PRIVATARIA

Terceira via? Tarcísio vai à Globonews fazer propaganda de privatização da Sabesp

Sondado pela família Marinho como "anti-Lula" em 2026, Tarcísio foi indagado sobre "futuro": "Talvez, no longo prazo, o Brasil avançar para uma privatização da Petrobrás, do Banco do Brasil", perguntou "analista" de economia da emissora

Tarcísio de Freitas em longa entrevista na GloboNews para falar da privatização da Sabesp.Créditos: Reprodução / GloboNews
Escrito en OPINIÃO el

Após concluir a entrega à toque de caixa da Sabesp para o Grupo Equatorial, que experiência pífia no setor de saneamento, Tarcísio Gomes de Freitas (Republicanos) concedeu uma longa entrevista à Monica Waldvogel e "analistas" da Globonews para fazer propaganda das privatizações.

A entrevista é mais um capítulo da aproximação entre o ex-ministro de Jair Bolsonaro (PL) e a família Marinho, que sonda políticos para encampar a candidatura da chamada "terceira via" para enfrentar Lula em 2026.

A conversa amistosa teve início com uma "levantada de bola" do analista de economia Daniel Souza, que logo de cara escancarou os interesses neoliberais no governador paulista.

"Eu queria ouvi-lo sobre futuro, sua visão de futuro. O senhor considera que existe espaço para a privatização avançar mais no Brasil, qual a importância da privatização. Talvez, no longo prazo, o Brasil avançar para uma privatização da Petrobrás, do Banco do Brasil. Qual é a sua visão mais ampla, mais agregada da privatização?", disparou o "analista".

Em tom amistoso, bem diferente da forma como trata os jornalistas quando indagado sobre temas espinhosos, como a matança promovida pela Polícia Militar paulista, Tarcísio aproveitou a deixa.

"Há espaço para avançar mais nas privatizações. Eu acredito que com o passar do tempo a gente foi aprendendo a modelar e estruturar melhor os projetos. A gente compreende melhor os riscos, a gente foi se aprofundando na temática da regulação", disse Tarcísio na resposta, que ganhou repercussão no portal G1, do grupo Globo.

Tarcísio ainda mentiu ao dizer que "a Sabesp continua sendo a operadora". Com a compra de apenas 15% das ações - menor do que as 18% que continuam com o Estado -, o Grupo Equatorial recebeu de presente do governo paulista o direito de indicar o CEO da Sabesp, além do presidente e de três dos nove membros do Conselho de Administração. O Estado vai indicar outros três e o mesmo número será de conselheiros "independentes", representantes de sócios minoritários.

Perda de R$ 4,5 bilhões

Tarcísio usou as redes sociais nesta terça-feira (23) para comemorar a privatização da Sabesp e sua consequente entrega para o mercado financeiro. Durante cerimônia na Bolsa de Valores (B3), foram arrematadas 32% das ações da maior empresa de saneamento do país com valores abaixo do mercado.

A Sabesp deu um lucro líquido de R$ 3,1 bilhões em 2023, mas suas ações foram vendidas a R$ 67 cada, em valor 18% abaixo dos R$ 87 estabelecidos no fechamento da Bolsa na última quinta-feira (18). As vendas arrecadaram R$ 14,8 bilhões aos cofres públicos paulistas, mas mesmo assim representa uma perda de R$ 4,5 bilhões, quase um terço do que foi arrecadado.

Logo depois, Tarcísio publicou nas suas redes um vídeo do momento e festejou a entrega desfavorável aos cofres públicos. O Estado agora é apenas um acionista minoritário da empresa.

“Fizemos história! A empresa referência nacional em saneamento básico se torna ainda mais forte a partir de agora. Uma enxurrada de investimentos privados para levar água na torneira e esgoto para todo mundo. Saneamento mais rápido, melhor, mais barato”, escreveu.

O processo de privatização foi aprovado à revelia da vontade popular, que se mostrou contrária à entrega do patrimônio conforme apontou pesquisa Datafolha. Os debates também ficaram marcados pela ausência de democracia, uma vez que as vozes contrárias ao projeto – seja na Alesp ou nos movimentos sociais – não tiveram vez.

Agora a Sabesp privatizada promete entregar descontos prometidos de 10% para as 1,3 milhões de pessoas que utilizam tarifas social e vulnerável, de 1% para residências e de 0,5% para as outras categorias de consumo. A universalização do saneamento básico até 2029 também é uma promessa e, para cumprir com as expectativas, o governo prevê R$ 60 bilhões de investimentos até 2029.

Privataria

Fundada em 1999, em meio à privataria levada a cabo por Fernando Henrique Cardoso (PSDB) na Presidência, o grupo Equatorial avançou sobre as privatizações do setor elétrico e atualmente opera a distribuição de energia em 7 concessionárias nos estados do Maranhão, Pará, Piauí, Alagoas, Rio Grande do Sul, Amapá e Goiás, atendendo mais de 10 milhões de clientes nessas regiões.

A empresa é considerada uma das piores - e mais lucrativas - concessionárias de serviços públicos do país, acumulando processos desencadeados pelo Ministério Público nos Estados onde atua.

Sem contar com os quase R$ 7 bi em caixa, a Equatorial contratou bancos para vender ações das concessionárias de energia, em um sistema chamado empréstimo-ponte, para levantar R$ 5 bi para o pagamento da Sabesp.

Para isso, a empresa já apresentou o "modelo de negócios" da cartilha neoliberal que levará adiante: demissões e distribuição de dividendos aos fundos que aportarem o dinheiro para a compra de ações. 

Sem experiência no setor de saneamento - o grupo controla há dois apenas uma empresa do setor que atende a 16 municípios do Amapá -, a Equatorial pretende replicar o modelo de gestão nas concessionárias de energia, que gerou uma explosão nas faturas de luz para os consumidores.

Na declaração aos investidores - o chamado disclaimer -, a Equatorial promete a demissão de funcionários, com programas  "voluntários", reestruturação de times e estabelecimento de uma cultura voltada a resultados.

No setor de energia, boa parte das equipes, especialmente de manutenção, foram terceirizadas, causando o sucateamento do atendimento à população.

Além disso, a empresa promete uma política de remuneração dos fundos investidores que chegará à distribuição de 100% dos dividendos até 2030.

Daniel Dantas e Paulo Guedes

Por fim, a privatização da Sabesp traz de volta ao cenário figuras que mostram a cara desavergonhada em meio ao seleto grupo de agentes do sistema financeiro que aumentam seus lucros com a entrega do patrimônio público.

Com longa ficha criminal e preso por corrupção por duas vezes em 2008 na lendária operação Satiagraha, o banqueiro Daniel Dantas, dono do Opportunity, é um dos principais acionistas do grupo Equatorial.

Além do Opportunity, o grupo tem como acionista o fundo BlackRock, que acumula mais de 10 trilhões de dólares em ativos no mundo e financia guerras, como a da Ucrânia contra a Rússia. 

Se fosse um país, a BlackRock seria o terceiro mais rico do planeta, apenas atrás do PIB da China e dos EUA.

Durante o governo Bolsonaro, a BlackRock comprou participações na Eletrobrás, além da Cemig, Light e outras empresas de energia brasileiras. 

E por falar em Bolsonaro, um antigo super ministro, ao que tudo indica, atua nos bastidores para consolidar a venda da Sabesp.

Fundador do banco BTG Pactual, que financiou os roadshows de Tarcísio nos EUA, Paulo Guedes tem pupilos no Conselho de Administração da Equatorial.

Em 2005, o grupo foi comprado pelo PCP Latin America Power Fund Ltda, um fundo de private equity pertencente a ex-sócios do Banco Pactual, dando início ao período mais agressivo de aquisição das concessões.

Ex-sócio do Pactual, Carlos Augusto Leone Piani foi CEO da empresa e agora preside o Conselho de Administração.

Atualmente, o Conselho da Equatorial conta ainda com Guilherme Mexias Aché, vice-presidente, que atuou como chefe da área de análise de empresas de Guedes no Banco Pactual entre 1993 e 1998; e Luis Henrique de Moura Gonçalves, que também trabalhou no Pactual.

Com a privatização da maior empresa de saneamento do país, Tarcísio finalmente tira o coturno para calçar o sapatênis e sinaliza ao mercado e à mídia liberal que pode caminhar como o candidato da terceira via em 2026.