OPINIÃO

Argentina 2023 e Brasil 2018: qualquer semelhança não é mera coincidência

O nome mais popular da esquerda argentina é a vice-presidenta Cristina Kirchner, mas uma série de manobras jurídicas inviabilizaram sua candidatura à Casa Rosada

Javier Milei.Créditos: Ilan Berkenwald/Flickr
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Na última terça-feira (26) foi publicado no portal de notícias Opera Mundi, o artigo intitulado “Na Argentina, empresários e think tanks de direita abandonam macrismo para apoiar Milei" - assinado por Victor Farinelli. A princípio, poderia ser mais um texto sobre geopolítica sul-americana; porém, tanto o título, quanto seu conteúdo, chamam a atenção pelas (infelizes) semelhanças entre a Argentina de 2023 de Javier Milei e o Brasil de 2018 de Jair Bolsonaro.

Ao transpor o título do artigo de Farinelli para o contexto eleitoral brasileiro de cinco anos atrás, poderíamos ler: “No Brasil, Fiesp e MBL abandonam PSDB para apoiar Bolsonaro”. Ou seja, com a candidatura do então tucano Geraldo Alckmin sem decolar nas pesquisas, o jeito foi aderir à campanha do “mito”, sobretudo depois que seu avalista, Paulo Guedes, garantiu que colocaria em prática a (nefasta) agenda neoliberal.

De acordo com o texto publicado no Opera Mundi, o apoio de empresários e think tanks de direita a Milei ocorre porque “pesquisas o colocam em primeiro lugar, seguido de perto pelo ministro da Economia Sergio Massa, representante do atual governo e do peronismo”.

Como sabemos, atualmente, o nome mais popular da esquerda argentina é a vice-presidenta Cristina Kirchner, mas uma série de manobras jurídicas inviabilizaram sua candidatura à Casa Rosada.

Assim, é impossível não associar o caso de Cristina à perseguição sofrida por Lula anos atrás, ou não pensar em Sergio Massa como o equivalente a Haddad de 2018. Se, para nossa elite, “o importante é tirar o PT”; para a elite argentina, o "importante é vencer o kirchnerismo”. Nem que para isso tenham que apoiar políticos grotescos como Bolsonaro e Milei.

Na sequência do artigo, a partir de reportagem publicada no diário Página/12, Victor Farinelli escreve: “alguns dos empresários mais importantes da Argentina, conhecidos por terem sido os financiadores da carreira política do ex-presidente Macri, embarcaram na campanha do candidato líder das pesquisas nas últimas semanas [Milei]". Automaticamente, nos vêm à mente figuras similares tupiniquins, como o proprietário de uma famosa rede de restaurantes, um varejista catarinense ou o dono de uma conhecida casa noturna paulistana. É a "consciência de classe" dos ricos: apoiam quem os beneficia incondicionalmente.

Além do conteúdo do artigo do Opera Mundi, há outros paralelos entre Argentina de 2023 e Brasil de 2018. Milei se vende como outsider, armamentista, anti-esquerda e disposto a combater os privilégios da "casta" política. Troque "casta" por "sistema" e temos o discurso de Bolsonaro em sua primeira campanha presidencial.

Já na grande imprensa argentina, de maneira geral, Milei não é apresentado como candidato de "extrema direita", mas “libertário”. No Brasil de 2018, o eufemismo midiático da ocasião era apresentar Bolsonaro como "conservador".

No entanto, a aproximação entre os contextos eleitorais dos dois maiores países sul-americanos não é mera coincidência. Extrema direita e livre mercado são duas faces da mesma moeda. Como diz uma frase bastante citada na internet, porém de autoria desconhecida, "um liberal é um fascista de férias".

Desse modo, conforme uma máxima marxista, a extrema direita é a carta na manga da burguesia, a ser utilizada quando a direita tradicional não dá mais conta de manter os lucros do grande capital. Foi assim com Mussolini na Itália; com Hitler na Alemanha; Bolsonaro no Brasil; e agora com Milei na Argentina.

E ainda há quem acredite em falácias como "democracia burguesa", "direita civilizada" ou "capitalistas bem-intencionados".

* Francisco Fernandes Ladeira é doutorando em Geografia pela Unicamp.

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.