CINEMA

Viva aos Cinemas Brasileiros: a arte dos plurais

Datas são signos, que só fazem sentido, ao trazermos a história em diálogo com o presente. Por isso, escolhi esse 19 de junho - Dia dos Cinemas Brasileiros - assim mesmo no plural - para estrear essa coluna

“Uma vista da Baia de Guanabara”, filmado em 19 de junho de 1898 pelo italiano Afonso Segreto.Créditos: Wikipedia
Escrito en OPINIÃO el

Datas são signos, que só fazem sentido, ao trazermos a história em diálogo com o presente. Por isso, escolhi esse 19 de junho - Dia dos Cinemas Brasileiros - assim mesmo no plural - para estrear essa coluna, que será um espaço para pensarmos cinemas transnacionais e os festivais de cinema. A partir de hoje e durante a temporada do Brasil na França e da França no Brasil em 2025, estarei aqui com vocês trazendo reflexões e dividindo os bastidores dos cinemas pelo mundo.

O Brasil tem cerca de 215 milhões de habitantes, que é 15 vezes a população da França. Temos quase 700 festivais de cinema e a França, por sua vez, tem o maior festival de autora e autor do mundo. O Festival de Cannes é esse grande palco  onde brasileiras e brasileiros circulam há quase oito décadas. É dali de onde temos ecoado os nossos cinemas polifônicos, desde o Cinema Novo até a mais recente edição, marcada por matrizes do nordeste do Brasil e a inesquecível cena da equipe do filme “Motel Destino” dançando forró no tapete vermelho. Eu me deliciei diante daquela imagem como uma brasileira em final de copa do mundo. Pertencimento, é como sinto essa euforia coletiva na nossa torcida por Karim Aïnouz e sua trupe.

É disso que trataremos aqui nesta coluna quinzenal. Como ser transnacional sem abrir mão da nossa identidade? Como falar da nossa aldeia, fazendo sentido para corpos que habitam o outro lado do oceano? Quando o assunto é a arte cinematográfica, o Brasil tem muito a servir de referência ao mundo. Enquanto os mercados seguem encarcerados em gêneros e caixinhas, os cinemas brasileiros têm experimentado romper as etiquetas, hibridizando as suas obras. Isso se mostra presente na força das nossas cinebiografias de cantoras e cantores,  que seguem lotando as salas de cinema provando que a nossa música é mesmo cinematográfica! 

Na véspera do Dia dos Cinemas Brasileiros, esse tema, o cinema e seus plurais, foi um dos assuntos debatidos na reunião de profissionais das artes e empresas francesas brasilianistas, com  o comissário da temporada do Brasil na França, Emilio Kalil, na Universidade Sorbonne III, a convite da jornalista Rosângela Meletti, do Collège de Navarre Éditions & Médias. Ao lado deles, Véronique Mortaigne, consultora para a área musical, a quem conheço desde sempre como a “amiga francesa de Miúcha”. Perspicaz conhecedora das músicas brasileiras, Veronique tem o desafio de “empacotar” a nossa música fora dos clichês e ajudar a apresentar um Brasil complexo e por isso mesmo, surpreende aos ouvidos dos franceses. Os artistas brasileiros não poderiam estar em melhores mãos. 

Ali, naquela tarde parisiense, pensávamos juntos como o cinema deve estar inserido em uma programação onde a música, a dança, as artes plásticas, o teatro, tem como interlocutor a Funarte e o Instituto Francês. As agências de cinema - a Ancine e o CNC - podem e devem atuar nessa roda, como estiveram juntos na 77ª edição do Festival de Cannes, quando foi anunciado para os próximos meses uma nova chamada de coprodução multilateral entre os dois países. A depender do estágio dos filmes selecionados, ainda podemos vê-los integrando a programação da temporada do Brasil na França e da França no Brasil, seja nas première dos festivais ou em sessões criativas, onde diversas artes podem confluir, como foi feito o convite neste encontro. Cineastas costumam gostar de desafios. 

Nessa troca sobre a temporada do Brasil na França, lembro ainda que o Dia dos Cinemas Brasileiros já nasceu transnacional. A data marca a filmagem em 19 de junho de 1898 do ítalo-brasileiro Afonso Segreto que filmou a Baía da Guanabara, quando estava a bordo do navio “Brèsil”, voltando da França, onde aprendeu técnicas de filmagem. Penso nesse nosso primeiro cineasta,  enquanto volto a rotina da sala de montagem.

Diante de imagens atuais da Baía da Guanabara que compõem o meu próximo filme “Ilha da Conceição”, sobre uma ilha que desapareceu em Niterói, vejo a questão ambiental se amalgamar ao cinema. Quantas histórias são reveladas e eternizadas pelo cinema? Vejo a importância do cinema como território de confluência de diversas artes, sem fronteiras, sem amarras e podendo ser muitos em cada filme. Todas as artes em uma, por isso escolhi o cinema como forma de existência. Viva hoje e sempre aos Cinemas Brasileiros e seus plurais!

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.

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