OPINIÃO

Religião, fascismo e messianismo: a mente explosiva de Tiü França - Por Pastor Zé Barbosa Jr

Tiü França pode ter agido sozinho, mas não é um caso isolado. Ele não surge “do nada”

Tiü França é fruto de uma junção perigosíssima entre religião, fascismo e messianismo.o corpo de homem-bomba jaz, isolado, na Praça dos Três PoderesCréditos: Bruno Peres/Agência Brasil
Escrito en OPINIÃO el

Milhares de perguntas surgem após um caso como esse que estarrece o Brasil: Um homem é capaz de explodir a si mesmo por conta de uma “causa”. E há que se ter cuidado ao entrar em terreno tão perigoso e arenoso como a mente humana. Ainda mais vivendo tempos em que uma cultura do ódio, plantada, regada e muito bem cuidada pela extrema-direita (ao contrário do que a mídia hegemônica tenta chamar de “polarização”) parece ganhar capítulos nunca antes imaginados em nossa história.

Você, brasileiro “comum”, conseguia prever ou sequer supor que um dia veríamos pessoas ensandecidas invadindo o Congresso Nacional, quebrando obras de arte, furando quadros, vilipendiando prédios que simbolizam a nossa democracia tão frágil? Quando imaginaríamos a cena de uma senhora defecando ao vivo e em cores para todas as redes sociais, como se isso fosse uma “conquista democrática”? E isso tudo inflamado por um ex-presidente que não aceitou ser derrotado no voto e queria um golpe para manter-se no poder.

Tiü França pode ter agido sozinho, mas não é um caso isolado. Ele não surge “do nada”. O brasileiro Francisco Wanderlei Luiz, autor do ataque à bomba na Praça dos Três Poderes é, ao mesmo tempo, fruto e vítima de uma mistura que tem adoecido e apodrecido o nossos país: religião, fascismo e messianismo. Uma mistura literalmente, como assistimos, explosiva! Uma breve análise de trechos das últimas postagens do homem-bomba de Brasília nos faz compreender, senão totalmente, pelo menos um pouco da mentalidade que hoje prevalece em boa parte dos cidadãos brasileiros que se identificam com a extrema-direita.

O terrorista (sim, ele era um terrorista) fez tudo de forma premeditada. Havia a intenção de ser uma espécie de mártir, onde ele seria o primeiro a explodir, dando lugar a uma revolução. Isso fica claro pelo seguinte trecho em um de seus posts: “O efeito dominó só é possível após a queda da primeira pedra!!!” E isso com traços de messianismo religioso, senão, vejamos: “Existe a possibilidade de uma única pessoa reestabelecer a esperança de um futuro melhor para as crianças e seus pais? Foi quando em “sonho” uma voz aveludada me disse: segura com força a caneta dourada e sobre o papel escreva o que vos direi: ‘Queridos irmãos escolhidos por Deus, tenho boas novas; Em pedidos e louvores para a vinda de Jesus Cristo, lhes foi atendido.’”

Tiü França tinha a plena noção de que estava indo para Brasília numa missão: ser o primeiro de muitos. Ele se via, naquele momento, como essa pedra primeira a ser destruída, dando começo a um “efeito dominó”, uma “única pessoa” reestabelecendo a esperança, mas como? Sendo, ele próprio, o início da “revolução”. E considerava isso um ato de força e sabedoria: “Será necessário a força do leão com a sabedoria de Salomão”. A mistura de elementos bíblicos no discurso é algo a ser percebido e estudado. O fascismo à brasileira tem um discurso altamente religioso. As figuras são bíblicas e os apelos são ao sentimentalismo da fé.

Como se não bastasse as figuras e os sentimentos, há um chamado à guerra, e não uma guerra qualquer, mas uma guerra santa. Veja bem as palavras do homem-bomba: “Sugiro a você que não perca seu tempo em investigar quem são os guerreiros da divindade...” Não brinquemos com o slogan “Deus, pátria, família e liberdade”. Além de ser lema do fascismo, é uma espécie de “apito de cachorro” que chama à guerra exatamente aqueles que, há anos, estão sendo preparados para esse momento histórico. Tiü França chega a se comparar com Miguel, o arcanjo: “Eu, Francisco Wanderley Luiz mais conhecido / Tiü França (ETE x PNEU) “Miguel” (...) ‘em espírito estarei na linha de frente com minha espada erguida’ - DEUS NOS ABENÇOE”

É interessante percebermos nesta última “fala” do rapaz que se explodiu em Brasília a referência aos “ET’s” (que ele chama ETE) e aos “pneus”, cenas clássicas do povo que ocupou as frentes dos quartéis no país durante meses, grupos dos quais Francisco fez parte, segundo relato da sua própria ex-mulher, ou seja, o germe doentio dos golpes e dos homens-bombas estava, também, acampado em frente as casernas brasileiras, financiadas por mega empresários e políticos e fomentada pelo gabinete do ódio: o que vemos agora são só os frutos de algo bem maior.

Outra coisa importante, e que acaba de uma vez por todas com a hipótese de um “simples” suicídio, vergonhosamente defendida pela vice-governadora do Distrito Federal, Celina Leão: Tiü França planejava levar “mais gente” com ele: “Porém, se realmente quiseres partir, leve um maligno com você; Deus e seus familiares vão te perdoar.” Ele tinha, sim, planos de matar Alexandre de Moraes, plano esse alimentado dia após dia por Bolsonaro, Malafaia e sua gangue.

Por fim, e digo isto querendo muito estar errado e com uma dor imensa no coração: estamos para ver coisas piores caso não se puna de forma exemplar, não só os golpistas que já estão presos por conta da tentativa de golpe no 8 de janeiro, mas principalmente a prisão do ser mais abjeto que já ocupou a presidência do país: Jair Messias Bolsonaro. O grito de “sem anistia” não é só um grito “político”, é um grito pela vida e pela sanidade de um povo, adoecido e apodrecido pelo que há de pior na junção diabólica entre religião, fascismo e messianismo.

Os verdadeiros vilões andam soltos por aí...

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum