Após o candidato de extrema-direita, Javier Milei, ter sido anunciado com o grande vencedor das eleições primárias na Argentina (com real possibilidade de ser eleito presidente do país platino no próximo mês de outubro), muitos brasileiros, corretamente, pensaram: "já vi esse filme".
De fato, são várias as semelhanças entre Milei e Jair Bolsonaro: supostamente outsiders e combatentes do “sistema” (no caso do argentino, da “casta”), fama a partir de aparições em programas popularescos, admiração por Donald Trump, defesa de ideias neoliberais, posturas armamentistas, ódio à esquerda e por aí vai.
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No entanto, o fenômeno Milei não é familiar apenas para nós, brasileiros; trata-se de um “filme” constantemente em cartaz no sistema capitalista. De acordo com uma conhecida máxima do marxismo, a extrema-direita é uma carta na manga da burguesia, pronta para ser utilizada em momentos de crise, quando a direita tradicional não dá mais conta de manter os lucros do grande capital. Foi assim com Mussolini na Itália; com Hitler na Alemanha; com o próprio Bolsonaro no Brasil; e, se for necessário, com Milei na Argentina.
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Como se sabe, o candidato da extrema direita não é o preferido da elite argentina para governar o país (tampouco de seus congêneres estrangeiros). O nome preferido para colocar em prática a agenda neoliberal de terra arrasada na Argentina é Patricia Bullrich, da coalizão política Juntos por el Cambio (que de “câmbio” mesmo não tem nada, pois é mais do mesmo na direita tradicional, apenas com o verniz identitário por ser mulher).
Porém, se Milei tiver que ser o nome para impedir a vitória do candidato à esquerda, Sergio Massa, não há dúvida: a classe dominante da terra de Maradona e Che Guevara será “Milei desde criança”.
Aliás, mais uma semelhança nos roteiros dos “filmes” dos vizinhos sul-americanos. Em 2018, quando o até então deputado federal do baixo clero, Jair Messias Bolsonaro, despontava como único nome capaz de derrotar o PT na eleição presidencial, vide o naufrágio de nomes da direita tradicional, nossa elite não titubeou: embarcou na canoa (furada) da candidatura do “mito”.
Também é interessante constatar os papéis desempenhados pelas mídias hegemônicas de Brasil e Argentina, em 2018 e em 2023.
Há cinco anos, nos dois turnos da eleição presidencial, por aqui, nenhum articulista da grande imprensa se referia a Bolsonaro como político de “extrema-direita”; usavam, no máximo, o eufemismo “conservador”.
Em contrapartida, seus congêneres argentinos, atônitos, se perguntavam sobre o porquê de o “alegre povo brasileiro” ter escolhido como seu presidente um nome de extrema-direita, de características fascistóides.
Pois bem, no atual contexto, numa dessas voltas que a Terra (que não é “plana”) dá, nos principais veículos de comunicação de nossos vizinhos, Milei não é apresentado como “extrema direita”, mas a partir do eufemismo “libertário” (talvez já antevendo a possibilidade de ser necessário um pontual apoio em outubro).
Em uma linha editorial oposta, na mídia brasileira, o vencedor das primárias argentinas é tratado como realmente é: um nome de extrema-direita. Algo bastante diferente do que foi noticiado sobre Bolsonaro em 2018.
Parafraseando um ditado que minha avó sempre dizia: extrema-direita nos olhos dos outros é refresco.
Fazendo um exercício hipotético, não é difícil inferir que Milei eleito presidente argentino e após um governo desastroso, a mídia daquele país, enfim, chamará o fenômeno pelo nome: extrema-direita.
Não por acaso, hoje é normal ouvirmos associações entre extrema-direita e Bolsonaro na imprensa brasileira. Recorrendo a mais um dito popular: filho feio não tem pai.
Entra presidente, sai presidente, mas um roteiro permanece. Grandes capitalistas e imprensa hegemônica apoiam um nome de extrema-direita (para impedir a esquerda de chegar ao Poder; o famoso “o importante é tirar o PT”, por exemplo). Após os desastres (anunciados) desses governos, cínica e convenientemente, fingem não ter nada a ver com isso. Foi assim com Mussolini, Hitler, Bolsonaro e poderá ser com Milei.
*Francisco Fernandes Ladeira é doutorando em Geografia pela Unicamp.