo, a polícia apreendeu ainda um jatinho Cessna modelo Citation XLS, avaliado cerca de R$ 33 milhões, de propriedade da Balada, empresa do sertanejo.
A Vai de Bet faz parte do grupo Betpix N.V., registrado no paraíso fiscal de Curaçao e que coleciona outras marcas de apostas on-line, como Betpix365, Betpix, Obabet e Pix365.
A presença no iate bilionário se deu, justamente, porque Gusttavo Lima é o "embaixador" e garoto-propaganda da Vai de Bet, que foi lançada em setembro de 2022, aproveitando uma lacuna legal que, até recentemente, impedia a operação de casas de apostas em território brasileiro.
Em junho, o sertanejo símbolo do bolsonarismo rodou a roleta, sorteou prêmios e comandou a jogatina da Vai de Bet na festa de São João em Campina Grande (PB), sinalizando que pode ser bem mais que "embaixador" da plataforma, como desconfia a polícia.
'A Epidemia das Bets'
A chegada das plataformas de apostas transformou a internet brasileira em um grande cassino, onde vale tudo: de contratar boleiros famosos - como Neymar Jr. - e influenciadores a promover posts para invadir redes sociais e incitar novos clientes.
O esquema investigado em várias esferas está se tornando um caso de saúde financeira pública e foi retratado no recente estudo 'A Epidemia das Bets', realizado pelo Instituto Locomotiva, que revelou dados estarrecedores.
Nos primeiros sete meses de 2024, 25 milhões de brasileiros e brasileiras começaram a apostar nas bets com uma taxa de adesão média de 3,5 milhões de novos apostadores por mês.
No total, 52 milhões aderiram às apostas on-line nos últimos cinco anos, sendo que 48% deles começaram a se viciar nas plataformas nos últimos meses.
Os lances, que vão dos jogos de futebol às eleições municipais, estão corroendo os ganhos dos brasileiros, especialmente das classes mais baixas, que já comprometem até mesmo as despesas com alimentação. Segundo o estudo 86% dos apostadores possuem dívidas e 64% estão negativados.
A maior motivação para apostar continua sendo a esperança de ganhar dinheiro, espelhando-se sobretudo nos influenciadores e empresários do setor, que ostentam carrões, iates, aviões e uma vida de luxo nas redes sociais.
A vida no Instagram, no entanto, não passa de mais uma fake News e, muitas vezes, os ganhos milionários vêm do mundo do crime cibernético, e não dos prêmios pagos pelas plataformas.
Musk, Novo, Nunes Marques e a "liberdade de expressão"
No entanto, o mundo das apostas e cassinos on-line cada dia mais se funde com interesses políticos. O resultado mais prático pode ser visto atualmente nas eleições para a Prefeitura de São Paulo.
Pablo Marçal (PRTB) é dono de um grupo na plataforma Discord, onde "premia" jovens e doutrinados – quase sempre desocupados, mas que cobiçam ganhos para uma vida à la Instagram – que mais propagarem seus conteúdos.
Ao entrar na disputa eleitoral, o ex-coach usou da influência sobre milhares de doutrinados para impulsionar seu discurso de ódio e mentiras. O resultado pode ser visto nas pesquisas recentes, que o colocam em situação de empate técnico com Guilherme Boulos (PSOL) e Ricardo Nunes (MDB).
A simbiose entre a ultradireita neofascista e o universo das redes e influenciadores também permeia a batalha entre o bilionário Elon Musk e Alexandre de Moraes, do STF.
O ministro derrubou a rede X, que pertence ao bilionário, após uma sequência de afrontas à Justiça que tinham como objetivo propagar a narrativa fake da ultradireita bolsonarista desde as eleições de 2022.
A decisão de Moraes colocou os representantes do fascismo neoliberal em polvorosa e coube ao Partido Novo sair em defesa do bilionário. A sigla entrou junto à Corte com uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) para suspender o bloqueio da rede.
Sorteada, a ação do Novo foi parar justamente nas mãos de Nunes Marques.
Entre a festança no iate bilionário alugado por Gusttavo Lima e a carona no jatinho de Fernandin OIG, o ministro tomou as primeiras decisões no processo.
Em sintonia com o Novo, levantou suspeitas sobre a decisão de Moraes e da Primeira Turma do STF, que embasou a sentença monocrática do ministro, e decidiu levar o caso ao Plenário do Supremo.
Pegando carona no despacho de Nunes Marques, o Novo entrou com nova petição nesta sexta-feira (6), solicitando a sustentação oral do caso, a fim de tornar o Plenário do STF o grande tabuleiro da batalha entre a cúpula do Judiciário brasileiro e o bilionário dono do X.
Caberá a Nunes Marques acatar o pedido dos porta-vozes de Musk no mundo político brasileiro, em mais uma jogada ensaiada que nada tem a ver com a "liberdade de expressão".
Ao embarcar no iate bilionário para celebrar os 35 anos de Gusttavo Lima, o ministro bolsonarista do STF sinaliza que quer pegar carona no universo que faz da internet e das redes sociais um grande cassino onde a democracia e a soberania não têm qualquer valor.
Quem vai ganhar esse jogo? Façam as suas apostas.