INVESTIMENTO INTERNACIONAL

Investimento estrangeiro: prós e contras

Como para muitas questões econômicas, a resposta é: depende. Há vantagens e desvantagens. Convém, portanto, examinar o tema um pouco mais de perto

Dólar.Créditos: Marcello Casal Jr./Agência Brasil
Escrito en OPINIÃO el

O investimento estrangeiro é positivo ou negativo para um país? Como para muitas questões econômicas, a resposta é: depende. Há vantagens e desvantagens. Convém, portanto, examinar o tema um pouco mais de perto.

Não é o que geralmente se faz. Predominam slogans e simplificações. No governo, por exemplo, tem havido muito oba-oba por ocasião da divulgação de alguns novos investimentos do exterior. Novos investimentos estrangeiros são apresentados como um selo de confiança ou bom-comportamento. “O Brasil está de volta”, proclama-se. (Esse slogan, diga-se de passagem, é um dos mais surrados internacionalmente.) Além disso, foi instituído, com certo estardalhaço, um programa que oferece proteção cambial a determinados investidores estrangeiros

O tema dos prós e contras do investimento estrangeiro é vasto e polêmico. Não quero me alongar demais e seleciono assim pontos que parecem mais relevantes.

Permita-me, leitor ou leitora, ser de novo um pouco mais técnico neste artigo. Farei o possível para não complicar demais, mas há aspectos inevitavelmente intrincados. Repito a sugestão que fiz em outra ocasião. Se você não for economista, não desanime se uma passagem ou outra lhe parecer incompreensível. Siga em frente e se puder entender, digamos, 70 ou 80% do texto, já terá valido a pena.

Aspectos positivos do investimento estrangeiro: fatos e meias-verdades

Começo pelos aspectos potencialmente positivos do investimento estrangeiro. São basicamente dois: 1) o investimento do exterior traz receitas cambiais e constituiu um tipo de aporte de capital que, além de não aumentar a dívida externa do país, cobre de forma relativamente estável um eventual déficit de balanço de pagamentos em conta corrente; e 2) o investimento externo pode contribuir para o aumento da formação bruta de capital fixo, traduzindo-se em elevação do crescimento potencial da economia no longo prazo.

Esses argumentos são válidos e têm ampla divulgação. São meias-verdades, porém. E a meia verdade, como dizia Tennyson, é mais perigosa do que a mentira pura e simples. Nada pior do que as “mentiras verdadeiras”, aquelas têm alguma base factual ou lógica, e as mentiras “sinceras”, aquelas que são propagadas com convicção.

É fato, sim, que o investimento externo traz receitas em moeda estrangeira e pode, portanto, ajudar a financiar um desequilíbrio em conta corrente (a parte do balanço de pagamentos que corresponde à balança comercial, serviços e rendas). E, de fato, como receber investimento não constitui uma obrigação financeira, não aumenta a dívida externa líquida do país. A variação desta última corresponde ao déficit em conta corrente deduzida a entrada liquida de investimentos (diretos e de portfólio).

Também é verdade que o investimento pode ser uma forma relativamente estável de compensar um eventual desequilíbrio nas contas externas correntes. Os investimentos em capacidade produtiva podem até sair do país em algum momento futuro, mas não de forma rápida, pois há defasagens temporais significativas entre a decisão de desinvestir e a sua concretização.

Mais importante: os investimentos em capacidade produtiva, designados nas estatísticas como “investimentos diretos”, podem, sim, reforçar o estoque de capital da economia e o seu crescimento de longo prazo.

Parecem então convincentes esses argumentos? Acredito que sim, tanto mais que os termos técnicos podem impressionar os leigos. E tanto mais que brasileiro desconfia do que entende e aceita melhor o que não entende, como dizia Nelson Rodrigues, apontando uma das muitas facetas do nosso complexo de vira-lata: se eu entendo, pensa o brasileiro na sua humildade de cachorro velho, então não deve ser grande coisa. Apesar disso, tento esclarecer, mostrando onde estão as lacunas e falácias nos dois argumentos. Veremos que esses argumentos são apenas parcialmente verdadeiros.

Investimentos estrangeiros e contas externas: corrigindo omissões

Em primeiro lugar, não se deve perder de vista que de pouco vale, do ângulo do comprometimento futuro das contas externas, absorver investimentos em vez de empréstimos. Os investimentos estão, sim, por definição, fora da classificação de dívida externa. Integram, entretanto, o conceito mais amplo de passivo externo líquido de um país. Este é a soma da dívida e do estoque de investimentos estrangeiros deduzidos os ativos externos do país no exterior na forma de créditos e investimentos. As dívidas geram pagamentos de juros; os investimentos, pagamentos de lucros e dividendos. As dívidas têm calendário de amortização; os investimentos podem ser repatriados, ainda que sem calendário fixo.

O conceito mais abrangente e mais relevante, portanto, é o de passivo externo líquido. O aumento do passivo externo líquido corresponde ao déficit em conta corrente. Havendo déficit, o passivo para com o exterior cresce de qualquer maneira, seja como dívida, seja como investimento. Ao contrário do que talvez pareça, as diferenças entre as duas formas de capital nem sempre são significativas.

Além disso, não é necessariamente verdade que o investimento estrangeiro constitua uma forma mais estável de capital. Há duas formas de investimento nas estatísticas de balanço de pagamentos: o investimento direto e o de portfólio. O investimento direto é aquele potencialmente mais ligado à formação de capital (ou à compra de capacidade produtiva existente). O de portfólio inclui, por exemplo, compra por estrangeiros (não-residentes) de ações na bolsa de valores do país ou aquisição de títulos de dívida (pública e privada). O capital de portfólio, que pode predominar em determinadas situações, é tipicamente especulativo ou de curto prazo. Não pode ser considerado estável ou confiável. Desse ponto de vista, o endividamento externo de médio e longo prazo é melhor.

Um possível agravante é que os investimentos diretos registados no balanço de pagamentos incluem uma parcela desconhecida de investimentos de portfólio. Esse problema de classificação, levantado em artigo recente¹, só pode ser esclarecido com acesso detalhado a dados que apenas o Banco Central possui. 

Seja como for, é importante considerar que não convém, em geral, incorrer em déficits substanciais nas contas externas correntes, mesmo que cobertos por investimentos diretos strictu sensu. Isso é especialmente verdadeiro nas situações em que ao déficit corrente se adicionam vencimentos importantes de dívida ou riscos de saída abrupta de capitais de portfólio. Para um país que queira preservar a sua autonomia, é estrategicamente melhor zerar a conta corrente ou, no máximo, incorrer em déficits pequenos. No caso do Brasil, os déficits externos correntes têm sido modestos nos anos recentes. O Banco Central acaba de divulgar um déficit em conta corrente de 1,5% do PIB nos doze meses até março. Os investimentos registrados como “diretos” chegaram ao dobro, alcançando 3% do PIB.²

Investimentos estrangeiros e capacidade produtiva

Apesar de tudo, não há dúvida de que a forma mais defensável de capital externo é aquela que toma a forma de investimentos diretos propriamente ditos. Feitas as ressalvas acima, o investimento direto stricto sensu pode, sim, gerar capacidade produtiva nova e, quando o faz, constitui, sim, uma modalidade mais estável e duradoura de capital externo.

Atenção, porém. Há pré-requisitos. E algumas perguntas precisam ser respondidas.

O investimento direto, nas estatísticas habituais, não só pode aparecer misturado com alguns investimentos de portfólio, como já indicado, mas inclui também dois tipos diferentes de investimentos diretos: aqueles que criam capacidade nova (novas empresas ou ampliação de empresas existentes) e aqueles que simplesmente compram capacidade pré-existente. Nesse último caso, o que ocorre é desnacionalização da economia (exceto em casos de aquisição por outros estrangeiros de filiais ou subsidiárias já existentes de empresa externas).

 A confusão conceitual costuma ser grande. Se o investimento que ingressa corresponde tão somente a aquisição de empresas existentes, não há nenhum efeito imediato em termos de expansão da demanda e da taxa global de investimento. De início, há mera transferência de propriedade da capacidade produtiva instalada. Só haverá reforço real do investimento, se os novos proprietários tiverem condições e interesse em ampliar as empresas que adquiriram.

A propósito, fala-se em “privatização”, às vezes impropriamente, quando o capital estrangeiro adquire o controle de empresas estatais. Ora, não raro o que acontece é a compra de estatais brasileiras por estatais estrangeiras. Nesses caso, não há privatização alguma, mas desnacionalização pura e simples. Não se cria, pelo menos de imediato, capacidade produtiva nova e os centros de decisão empresarial são transferidos para fora do país.

Outra questão relevante: ao abrir a economia para determinados investimentos diretos estrangeiros, o governo se preocupa em estabelecer contrapartidas estratégicas? Condiciona, por exemplo, a autorização para investir a compromissos de transferência de tecnologia? Negocia compromissos de realizar compras com fornecedores nacionais, estimulando produção e geração de empregos no país? A China costuma estabelecer esse tipo de condição. O Brasil, pelo seu tamanho, é um dos maiores receptores de investimentos estrangeiros no mundo. Tem, em princípio, poder de barganha para estabelecer requisitos de transferência de tecnologia e compras em território nacional.

Garantias contra risco cambial

O governo parece caminhar em direção diferente. Em vez de negociar contrapartidas, oferece garantias. Anunciou-se há pouco a oferta de hedge cambial para o financiamento de  investimentos estrangeiros considerados ambientalmente sustentáveis.³ Decisão duvidosa, que ainda precisa ser detalhada e merece mais discussão. Se entendi bem, para estimular determinados investimentos do exterior o governo estatiza o risco cambial. Em caso de depreciação acentuada da moeda brasileira, quem paga a conta é o Tesouro.

Trata-se de um programa que gera risco fiscal e risco cambial. O risco de despesas inesperadas é transferido para os cofres públicos. Se a desvalorização da moeda nacional ficar acima do esperado, o governo incorre em perdas cambiais e fiscais, isto é, diminuem as reservas internacionais e aumenta o déficit público. Curiosamente, o mercado financeiro e a mídia, sempre tão alarmados com o risco fiscal, parecem apoiar sem reservas a nova proposta.

Outra questão, esta geralmente ignorada: a suposição é que o investimento garantido contra risco cambial venha a ser de fato adicional, isto é, que ele não aconteceria na ausência da garantia estatal. Pode-se descartar, entretanto, que investimentos beneficiados não ocorreriam de qualquer maneira? Seria o pior dos mundos: na esperança de aumentar o investimento externo, o governo acabaria assumindo o risco cambial de investimentos que ingressariam no país de qualquer forma. Como os beneficiários dessa decisão são os grandes capitais, ninguém protesta, ninguém reclama.

Rejeição liberal à interferência estatal

Para terminar, um breve comentário sobre as viúvas brasileiras do neoliberalismo. Os representantes dessa velha guarda poderiam argumentar que tentar fixar condições para a entrada de investimentos viola as regras de livre mercado. Se forem coerentes (o que nem sempre acontece) objetariam, pela mesma razão geral, a que o governo ofereça proteção cambial para certos investidores externos.

Mas é frágil essa visão liberal, defunta no mundo, mas ainda presente no Brasil, especialmente no discurso do mercado financeiro e da mídia tradicional. A livre concorrência em mercados pulverizados existe mais em livros-texto do que na realidade das economias. Na prática, o que prevalece é a concorrência oligopólica, limitada, entre grandes corporações e blocos de capital.

O Estado participa e interfere nas economias bem-sucedidas. E assiste, passivo, inerte, nas economias fracassadas.

Notas

1) Carlos Luque, Simão Silber, Francisco Vidal Luna e Roberto Zagha, “O enigma do investimento direto no país”, Valor Econômico, 1 de março de 2024, p. A14.

2) Com a mencionada ressalva de que esses registros incluem possivelmente uma parte desconhecida, talvez significativa, de investimentos de portfólio.

3) Diário Oficial da União, Medida provisória, no. 1.213, de 22 de abril de 2024. Para uma avaliação crítica dos pressupostos desse programa, ver Ricardo Carneiro, “O capitalismo sem risco”, CartaCapital, 15 de abril de 2024.

 

Paulo Nogueira Batista Jr. é economista, foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS em Xangai, de 2015 a 2017, e diretor executivo no FMI pelo Brasil e mais dez países em Washington, de 2007 a 2015. Lançou no final de 2019, pela editora LeYa, o livro O Brasil não cabe no quintal de ninguém: bastidores da vida de um economista brasileiro no FMI e nos BRICS e outros textos sobre nacionalismo e nosso complexo de vira-lata, segunda edição, 2021.

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