OPINIÃO

A política sem horizontes: nas ruas de um Porto não muito Alegre – Por Fábio Dal Molin

Não, eu não sei mais o que fazer a não ser pegar minha bandeira e perder o medo

Lixo se acumula nas ruas de Porto Alegre.Créditos: Fábio Dal Molin
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Os resultados das últimas duas pesquisas eleitorais para a prefeitura de Porto Alegre colocam Sebastião Melo com amplo favoritismo na Quaest de agosto apresenta 36 por cento para Melo e 31 para Maria do Rosário e na Real Time Big Data a diferença se amplia : 40 % para o atual prefeito e 32 para a candidata do PT.

Nasci e vivi em Porto Alegre por todos meus 49 anos, e, entre os anos de 1989 e 2005 a cidade viveu sob a gestão do Partido dos Trabalhadores, que representou uma sequência de gestões que onde o poder público municipal investiu em gestão ambiental, transporte público, educação (com a criação de 118 escolas municipais, quase toda rede atual) participação popular no orçamento (que virou exemplo para o mundo) e implementação das políticas de saúde e assistência social. Porto Alegre era considerada uma das cidades mais arborizadas e limpas do país e tornou-se sede durante muitos anos de um dos maiores eventos mundiais de debates políticos  o “Fórum Social Mundial”, chegando a receber mais de 100. Participantes no auge das edições.

Pois na primeira metade da década de 2000 o PT experimentou uma certa turbulência interna ocasionada pela dança das cadeiras de seus quadros na gestão Lula e com a decisão estrategicamente equivocada de Tarso Genro em abandonar a prefeitura para concorrer ao governo do Estado. Eu sei disso porque na época eu estava realizando trabalhos etnográficos junto a movimentos sociais no Bairro Restinga e pude sentir as incertezas e claudicâncias e disputas de poder sob a liderança do obscuro e pouco carismático João Verle. Em nível nacional, mesmo na decolagem do emblemático governo Lula 1, muitos quadros históricos petistas passaram a desertar ou tornar-se céticos tendo em vista as alianças pela governabilidade e a iminência do chamado “mensalão”.

Junto a tudo isso uma aliança começava a se formar entre os partidos de oposição e os empresários das áreas de transporte, construção civil e comunicação sob a insígnia de “alternância no poder” ou mesmo “chega de PT”. As duas gestões de José Fogaça (PMDB, PPS, MDB), José Fortunatti (PDT com Sebastião Melo como vice), Nelson Marchezan (MBL-PSDB) e Sebastião Melo (MDB) consolidaram um amplo bloqueio político-ideológico, uma verdadeira máquina de privatização, sucateamento dos serviços públicos e afrouxamento de qualquer controle ambiental ou fiscalização de comércios ou serviços na cidade.

Porto Alegre hoje conta com quase um terço da educação infantil nas mãos de empresas conveniadas, não possui mais transporte público (a empresa Carris, que nos governos petistas era considerada uma referência foi sucateada e vendida a baixíssimo custo para uma empresa privada mais precária). As ruas da cidade que não foram asfaltadas estão esburacas e sem sinalização, o projeto do sistema de containers de lixo iniciado na gestão Fortunatti foi interrompido (só foi implementado em menos da metade da cidade e apenas de lixo orgânico) e tem dificuldades em encontrar uma empresa concessionária. A coleta seletiva de lixo é precária sem nenhum projeto educativo, o que leva a população a descartar o lixo seco e reciclável nos containers de lixo orgânico. Em cada esquina da cidade há uma pequena montanha de lixo seco no entorno dos containers.

O lobby de grandes incorporadoras de imóveis como Melnick e Cyrella Goldztein, aproveitando a pandemia e a recessão econômica, levou filhos de famílias residentes nos antigos bairros nobres e residenciais arborizados a vender suas casas antigas. A fúria especulativa está saturando a cidade de imensos condomínios e espigões de tijolos furados empilhados às pressas e com esquadrias baratas. Sem nenhum tipo de controle do licenciamento ambiental os prédios são levantados em áreas com risco de desabamento, árvores enormes e frondosas são derrubadas e as ruas estreitas não podem ser ampliadas. A média de preço de um apartamento simples de um quarto está em torno de 600.000 reais, e nos empreendimentos mais luxuosos pode chegar a 12 milhões. A população de Porto Alegre está diminuindo na última década, ou seja, essa nova cidade que brota sobre a antiga está fadada a ser um cemitério de tijolos empilhados. E, se, em um cenário improvável, todos esses apartamentos forem ocupados, o sistema antigo e precário de esgotos que entrou em colapso nas enchentes transformará a cidade em uma imensa cloaca, sem falar no trânsito (em um terreno onde havia duas casas hoje há 80 apartamentos com garagem para um ou dois carros, um iminente apagão urbano).

As incorporadoras, empresas de transporte, comunicação e empreiteiras criaram um bloqueio lobbystico em torno de Porto Alegre que foi mapeado recentemente pelo sociólogo Luciano Fedozzi . As iniciativas democráticas e populares construídas ao longo dos governos petistas encontram-se agora espremidas pelos infinitos lucros das incorporadoras e pela geração instantânea de empregos precários e temporários no comércio e na construção civil

A tragédia das enchentes deste ano não foi capaz de superar este bloqueio, por razões já trabalhadas aqui em outro texto. Na campanha eleitoral de Porto Alegre os recursos fartos do fundo eleitoral e das emendas Pix tornam os banner flags da direita e da situação muito mais ostensivos e numerosos que da esquerda, que heroicamente escolheu a candidata qualificadíssima porém  com maior rejeição e a inimiga número um do bolsonarismo, e como vice uma brava desconhecida. Pessoas de muito valor e coragem, mas pouco apelo popular no ambiente tóxico da democracia contemporânea.

Em meio a uma cidade tomada pelo lixo e prestes a se tornar um imenso mausoléu da Melnick Goldstein inundado pelo chorume do Guaíba, uma candidata promete combater a doutrinação ideológica e a linguagem neutra, enquanto, outro se orgulha em chamar-se Coronel Ustra.

Não, eu não sei mais o que fazer a não ser pegar minha bandeira e perder o medo. Não vou me perder por aí...

Mas está difícil.

*Fábio Dal Molin, psicólogo, psicanalista professor da FURG, coordenador do Coletivo Rosa dos Ventos Artes Marciais - @b.dalmolin

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.