Antes de qualquer argumento ou explicação, o que deve ficar claro e bem cristalino é que as críticas que farei aqui direcionadas a magistrados que ocupam cadeiras na mais alta instância do Judiciário brasileiro não são frutos de uma discordância baseada em perfis ideológicos, ou simplesmente porque alguém no universo progressista enxerga aquelas personagens como conservadoras, mesmo que se classifiquem dessa maneira. Há espaço, e deve haver, para conservadores nas cortes nacionais, até porque parte da população tem o direito de se descrever como conservadora e se ver ali representada. Não se trata de nada disso.
O que Kassio Nunes Marques e André Mendonça vêm fazendo no Supremo Tribunal Federal, e não é de agora, com suas posturas no julgamento dos primeiros réus do 8 de Janeiro ganhando as manchetes dos jornais, é uma avacalhação proposital e aberta à Corte que representa o ponto mais alto de nossa Justiça. O que temos visto é um desprezo absoluto pela civilidade, pelo espírito republicano e pela liturgia exigida dos onze homens e mulheres investidos com as togas mais poderosas do Brasil.
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Kassio Nunes Marques, cujos votos são um apanhado de palavras simplórias sem qualquer escoramento técnico ou arcabouço jurídico, aliviou a barra dos golpistas que por meio de uma ação de natureza terrorista, arregimentados e organizados como grupo, tentaram derrubar o regime político do país invadindo e destruindo as sedes dos Três Poderes da República. Na passada de pano do indicado por Bolsonaro, que além de tudo se mostra um “ainda” bolsonarista, eis que surge uma tese absolutamente ridícula: aqueles golpistas que tentaram dar um golpe de Estado não poderiam ser condenados como golpistas porque o golpe de Estado não teria possibilidade real de se concretizar tendo em vista os meios utilizados na ação.
É simplesmente tosca e surreal a argumentação. Imaginem um grupo que sai de casa portando faquinhas de plástico dessas que vêm nos rocamboles industrializados, e que então entra num banco, vai até os caixas e por meio de ameaça anuncia um assalto. Vendo as “armas” usadas pelo bando, o caixa, o guarda e as pessoas na fila resolvem reagir e surrar os ladrões, detendo-os e chamando a polícia. Quão absurdo seria o juiz do caso inocentá-los com a explicação de que “não se poderia considerar um assalto porque a ação não teria êxito, já que com faquinhas de rocambole eles não intimidariam os funcionários e clientes do banco”?
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Já André Mendonça, como numa discussão colegial entre adolescentes, diz a Moraes, em tom de deboche, que quer ver as câmeras “não disponibilizadas” pelo governo e que o Ministério da Justiça é o culpado por não usar a Força Nacional para impedir a tentativa de golpe, apelando à esdrúxula e risível teoria amalucada dos esgotos bolsonaristas de que o governo Lula teria organizado uma tentativa de golpe, usando só bolsonaristas, contra o próprio governo Lula. É o expediente das massas imbecilizadas convertidas em zumbis radicalizados: soltam a resposta infantil em tom de piada e fogem de qualquer embate racional e adulto.
Tudo isso nas confortáveis e encouradas cadeiras do Supremo Tribunal Federal.
Não se sabe o que será do Brasil nem nos próximos tempos, muito menos em décadas. O fato que preocupa é que tanto Kassio como Mendonça, com esse vandalismo institucional vergonhoso, permanecerão ainda por mais 24 anos no STF, agindo ao arrepio da Constituição, do bom senso, da decência e do mínimo de compostura que se exige não de um juiz da Suprema Corte, mas de qualquer cidadão que ocupe um posto no serviço público.