ELEIÇÃO INDEFINIDA EM SP

Três cenários para a eleição de São Paulo que desenham o futuro político do país - por Mauro Lopes

Tanto Nunes quanto Boulos ou Marçal podem ir ao 2º turno em São Paulo. Qualquer um deles pode vencer. Quem o fizer terá o condão de desenhar o futuro político do país. Debate na Globo, redes, corpo a corpo, indecisos e voto envergonhado resolvem a disputa na última semana

Ricardo Nunes, Pablo Marçal e Guilherme Boulos.Créditos: Wikipédia e GloboNews/Reprodução
Escrito en OPINIÃO el

A maioria dos analistas conservadores/liberais aposta que Nunes é o único nome certo no segundo turno das eleições paulistanas e o favorito do pleito. A maioria dos analistas progressistas faz a mesma aposta para Boulos. Poucos analistas arriscam-se a prever Marçal no segundo turno e menos ainda como futuro prefeito da cidade - mas ele pode chegar lá. O descrédito quanto às chances de Marçal não esconde o susto de analistas conservadores/liberais e progressistas com a resiliência do novo líder de extrema direita -alguns expressam o susto em público, outros nos bastidores. Todas as previsões de derrocada ou queda acentuada, especialmente depois dos episódios da cadeirada e do soco, falharam. Ele está no páreo. Há um elemento que tem sido desconsiderado da maior parte das análises e que pode favorecê-lo: o voto envergonhado, não captado nas pesquisas, que tem impulsionado a extrema direita na reta final em eleições em todo o Ocidente.

Tentarei traçar os cenários de vitória ou derrota de cada um deles e seus possíveis desdobramentos na política nacional. Para tanto, estou me utilizando das pesquisas mais recentes dos institutos Datafolha (27.9), da Quaest (30.9) e da Atlas (30.9). 

Um dado relevante que não pode ser desconsiderado. Quanto mais se aproxima o domingo do voto, mais tendem a convergir os números da pesquisa estimulada ao da espontânea. E elas indicam ao redor de 45% de indecisos. Num cenário de empate na pesquisa estimulada, este enorme contingente de indecisos poderá decidir a eleição para qualquer dos três candidatos. 

 

As chances de Nunes

O atual prefeito de São Paulo aparece em primeiro lugar nas pesquisas Datafolha e Quaest (27% e 24%, respectivamente). Em ambas, sua curva de subida coincide com o horário eleitoral gratuito, iniciado em 30 de agosto. Ele começa sua escalada de um patamar pouco abaixo de 20% nos dois institutos em meados/final de agosto até chegar 27% no Datafolha e 24% na Quaest no fim de setembro. A trajetória dele é bem distinta na Atlas, onde está em terceiro lugar com 21%. 

Os resultados dos dois institutos que usam o método de abordagem presencial infundem confiança no comando de sua campanha que está certo de sua presença no segundo turno, afirmando nos bastidores que Boulos e Marçal disputam a segunda vaga. Ambos os institutos apontam vitória de Nunes com larga margem sobre seus adversários no segundo turno.

Além disso, Nunes ostenta a menor rejeição entre os três líderes. Tem apenas 21% de rejeição no Datafolha (estabilizada) contra 38% de Boulos (também estabilizada) e 48% de Marçal (crescente). O cenário na Quaest não é tão promissor para o prefeito, mas ele ainda é que tem menor rejeição: 30% contra 50% de Boulos e Marçal. 

Mas há interrogações relevantes nos números de Nunes. Na pesquisa espontânea (sem indicação dos nomes dos candidatos), que na reta final das campanhas tende a se aproximar da estimulada, Nunes é o candidato de longe com maior defasagem de indicações: apenas 16% na espontânea do Datafolha e 14% na da Quaest. 

Quase um terço dos eleitores (32%) que declaram voto em Nunes dizem ainda poder mudar até 6 de outubro, no Datafolha. Na pesquisa Quaest, o cenário é mais incerto ainda: nada menos que 41% declaram ainda poder migrar para outro candidato. Para que se tenha uma ideia da diferença da fortaleza de voto entre Nunes e seus adversários, apenas 21% dos que escolhem Boulos no Datafolha dizem poder mudar -e 28% dos que optam por Marçal. Na Quaest, os percentuais de potencial mudança de voto dos eleitores de Boulos (28%) e de Marçal (29%) mantêm a desvantagem do prefeito. Esta possibilidade de ver tantos votos levantarem voo para os outros dois ninhos na reta final pode ser explicada por uma pergunta da pesquisa Datafolha, sobre se o candidato escolhido é considerado o ideal pelo eleitor. Apenas 40% consideram-no o candidato ideal, contra 61% no caso dos eleitores de Boulos e 52% no universo de Marçal.

O cenário para Nunes é positivo, mas ele corre riscos na última semana dada a pouca sedimentação do seu eleitorado.. Terá que enfrentar os últimos três dias da campanha sem horário eleitoral gratuito, que aparentam ser sua grande fortaleza.


As chances de Boulos

Se a campanha de Nunes fia-se nas pesquisas Datafolha e Quaest para seu comitê trombetear favoritismo em 6 de outubro, a de Boulos utiliza a Atlas em sua narrativa. Nela, ele está em primeiro lugar (29%), com Marçal de aproximando (25%) e uma distância considerável de Nunes (seis pontos). O candidato PSOL/PT está em segundo na Datafolha (26%) a um ponto de Nunes e na Quaest (23%), também a um ponto. Ou seja, na prática, empatado, o que é justificativa mais que suficiente para o otimismo da direção de sua campanha.  

Mas o risco Marçal está presente. Boulos está na margem de erro contra o candidato do PRTB na Quaest (23% a 20%) e na Atlas (29% a 25%) e no limite dela no Datafolha (26% a 20%).

A fortaleza/fidelidade de seu eleitorado é grande: 79% dizem que vão com ele até o fim no Datafolha e 71% na Quaest. E como visto, 61% dos que o escolhem o fazem por considerá-lo o candidato ideal. 

Há pontos de preocupação para a campanha. A rejeição a Boulos alcança 38% no Datafolha e 50% na Quaest - é o limite para que o candidato não seja considerado fora do páreo, segundo Filipe Nunes, dono da empresa de pesquisas.

Mais preocupante ainda é a aparente fragilidade de Boulos dentre os eleitores tradicionais do lulismo na capital paulista: os mais pobres. Segundo o Datafolha, ele perde por 11 pontos para Nunes na preferência dos eleitores (32% a 21% na faixa até 2sm). Mesmo na Atlas, pesquisa que mais favorece Boulos, ele perde para Nunes por 45% a 27% na faixa de renda familiar até R$2 mil.. Na faixa, vence Marçal, que tem 15%. No entanto, na faixa imediatamente superior (R$2 mil-R$3 mil) perde para Marçal por 32% a 26%.

Boulos vinha perdendo em todas as rodadas da pesquisa Atlas na parcela do eleitorado favorecida histórica e diretamente pelos governos do PT, a dos que recebem o Bolsa Família. Agora, recuperou-se. Marcou 38% de preferência, contra 24% de Nunes e 21% de Marçal. Na rodada anterior da pesquisa, o candidato PSOL/PT, com 16%, perdia para Nunes (20%) e empatava com Marçal (16.4%). São todos números na margem de erro mas que têm se repetido pesquisa a pesquisa.

Um número do Datafolha mostra a dificuldade Boulos de cativar o eleitorado lulista: quase ? dos eleitores de Lula em 2022 (30%) afirmam intenção de voto em Nunes no segundo turno se a disputa for exatamente contra Boulos. 

A direção da campanha de Boulos aposta na última semana das eleições. Tanto ele como o petismo/lulismo são conhecidos por sua força na reta de chegada em diversos pleitos na capital paulista.


As chances de Marçal

A nova e surpreendente face da extrema direita em São Paulo e no país, Pablo Marçal, está em terceiro lugar nas pesquisas Datafolha (20%) e Quaest (20%) e apareceu em segundo lugar na Atlas (25%). Nas duas pesquisas em que aparece em terceiro lugar, entretanto, não pode ser descartado como hipótese para o segundo turno, pois aparece atrás de Boulos em ambas dentro da margem de erro. Marçal é a grande surpresa das eleições e sua resiliência nas preferência tem surpreendido analistas dos campos liberal e progressista. 

Quando houve o bloqueio de suas contas nas redes sociais há mais de um mês, em 24 de agosto, a avaliação generalizada a seguir foi de que ele veria sua candidatura esvaziar rapidamente, mesmo com sua reação de criar imediatamente novos perfis. As pesquisas contrariaram o veredito. Não foi o que mostraram a pesquisa. No Datafolha, ele subiu um ponto, de 21% para 22% entre a última pesquisa antes do bloqueio e a primeira posterior. Na Quaest, Marçal pontuou 19% antes do bloqueio e subiu para 23% a seguir. Na Atlas, foi de 21% para 25%.

A cadeirada de Datena sobre Marçal em 15 de setembro no debate da Cultura como reação a uma sequência de agressões verbais de rara violência e toda a reação “overdosada” do candidato de extrema direita foi um episódio considerado extremamente negativo para sua candidatura. O soco violentíssimo que Nahuel Medina, homem de confiança de Marçal, desfechou em Duda Lima, marqueteiro de Nunes, no debate da RedeTV (23 de setembro) chegou a ser considerado a pá de cal em sua candidatura. Não foi o que se viu nas pesquisas. Marçal foi de 19% para 21% no Datafolha depois dos episódios; ficou estável em 20% na Quaest; e saltou na Atlas de 21% para 25%. Há avaliações de que a campanha teria sido impactada pelos três eventos por ter sido interrompida sua trajetória de subida nas semanas anteriores, mas não há qualquer evidência dessa tese nas pesquisas até o momento.

Marçal conseguiu dividir a base bolsonarista na cidade e tem maioria neste eleitorado sobre Nunes tanto no Datafolha (43% a 39%) como na Atlas (54% a 32%). Outro eleitorado caro  ao bolsonarismo, os evangélicos, também está dividido. No Datafolha, onde tinha perdido a dianteira nas últimas semanas, recuperou-se na última pesquisa e voltou a dividir o voto evangélico com Nunes: 30% para ele e 29% para o prefeito. Na Quaest, Marçal perdeu terreno, caindo de 37% para 25% e agora perde para Nunes, que tem 33%, mas ainda disputa a base evangélica. Na Atlas, a supremacia é de Marçal: 39% a 23%.

A aposta da campanha de Marçal é na força das redes sociais, especialmente nos últimos três dias antes das eleições, quando não haverá mais horário eleitoral gratuito e, sobretudo, no chamado “voto envergonhado” ou “voto escondido” que tem favorecido a extrema direita ao redor do mundo e acrescentado preciosos pontos nas urnas em relação às pesquisas. 


Vitória ou derrota de cada um
 

E se Nunes ganhar? E se perder?

Se Nunes vencer, seu grande sócio na vitória será o governador de São Paulo, Tarcisio de Freitas. Bolsonaro nunca quis a candidatura de um nome com jeito de político tradicional, do Centrão. Preferia um de seus escudeiros, Ricardo Salles, que foi barrado pelo presidente do PL, Valdemar da Costa Neto que articulou uma frente da direita clientelista paulistana com o bolsonarismo, embarcado a contragosto na candidatura. Bolsonaro exigiu indicar o vice para apoiar Nunes -colocou na vaga o coronel aposentado da Polícia Militar Ricardo de Mello Araújo, ex-Rota, que recebeu a Ceagesp do chefe e barbarizou a empresa entre 2020 e 2022. Mas nem isso foi suficiente para fazê-lo embarcar na campanha. Bolsonaro fez corpo mole todo o tempo e acabou pulando fora quando se viu com uma rebelião da base bolsonarista contra a candidatura de Nunes. Por isso, caso o prefeito se reeleja, Bolsonaro será um sócio minoritário, com pouca influência na gestão, pelo menos na largada. Tarcísio, Costa Neto, o fundamentalismo especialmente católico e o clientelismo mais ordinário dividirão o butim. Nunes será devedor de Tarcísio e irá pagar apoiando seu projeto para 2026, provavelmente a reeleição, mas com uma possibilidade menor de candidatura ao Planalto.

Se Nunes perder, deve desaparecer da cena política e retornar ao limbo do clientelismo de onde saiu para ser vice de Bruno Covas em 2020. Tarcísio sairá chamuscado e Costa Neto com um enorme prejuízo e uma provável rebelião no PL contra sua liderança. Os bolsonaristas pularão na sua jugular, responsabilizando-o pelo fracasso. Bolsonaro sairá com um prejuízo menor, que poderá se tornar numa vitória se o eleito for Marçal.

 

E se Boulos ganhar? E se perder?

Se Boulos vencer, seu grande sócio será o presidente Lula, que apostou na candidatura, levou Marta Suplicy de volta ao partido e bancou seu ingresso na chapa com a visão de que ela abriria as portas das periferias ao candidato do PSOL. Boulos se agigantará, mas a ideia acalentada por setores do PSOL do surgimento de uma nova liderança à esquerda do PT não deverá seguir em frente. Para ser candidato e ter chance de vitória, Boulos submeteu-se inteiramente ao lulismo e, força dominante no PSOL, levou o partido à mesma submissão. O PSOL hoje é uma extensão do lulismo, como uma sublegenda. Sua bancada na Câmara dos Deputados, com raras exceções, vota integralmente com o governo Lula, mesmo em temas historicamente condenados pelo partido. Glauber Braga, Sâmia Bomfim e Fernanda Melchionna são praticamente os únicos a se contraporem ao giro do PSOL no último ano e meio. Boulos sairá evidentemente vitorioso, mas como um nome para, no futuro, suceder Lula no interior do lulismo, e não para superá-lo. Possivelmente irá enfrentar a concorrência de Haddad neste projeto. Sua gestão na Prefeitura deverá seguir os passos de Lula na Presidência: um governo moderado, de composição com a maioria clientelista da Câmara e em diálogo com o empresariado da cidade. PT e PSOL serão as forças dominantes na composição do secretariado, mas nomes de centro-direita poderão surgir. 

Se Boulos perder, será o fracasso de todo o projeto de submissão do PSOL e dele próprio ao lulismo, abrindo grande interrogação em relação ao seu futuro e do partido. Voltará à Câmara para recolher os estilhaços da derrota e provavelmente enfrentar o crescimento de uma ala mais à esquerda na bancada. Lula sofrerá um abalo em caso de uma eventual derrota. Será cobrado por setores do partido que engoliram a seco a candidatura de Boulos que o presidente empurrou-lhes garganta abaixo. A aposta em Marta será questionada e ele terá, no caso da vitória de Nunes ou Marçal, um eixo paulistano-paulista de forte oposição na segunda metade de seu governo. A derrota em São Paulo poderá afetar seu projeto de reeleição? Provavelmente não, pois os vetores próprios de sua gestão e do cenário nacional deverão ser os determinantes. Mas terá problemas maiores.  

 

E se Marçal ganhar? E se perder?

Marçal é o único dos três candidatos que sairá dessa eleição vencedor, qualquer que seja o resultado.  A eleição da capital paulista tinha tudo para ser um pleito pautado pelos temas da cidade, se a dinâmica fosse centralizada pelo confronto Nunes-Boulos. A presença de Marçal mudou tudo e a campanha nacionalizou-se, tomando uma dimensão sem precedentes na vida política nacional. Marçal emergiu com uma liderança de primeira linha da extrema direita e, aproveitando a concessão de Bolsonaro ao sistema político tradicional com a candidatura Nunes, sustentou a bandeira antissistema da extrema direita. Com isso, provocou uma rebelião inédita no interior do bolsonarismo e tornou-se, nacionalmente, na nova face da extrema direita, ainda mais radical e agressiva. Mais do que Bolsonaro em 2018, Marçal operou as redes sociais de maneira surpreendente, deixando as demais campanhas atônitas. Penetrou nas periferias com uma linguagem sem precedentes. Sua resiliência surpreendeu 99% dos analistas políticos. Superou a suspensão de seus perfis oficiais nas redes, quando a maioria dos analistas previu que ele sucumbiria, e os episódios da cadeirada e do soco.

Dobrou o bolsonarismo. Na prática, venceu a queda de braço com o bolsonarismo na equação Costa Neto/Nunes e, na reta final da campanha, alguns dos mais fiéis escudeiros de Bolsonaro aderiram abertamente a ele: Fabio Wajngarten, Ricardo Salles, Nikolas Ferreira e até Carlos Bolsonaro. 

Se vencer, Marçal passa ao primeiro plano da liderança de extrema direita do país. A interrogação é sobre como será sua relação com Jair Bolsonaro: irá confrontá-lo a disputar o comando da ultradireita ou buscará uma acomodação? Isso em âmbito nacional. Na cidade, deverá fazer um governo de extrema direita em composição com o bolsonarismo e incorporando a direita clientelista, sem maiores problemas na Câmara de Vereadores. Poderá ser um nome para 2026, mas é jovem o suficiente para esperar 2030. 

Se perder, deverá sair pelo país firmando sua liderança, tateando 2026 com a ideia da candidatura presidencial se Bolsonaro for de fato barrado ou tentando uma das duas vagas para o Senado.

Marçal sai da disputa vitorioso politicamente, mas poderá ter que enfrentar um enorme obstáculo: o Poder Judiciário. Seus adversários, especialmente se não for eleito prefeito, irão aos tribunais com uma série de alegações para barrar seu futuro na política nacional.


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O cenário está aberto em São Paulo, as pedras estão lançadas numa das disputas mais emocionantes que a cidade e o país já viram. 

Nos últimos dias, o debate da TV Globo (na quinta), a ausência do horário eleitoral gratuito versus o protagonismo das redes e, sobretudo, as inclinações dos indecisos definirão o resultado do primeiro turno.