A Argentina parece realmente disposta a se lançar no abismo na eleição presidencial de 22 de outubro. Como se estivesse fora da órbita terrestre nos últimos anos, uma parte enorme da sociedade de lá age como se não tivesse testemunhado o que a extrema direita fascistoide fez no Brasil com Jair Bolsonaro, eleito em 2018 numa espécie de catarse coletiva que resolveu venerar um sujeito raso, violento, absolutamente despreparado e que por hábito dava declarações dantescas e repugnantes. Os quatro anos de tragédias, o morticínio na pandemia pelo negacionismo criminoso e a onda de fome e de devastação socioeconômica, ao que consta, não foram suficientes para que nossos “hermanos” se convençam de que Javier Milei, um extremista abjeto que gosta de ser chamado de “Bolsonaro argentino”, não é uma opção sequer a ser considerada na disputa eleitoral.
Nas primárias realizadas em agosto, Milei, do partido extremista La Libertad Avanza, registrou 30% do total dos votos computados no país. Seus adversários, somadas as candidaturas internas que disputavam a indicação para o pleito final, registram, respectivamente, 28% (do Juntos Por El Cambio, a principal coalizão de oposição ao atual presidente, Alberto Fernández) e 27% (Unión Por La Patria, a chapa do atual governo). Nas últimas pesquisas para o embate definitivo, em outubro, dos institutos ‘Analogías’ e ‘Opinaia’, a situação não é diferente: Milei tem 31% e 35%, contra 28% e 25% de Sergio Massa, o candidato da situação, e 21% e 23% de Patricia Bullrich, a pleiteante da direita tradicional que vive a fazer acenos aos extremistas reacionários.
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Percebendo que sua ascensão ganha corpo e que segue sendo o nome preferido dos argentinos, Milei vem subindo o tom de suas loucuras, de forma muito semelhante à estratégia adotada por Bolsonaro em 2018. A prova de que a estética grotesca e a falta de senso do ridículo têm aumentado foi seu último comício, realizado em La Plata, cidade a 60 km de Buenos Aires.
Ovacionado nas ruas por uma gente abrutalhada, tal como o brasileiro, o economista que parece usar peruca levantou uma motosserra movida a diesel e, ‘acelerando’ a ferramenta, com muita fumaça, gritava como um louco, para o delírio de seu eleitorado extremista. A pobre máquina é uma analogia à sua principal promessa, a de cortar gastos públicos. Depois, segurando uma nota gigante de dólar com seu rosto (o candidato promete dolarizar o sistema monetário do país), Milei posou para fotos com a multidão. O ‘carnaval’ se repetiu na pequena Olavarría, na Região Metropolitana de Buenos Aires.
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Bolsonaro fez algo muito parecido por aqui. Colocando óculos, fazendo arminha com as mãos e até usando o tripé de um cinegrafista para simular tiros com uma arma de fogo, prometendo “fuzilar a petralhada”, foi provocando cada vez mais histeria por onde passava e venceu em primeiro e segundo turnos as conturbadas eleições de 2018, realizadas na esteira de uma convulsão política que teve início com o golpe parlamentar travestido de impeachment contra a então presidenta Dilma Rousseff (PT) e o governo-tampão-golpista antipovo de Michel Temer (MDB).
Como se estivessem se fazendo de cegos e surdos, grandes setores da sociedade argentina se empolgam com Milei num país arrasado economicamente, que vê o peso, moeda local, derreter, e a qualidade de vida cair bruscamente, ainda que tal histórico na nação austral não seja uma novidade nas últimas décadas, desde a redemocratização. Acreditar na pilha de bobagens infantis que Milei jura de pés juntos que colocará em prática, e que seriam impossíveis de serem levadas a cabo, ou inócuas para a situação da Argentina, virou uma espécie de miragens para muitos eleitores, que cismam em ignorar o que ocorreu com o vizinho Brasil quando foi dada a oportunidade a um absoluto inapto de chefiar o Estado.
Veja o vídeo da grotesca performance de Milei em La Plata: