Odeio São Paulo. Amo São Paulo. Nascido, crescido e vivido bem pertinho, em Santos, logo ali, no litoral, assim como Caetano Veloso, venho de outro sonho feliz de cidade. Passei minha infância e adolescência solto pelas praias, sem medo de trânsito excessivo nem violência urbana. Tudo na minha vida era plano, azul, ensolarado e simples.
Ouço desde pequeno que São Paulo fica logo ali, a uma hora de viagem. Quem precisar, é só ir. Mas não é e nunca foi bem assim. Isolado na Ilha de São Vicente, a vida me transformou em um quase caiçara. A simplicidade, que em um determinado momento parecia tão prazerosa, era e é, na verdade, uma certa privação de um mundo de coisas.
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Um sem fim de oportunidades e informações que só estão em São Paulo. E, para tê-las, não bastava e nunca bastou ir de vez em quando. É preciso, de fato, estar por lá, viver o seu dia-a-dia. Pegar metrô, busão, andar na garoa, ouvir o barulho, a música das ruas, revirar seus sebos, conversar com refugiados, aprender seus bairros.
Estar em São Paulo é sobreviver dentro dos noticiários, enxergar o vai e vem da vida de perto, o sucesso e o fracasso, a extrema riqueza e tropeçar na abundante miséria, os grafites, esculturas, concertos, temporadas de ópera, maestros e músicos de rua, rappers, moda de viola e vanguarda paulistana.
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Não basta saber. É preciso perceber que os restaurantes que ficam do lado de cá da Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM&F) são muito mais caros que os do lado da galeria do rock, mas nem por isso melhores. Não basta que te contem, você tem que comer no português do Largo do Paissandu e pagar a conta riscada no mármore do balcão pra saber.
Tem que gastar sola pra descobrir as diferenças entre os múltiplos hamburgueres e as milhões de pizzas assadas a cada minuto. Tem que engasgar com o churrasco grego com suquinho de abacaxi grátis antes de entrar no Municipal pra ver na faixa o ensaio da Sinfonia nº 9 de Dvorák. Disputar a tapas ingressos do SESC; mastigar os melhores pães e seus cafés da manhã a preço de jantares. E seus jantares em bairros que valem um aluguel em outros.
Tem que ignorar com ar blasé gente dormindo em vãos de concreto planejados por arquitetos de grife. Ocupações de sem-teto em cinemas art déco, camelôs vendendo Prada a preço de banana, centenas de peças em cartaz, atores e skatistas desde a Praça Roosevelt até a Estação São Bento.
Já de madrugada, um taxista vai te cobrar uma córnea e meia pra te tirar do temporal e te deixar perto de uma cama quente. Você dorme quase feliz e sonha com uma cidade melhor. Ou com o melhor de uma cidade pior.
Parabéns, São Paulo. Bora pra mais 470 anos. Esse fim de semana vou pra Santos.