Quantas vezes o leitor não ouviu a respeito do funk das favelas coisas como: “isso não é música”, “só falam palavrão”, “é coisa de gente que não teve educação” e, ainda, “é imitação de americanos. Pois, mais uma vez na contramão dos incautos, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, sancionou nesta terça-feira (30), a lei proposta pelo então deputado e atual ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, que institui o Dia Nacional do Funk.
A efeméride, e isto tem uma forte razão de ser, será comemorada no dia 12 de julho. Nesta mesma data, em 1970, os lendários DJs – que na época eram chamados de discotecários – Ademir Lemos (1946 – 1998) e Newton Alvarenga Duarte, o Big Boy (1943 – 1977), fizeram na recém inaugurada casa de shows Canecão, o Baile da Pesada, considerado o primeiro baile funk da história.
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Era o tempo dos precursores Toni Tornado, Tim Maia e a lendária banda Black Rio, nome do primeiro grande movimento de massas ligado ao gênero. Um tempo em que jovens das periferias brasileiras se identificavam e emulavam o cantor, dançarino e multi-instrumentista soul americano James Brown. Há neste instante, o despertar das comunidades negras e periféricas, que passam a adotar seus pares como modelos e não mais artistas brancos.
O funk riscou desde então seu poderoso fogo em um rastilho de pólvora que só fez se espalhar e explodir país afora. São Paulo rapidamente adotou o estilo e criou o Chic Show, no clube da Sociedade Esportiva Palmeiras, no bairro de Perdizes. Jovens negros das periferias da capital paulista passaram a dançar ao som de Earth, Wind & Fire, Parliament Funkadelic, Aretha Franklyn entre outros, sempre com seus cabelos e estilo black.
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Desde então, os bailes blacks foram se transformando e adotando os estilos e gêneros que surgiam. Entre eles, o mais fundamental e seminal de todos, o rap, o ritmo e a poesia da cultura hip hop, que democratizava a produção musical e a disseminava pelas ruas. A partir de bases rítmicas construídas pelos precursores das décadas anteriores, a garotada passou a improvisar versos que descrevem sem papas na língua seu dia a dia.
O funk tal e qual se conhece hoje é um dos vários derivados da cultura do rap e do hip hop. A partir de uma base, processada com cada vez mais maestria pelos conhecidos e admirados “beat makers” (fazedores de ritmo em tradução livre), os MCs improvisam e criam seus versos.
Uma nova voz
Com o fenômeno surge uma voz nova poderosa e direta. Uma espécie de estandarte indomável dos que, até então, só era permitida a fala domesticada. Debaixo deste guarda-chuva se abrigam desde o proibidão, o funk ostentação, o sonho da ascensão social, até o mais límpido e singelo desejo traduzido no famoso hit “Rap da Felicidade”, de Cidinho e Doca, dois funkeiros da favela Cidade de Deus, em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro:
Eu só quero é ser feliz
Andar tranquilamente na favela onde eu nasci, é
E poder me orgulhar
E ter a consciência que o pobre tem seu lugar
Hoje, o funk brasileiro, o mesmo surgido nas favelas do Rio de Janeiro, nas periferias de São Paulo e de tantas outras cidades Brasil afora, é destaque internacional, abre jogos olímpicos, é trilha das ginastas brasileiras e tem à frente nomes como Anitta, Ludmilla, Kevin O Chris, MC Livinho entre muitos outros.
Assim como disse Lula, uma voz de identidade e resistência.